Aguardado texto do arcabouço fiscal é aprovado na Câmara: quais os impactos para o mercado brasileiro?

Reação inicial é tímida para Ibovespa e dólar, também impactado pelo exterior, mas analistas destacaram mudanças positivas e veem espaço para corte de juros

Lara Rizério Vitor Azevedo

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Ibovespa em queda, mas dólar e juros futuros também em baixa.

A sessão após a aprovação do tão esperado teste-base do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados é de reação relativamente tímida para o mercado brasileiro, notoriamente para o Ibovespa, enquanto há impactos um pouco mais claros no mercado de juros e câmbio. Analistas de mercado, por sua vez, além do impacto no curtíssimo prazo, estão de olho no horizonte um pouco mais longo para o mercado doméstico, com as possíveis implicações da aprovação na véspera para o cenário de corte de juros e retomada da Bolsa. Ainda é esperada a votação dos destaques, mas não há projeções de mudanças no texto. Após a aprovação na Câmara, o texto passará pelo Senado.

Na sessão, a Bolsa brasileira seguiu o tom de cautela nos mercados internacionais, com a aprovação do arcabouço sendo ofuscada ainda pela falta de consenso nas negociações entre democratas e republicanos para a elevação do teto da dívida nos Estados Unidos e pela baixa do minério.

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O Ibovespa caiu 1,03%, a 108.799 pontos, enquanto o dólar comercial teve baixa de 0,37%, a R$ 4,954 na compra e na venda. As taxas dos contratos futuros de juros também recuaram. No fim da tarde, a taxa do DI para janeiro de 2024 estava em 13,275%, ante 13,296% do ajuste anterior, enquanto a taxa do DI para janeiro de 2025 estava em 11,625%, ante 11,685% do ajuste anterior. Entre os contratos mais longos, a taxa para janeiro de 2026 estava em 11,11%, ante 11,161% do ajuste anterior, e a taxa para janeiro de 2027 estava em 11,14%, ante 11,196%.

Nos EUA, o presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, afirmou ontem que democratas e republicanos não estão “nem perto de um acordo” –o que aumenta o tom de urgência, pois a partir de 1º de junho novos gastos do Governo por lá estariam comprometidos. Do outro lado do mundo, a demanda ainda fraca por aço para construção durante o verão na China, que começa no final de junho, também aponta para alguma dificuldade para o gigante asiático se reerguer, corroborando esse ambiente nos mercados acionários. O minério teve nova queda – os preços futuros sofreram um tombo de 4,61% em Dalian, cotados ao equivalente a US$ 96,97 por tonelada – o que impacto as ações da Vale (VALE3), em baixa de cerca de 2%.

Já os contratos futuros do petróleo operando em alta, ampliando os ganhos de mais de 1% de ontem, após pesquisa do API mostrar forte queda nos estoques norte-americanos de petróleo bruto na última semana.

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“Se por um lado o cenário externo sugere um dia mais negativo por aqui também, por outro lado a votação dos destaques à regra fiscal na Câmara, após a aprovação do texto base do projeto por ampla maioria de votos na noite de ontem, pode aumentar as perspectivas de que o início dos cortes de juros no país se avizinham –embora sem alterar a nossa percepção de que devem ocorrer apenas no segundo semestre”, destaca a Ágora Investimentos.

José Faria Júnior,  diretor da consultoria Wagner Investimentos, aponta que futuramente novos ajustes fiscais serão necessários. Contudo, ele aponta que “o mercado está melhor porque desconfiava de solução ainda pior. Agora vamos acompanhar a sua execução e, eventualmente no futuro, o mercado poderá cobrar o preço. A solução é acompanhar a evolução da execução”.

Na mesma linha,  o economista André Perfeito aponta que a votação expressiva do novo arcabouço fiscal, que na sua redação final ficou mais austero que a versão inicial, é uma importante vitória do governo, em especial do ministro da Fazenda Fernando Haddad e que tem o potencial de inaugurar uma nova fase no debate econômico do país.

Já para a XP, ainda que numa redação mais austera do que a versão inicial, em uma avaliação geral, as mudanças promovidas pelo relator em relação ao texto entregue pelo governo ao Congresso foram neutras. “Embora tenha reduzido o mínimo de investimentos e ampliado o alcance do contingenciamento, a proposta ainda deve permitir uma expansão significativa do limite nos próximos dois anos”, aponta a equipe de análise macroeconômica da casa.

