Ata do Copom: BC mostra preocupação com pressões inflacionárias da guerra na Ucrânia e ‘impactos secundários’ da alta das commodities

Banco Central deixou a porta aberta para ampliar o ciclo de aperto monetário; bancos elevam projeção da Selic para 13,75% ao ano após o documento

Lucas Sampaio

Edifício Sede Caixa Econômica Federal e Banco Central em Brasília

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O Banco Central demonstrou preocupação com as pressões inflacionárias da guerra entre Rússia e Ucrânia e dos “impactos secundários” do choque de preços das commodities, mostra a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira (22).

O documento reafirma a intenção do BC de fazer um outro ajuste de 1 ponto percentual na Selic na próxima reunião, para 12,75% ao ano, e indica o fim da alta dos juros básicos da economia brasileira.

Mas, ao mesmo tempo, deixa a porta aberta para ampliar o ciclo de aperto monetário se o cenário mais negativo se concretizar — o que levou bancos a elevarem a projeção da Selic para até 13,75% após a ata (veja mais abaixo).

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O Copom disse no comunicado diz que a reorganização das cadeias de produção globais “ganhou novo impulso” com o conflito e com as sanções impostas à Rússia e que isso traz “consequências de longo prazo e se traduzir em pressões inflacionárias mais prolongadas”.

Disse também que “o conflito na Europa adiciona ainda mais incerteza e volatilidade” e que o choque de oferta em diversas commodities “recomenda que a política monetária reaja aos impactos secundários desse tipo de choque”.

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Por isso, o BC considerou como “hipótese usual” o barril de petróleo a US$ 121 no fim de 2023, muito acima das projeções de mercado, “extrapolando para o todo o horizonte relevante da política monetária o preço do petróleo resultante de uma conjuntura internacional particularmente anômala”.

Fim da alta dos juros?

O comitê decidiu na semana passada, por unanimidade, elevar em 1 ponto percentual a Selic, para 11,75% ano, levando os juros básicos da economia brasileira para o maior patamar desde abril de 2017 (quando estavam em 12,25% ao ano). É a 9ª alta consecutiva e o maior aperto monetário desde 1999.

A ata reafirma a perspectiva de um outro ajuste de 1 ponto percentual na próxima reunião e diz que a atual trajetória de juros “significativamente contracionista”, “que tem impacto principalmente na inflação de 2023, é compatível com o combate aos efeitos de segunda ordem do atual choque de oferta”.

“Entretanto, caso o cenário prospectivo se mostre mais próximo ao observado no cenário de referência, o comitê avalia que este ciclo deverá ser ainda mais contracionista”, pondera o documento, mantendo a possibilidade de ampliar o ciclo de alta de juros.

Segundo a XP Macro, a ata “sugere Selic terminal em 12,75%, mas todos os riscos (significativos) estão inclinados para cima”. A análise destaca o alerta do BC para os riscos de uma inflação mais duradoura e que, “assim como a autoridade monetária, reconhecemos que os riscos estão inclinados para cima”.

Selic acima de 13% ao ano

Para o Goldman Sachs, outra alta de 1 ponto “pode ser suficiente para entregar a inflação na meta em 2023”, mas ainda pode haver um último aumento, de 0,25 a 0,5 ponto percentual, na reunião de junho. “Estamos agora entrando em um estágio de ajuste fino do final do ciclo”, aponta análise do banco.

O BofA (Bank of America Merrill Lynch) destaca que a próxima alta de 1 ponto “pode ser a última deste ciclo”, mas o BC “está pronto para ajustar o ciclo caso o cenário evolua desfavoravelmente, o que é provável em nossa visão”. “Mantemos nossa projeção de Selic terminal em 13,25%”.

O Itaú também interpreta que o plano do BC era encerrar a alta de juros na próxima reunião, mas a instituição “reconhece que, caso o cenário prospectivo mostre mais deterioração, aumentaria um pouco mais a taxa Selic, mais profundamente em território contracionista”.

O banco agora projeta que o Copom vai elevar a Selic para 13,75% ao ano, em três parcelas (uma alta de 1 ponto na próxima reunião e mais duas altas de 0,5 nas seguintes), contra 13% da projeção anterior (1 ponto em junho mais 0,25 na reunião seguinte). “Teremos ainda mais informações sobre o pensamento do Copom com a divulgação do relatório de inflação na quinta-feira”.

