Baixa sobreposição entre BM&F e Cetip deve facilitar aval de fusão pelo Cade

A chancela do órgão regulador, que poderá levar até oito meses, prazo que pode ser prorrogado por mais três, é fator obrigatório para que as companhias possam iniciar a integração de suas atividades

Estadão Conteúdo

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A baixa sobreposição entre os negócios de BM&FBovespa (BVMF3) e Cetip (CTIP3) deve evitar entraves para a fusão das empresas por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade). Um questionamento poderia surgir do argumento de que a fusão prejudicaria uma “competição potencial”, mas esse raciocínio precisa ter sólido amparo para vingar. A chancela do órgão regulador, que poderá levar até oito meses, prazo que pode ser prorrogado por mais três, é fator obrigatório para que as companhias, após diversas tentativas de combinação de negócios capitaneadas pela BM&FBovespa, possam iniciar a integração de suas atividades.

O coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, Paulo Furquim, destaca que em operações em que não existe sobreposição, a liberação pelo Cade costuma ser mais rápida. No entanto, quando há sobreposição, a tendência é de mais discussões e um tempo maior para a aprovação. “A fusão entre BM&FBovespa e Cetip deverá criar uma discussão interessante no Cade, mas o órgão não deve criar uma barreira”, afirma. Furquim foi um dos conselheiros da Cade na aprovação da fusão entre BM&F e Bovespa, em 2008. Segundo ele, nesse caso não foi identificada sobreposição entre as duas empresas, o que permitiu uma rápida aprovação pelo órgão.

No ano passado, a receita líquida da Cetip somou R$ 1,125 bilhão. Desse valor, R$ 412,6 milhões vieram da unidade de Financiamento, ou seja, quase 40% do total. A unidade de Financiamento é aquela do registro de gravames, mercado no qual a Bolsa não tem atuação. Já na Unidade de Títulos e Valores Mobiliários, que responde pelo restante da receita da Cetip, a BM&FBovespa concorre no registro de renda fixa, com o ibalcão. Esse segmento específico, de registro de renda fixa, responde por cerca de 10% das receitas da depositária e tem o market share dividido, com aproximadamente 85% para a Cetip e 15% para a Bolsa.

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Sob esse prisma, o Cade deverá analisar a fusão entre Bolsa e Cetip como um caso de verticalização, visto que os dois negócios são complementares, explica o ex-conselheiro do órgão antitruste e sócio-diretor da consultoria Microanalysis, Cleveland Prates. O especialista diz que uma tese que pode ser alegada é de que a fusão pode prejudicar uma “competição potencial”, mas que esse argumento precisa ter sólido amparo para poder ser utilizado. Além do Cade, a fusão entre Bolsa e Cetip precisará ser aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central (BC). Antes disso, a transação precisará passar por assembleias de acionistas de ambas as empresas, que estão marcadas para o próximo dia 20.

Prates, da Microanalysis, explica que questões relacionadas ao ganho de eficiência, com redução de custos para as operações, podem ser analisadas pelo Cade, mas que o órgão chega a esse detalhamento apenas se for identificado algum tipo de dano à concorrência, mesmo que potencial. “A partir desse ponto, se analisa se o ganho de eficiência se sobrepõe ao risco de redução de competição”, pondera.

O professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Arthur Barrionuevo, diz que essas complementaridades, e não uma posição de competição entre as empresas, deve facilitar o sinal verde do lado do Cade. “Com isso, o problema tende a ser reduzido e, em princípio, a tendência é de o órgão aceitar a fusão sem maiores questionamentos”, afirma. Barrionuevo diz ainda que pesa para o bom funcionamento de uma bolsa de valores a escala, que permite ganho de eficiência. Por essas características, torna-se rara a existência de mais uma bolsa em um único mercado.

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Apesar do tamanho do mercado brasileiro, há no momento uma empresa interessada em abrir uma nova bolsa no Brasil. Após o anúncio da fusão entre BM&FBovespa e Cetip, a ATS Brasil e a Americas Clearing System apresentaram ao Cade representação pedindo que sejam investigadas supostas ações da BM&FBovespa, consideradas monopolistas pelas duas companhias. O interesse da ATS, que chegou a pedir aval à CVM para operar, em lançar uma nova bolsa no Brasil foi precedido pela sinalização da Bats, operadora global de bolsas de valores, que chegou a firmar um memorando de entendimentos com a gestora de recursos Claritas, há cinco anos. Além dela, chegou a anunciar entrada no mercado brasileiro a Direct Edge. Em 2013, Bats e Direct Edge anunciaram fusão e a intenção de lançar uma bolsa no Brasil acabou sendo deixada de lado.

Na época, com o aumento da discussão sobre concorrência entre bolsas de valores, a CVM encomendou um estudo da consultoria internacional Oxera, que apontou a expectativa de crescimento brasileiro, abrindo espaço para “múltiplas plataformas de negociação”, mas citou que a liquidez do mercado é fator preponderante para dar respaldo para a existência de dois locais diferentes de negociação. Outro ponto levantado pela consultoria é que nos mercados em que houve a entrada de concorrência, uma característica observada foram “locais de negociação que atendem a uma área relativamente especializada do setor total de negociação”. O documento exemplifica como os “dark polls” e “crossing networks”, sistemas não permitidos no Brasil, segundo a Oxera.

Eficiência com a fusão
Apesar do prometido ganho de eficiência, no mercado local corretoras chegaram a criticar o negócio entre BM&F e Cetip, diante da preocupação de aumento de custos operacionais. “Nossa preocupação é em relação a um novo aumento de custos”, afirma o presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadoria (Ancord), Caio Weil Vilares, que disse ainda que as corretoras vivem um contexto de margens muito comprimidas, diante da apatia do mercado de capitais. Segundo ele, por deter o monopólio, a BM&FBovespa eleva seus preços, a despeito da fraqueza do mercado, a fim de manter suas margens.

O advogado Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM, no entanto, lembra que no passado a concorrência entre bolsas de valores não desenvolveu o mercado brasileiro. “Por aqui, foi preciso ter uma bolsa forte para o mercado começar a se desenvolver”, disse. Uma bolsa mais forte e capitalizada, opina, conseguirá ter maior presença regional.

Em carta aberta aos seus acionistas no fim de fevereiro, ou seja, após ter feito a oferta vinculante pela Cetip, a BM&FBovespa frisa que “além das eficiências de custos, a combinação das atividades da BM&FBovespa e da Cetip tenderia a gerar, para os participantes dos mercados financeiro e de capitais, ao longo do tempo, economia da ordem de dezenas de bilhões de reais em termos de capitais alocados para a realização de operações”. Somado a isso, a Bolsa destaca que essa maior eficiência para a alocação de capital se traduz “em custos menores para a realização de operações e em um ambiente de mercado mais dinâmico e internacionalmente mais competitivo”.