Veja, abaixo, a íntegra da ata do Copom:

Atas do Comitê de Política Monetária – Copom
245ª Reunião – 15-16 março, 2022
Data de publicação: 22/03/2022

A) Atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom1
1. No cenário externo, o ambiente se deteriorou substancialmente. O conflito entre Rússia e Ucrânia levou a um aperto significativo das condições financeiras e aumento da incerteza em torno do cenário econômico mundial. Em particular, o choque de oferta decorrente do conflito tem o potencial de exacerbar as pressões inflacionárias que já vinham se acumulando tanto em economias emergentes quanto avançadas. Desde a última reunião, a maioria das commodities teve avanços relevantes em seus preços, em particular as energéticas.

2. A reorganização das cadeias de produção globais, com a criação de redundâncias na produção e no suprimento de insumos e mudança no tratamento dos estoques de bens (no sentido de se deter maiores estoques), ganhou novo impulso com o conflito na Europa e as sanções aplicadas à Rússia. Na visão do Comitê, esses desenvolvimentos podem ter consequências de longo prazo e se traduzir em pressões inflacionárias mais prolongadas na produção global de bens.

3. Em relação à atividade econômica brasileira, a divulgação do PIB do quarto trimestre de 2021 apontou ritmo de atividade acima do esperado, deixando o carrego estatístico um pouco maior para 2022. Indicadores relativos ao comércio e serviços mostraram evolução ligeiramente melhor que a esperada em janeiro, enquanto a indústria contraiu no mesmo mês. Indicadores do mercado de trabalho seguiram mostrando recuperação consistente de empregos no último trimestre de 2021 e em janeiro de 2022.

4. Para 2022, se por um lado a elevação dos prêmios de risco e o aperto mais intenso das condições financeiras atuam desestimulando a atividade econômica, por outro, o Copom segue avaliando que o crescimento tende a ser beneficiado pelo desempenho da agropecuária, ainda que em volume menor que o projetado na última reunião, e pelo processo remanescente de normalização da economia – particularmente no setor de serviços e no mercado de trabalho.

5. A inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes, e mais persistente que o antecipado. A alta nos preços dos bens industriais não arrefeceu e deve persistir no curto prazo, enquanto a inflação de serviços acelerou ainda mais. As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como nos mais associados à inflação subjacente.

6. As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 6,4% e 3,7%, respectivamente.

7. No cenário de referência, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de USD/BRL 5,052, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 7,1% para 2022 e 3,4% para 2023. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 12,75% a.a. em 2022 e reduz-se para 8,75% a.a. em 2023. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 9,5% para 2022 e 5,9% para 2023. Adota-se a hipótese de bandeira tarifária “amarela” em dezembro de 2022 e dezembro de 2023.

8. Diante da volatilidade recente e do impacto sobre as projeções de inflação de sua hipótese usual para o preço do petróleo em USD3, o Comitê decidiu adotar também, neste momento, um cenário alternativo. Nesse cenário, considerado de maior probabilidade, adota-se a premissa na qual o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura de mercado até o fim de 2022, terminando o ano em USD100/barril e passando a aumentar 2% ao ano a partir de janeiro de 2023. Nesse cenário, as projeções de inflação do Copom situam-se em 6,3% para 2022 e 3,1% para 2023.

B) Riscos em torno dos cenários para a inflação
9. Os cenários do Copom para a inflação envolvem fatores de risco em ambas as direções.

10. Por um lado, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo dos seus cenários.

11. Por outro lado, políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país.

12. Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal mantém elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, mas considera que esse risco está sendo parcialmente incorporado nas expectativas de inflação e preços de ativos utilizados em seus modelos. O Comitê segue considerando uma assimetria altista no balanço de riscos.

C) Discussão sobre a condução da política monetária
13. A incerteza em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual resulta em elevação dos prêmios de risco e eleva o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas. Esse movimento já é observado, em alguma medida, nas expectativas de inflação para prazos mais longos extraídas da pesquisa Focus, assim como nos prêmios de risco de diversos ativos locais. O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

14. O conflito na Europa adiciona ainda mais incerteza e volatilidade ao cenário prospectivo, e impõe um choque de oferta importante em diversas commodities. O Comitê considerou que a boa prática recomenda que a política monetária reaja aos impactos secundários desse tipo de choque, prática que leva em consideração as usuais defasagens dos efeitos da política monetária.

15. O Copom avaliou, especificamente, o impacto sobre suas projeções da hipótese para a trajetória de preços do petróleo. Na sua hipótese usual, o preço do barril parte de valores em torno de USD118 em março e se eleva para cerca de USD121 no fim de 2023, ou seja, extrapolando para o todo o horizonte relevante da política monetária o preço do petróleo resultante de uma conjuntura internacional particularmente anômala. O Comitê observou que o atual ambiente de incerteza e volatilidade elevadas demanda serenidade para a avaliação dos impactos de longo prazo do atual choque e, portanto, optou por comparar essa hipótese com os preços de contratos futuros de petróleo, negociados em bolsas internacionais, e com projeções de agências do setor. Notou-se que ambos convergiam para um preço do barril abaixo de USD100 ao fim de 2022. O Copom concluiu então que seria adequado manter a hipótese usual no cenário de referência, mas adotar como mais provável um cenário com hipótese alternativa para a trajetória de preços do petróleo até o fim de 2022. Para as projeções a partir de 2023, o Comitê decidiu manter sua premissa mais conservadora. O Comitê considera que a divulgação de cenário alternativo é particularmente útil e informativa em ambiente altamente incerto.

16. O Copom passou então à discussão da implementação da política monetária, considerando as probabilidades relativas dos cenários avaliados, assim como o balanço de riscos para a inflação. Levando-se em consideração o maior peso atribuído ao cenário com hipótese alternativa para o petróleo, as projeções de inflação estão acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta para 2022 e ao redor da meta para 2023.

17. Quanto ao balanço de riscos, o Comitê mantém o viés altista para as projeções dos seus cenários. Como consequência, o Copom avaliou que, considerado esse viés devido à assimetria de riscos, suas projeções se encontram acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta para 2022, e ainda ao redor da meta para 2023. Diante desses resultados, e da avaliação do Comitê a respeito da probabilidade de cada cenário, o Copom considerou que, neste momento, um ciclo de aperto monetário semelhante ao utilizado nos seus cenários é o mais adequado.

18. Pesou para essa avaliação do Comitê o incremento de pelo menos 0,75 p.p. no ciclo de juros projetado em todo o horizonte relevante, desde a última reunião do Copom. A trajetória de juros projetada implica patamar significativamente contracionista da política monetária, que tem impacto principalmente na inflação de 2023, e é compatível com o combate aos efeitos de segunda ordem do atual choque de oferta. Entretanto, caso o cenário prospectivo se mostre mais próximo ao observado no cenário de referência, o Comitê avalia que este ciclo deverá ser ainda mais contracionista.

19. A seguir, o Copom avaliou o ritmo apropriado de elevação dos juros. Para tal, analisou suas projeções de inflação utilizando simulações com trajetórias de política monetária com diferentes taxas terminais, ritmos de ajuste e duração do aperto monetário. Diante da volatilidade e incerteza da conjuntura atual, particularmente no cenário internacional, o Comitê optou por uma trajetória de juros mais tempestiva do que a embutida em seus cenários. Essa preferência expressa cautela em relação às probabilidades atribuídas a seus cenários e à mensuração dos efeitos de segunda ordem, bem como seu comprometimento com a convergência da inflação e das expectativas para as metas no horizonte relevante.

20. Com base nesses resultados, os membros do Copom debateram a estratégia mais apropriada. Concluiu-se que um novo ajuste de 1,00 ponto percentual, seguido de ajuste adicional de mesma magnitude, é a estratégia mais adequada para atingir aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante, assim como a ancoragem das expectativas de prazos mais longos. Entretanto, o Comitê reconhece o cenário desafiador para a convergência da inflação para suas metas e reforça que estará pronto para ajustar o tamanho do ciclo de aperto monetário, caso o cenário evolua desfavoravelmente.

D) Decisão de política monetária
21. Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,00 ponto percentual, para 11,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e, principalmente, o de 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

22. O Copom considera que, diante de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista.

23. A atuação do Comitê visa combater os impactos secundários do atual choque de oferta em diversas commodities, que se manifestam de maneira defasada na inflação. As atuais projeções indicam que o ciclo de juros nos cenários avaliados é suficiente para a convergência da inflação para patamar em torno da meta ao longo do horizonte relevante. O Copom avalia que o momento exige serenidade para avaliação da extensão e duração dos atuais choques. Caso esses se provem mais persistentes ou maiores que o antecipado, o Comitê estará pronto para ajustar o tamanho do ciclo de aperto monetário. O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.

24. Para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.

25. Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

Notas de rodapé
1 A menos de menção explícita em contrário, esta atualização leva em conta as mudanças ocorridas desde a reunião do Copom em fevereiro (244ª reunião).

2 Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

3 Valores em torno da média dos preços do petróleo vigentes na semana anterior à reunião do Copom e 2% de variação ao ano a partir de então.

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Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.