Na avaliação de Luis Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners, o arcabouço fiscal aprovado ontem trouxe boas notícias econômicas e políticas, justamente pelo endurecimento, tanto do primeiro texto enviado pelo governo, quanto na primeira versão apresentada pelo relator Cláudio Cajado.

O economista destaca dois pontos que mais agradaram o mercado. O primeiro é a nova regra exclui a aplicação automática do topo do limite superior do crescimento de gastos (2,5% acima da inflação) em 2024, que permitia ao governo gastar mais na largada do arcabouço. Pela nova versão do texto, o governo poderá encaminhar ao Congresso o projeto de lei orçamentária de 2024, em agosto, fixando o crescimento das despesas a 70% da variação da receita no acumulado de 12 meses até junho deste ano, dentro do intervalo de 0,6% e 2,5% acima da inflação.

O relatório alterou também o trecho que permitia incorporar na base de cálculo de 2025 a diferença da correção do limite das despesas pelo IPCA encerrado em junho e o IPCA janeiro a dezembro. Isso agora será permitido apenas em 2024.

“Essas mudanças tornam o arcabouço mais palatável para o mercado, mas não elimina um ‘pecado capital’ da regra que, junto com a vinculação dos gastos com saúde e educação com a receita líquida, é o ‘ovo da serpente’: a retirada do salário-mínimo da limitação do crescimento como proporção da receita. A dinâmica do Arcabouço, mantidos esses ‘problemas’ e as metas para os próximos anos, vai levar a uma compressão das despesas discricionárias que o tornará inviável como foi o teto dos gastos”, avalia Leal.

Assim, conclui, em termos econômicos, o arcabouço fiscal resolve as demandas de curto prazo do mercado, mas “empurra com a barriga” a solução real dos problemas fiscais no Brasil.

Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos, vê que a medida é bem melhor do que o inicialmente proposto pela Fazenda, com limites mais definidos para o cumprimento das metas pelo governo. “O mercado também aguardava com ansiedade o texto, sendo que ele dá mais clareza sobre os objetivos fiscais a serem perseguidos pelo país. Isso gera menor volatilidade e aumenta a previsibilidade”, avalia.

Para Perfeito, apesar da aprovação do arcabouço fiscal não indicar que não haverá aumento de gastos – afinal se trata de um governo com viés mais de esquerda que saiu vitorioso do último pleito -, nem de longe será o gasto que alguns analistas imaginavam.

“Dito isto é provável que vejamos o real se apreciar mais no curto/médio prazo o que reforça uma perspectiva de inflação mais sob controle o que por sua vez reforça a perspectiva de queda de juros. Isso sem contar a alteração da política de preços da Petrobras PETR4 que criou forte queda nos preços no momento presente, mas também foi bem recebida por parte dos investidores. Tudo isso sugere que o Copom irá de fato iniciar o corte de juros em breve, muito provavelmente no início do segundo semestre”, aponta o economista.

Ponderando o argumento de alguns que os núcleos de inflação e a dispersão das altas seguem elevadas, estas devem cair por puro efeito base, afirma o economista: o fato de estarem altas irá apontar provavelmente para uma queda nas próximas medições. “Ademais commodities seguem comportadas e isso reforça a perspectiva de uma inflação mais controlada”, avalia.

Para analistas do Citi, no geral, embora o relator tenha feito uma alteração de última hora, o número de votos surpreendeu positivamente. “Esperamos que o Senado aprove o projeto antes do recesso do meio do ano.”

Olhando para frente, eles complementaram que a principal incerteza é se o governo conseguirá manter esse amplo apoio com projetos de lei que têm custos políticos mais altos para os parlamentares.

“Em linhas gerais o novo quadro fiscal aumenta o gasto público, algo que costuma ser desejável do ponto de vista do parlamentar”, observaram em relatório a clientes. “No entanto, elevar os impostos para financiar esse aumento de gastos geralmente não é um bom presságio para as aprovações dos parlamentares, então o governo pode enfrentar alguns contratempos nessa frente.”

Reforma tributária vem aí?

Perfeito aponta que cabe agora ver a batalha fiscal desse governo que envolve a dinâmica tributária. “Este será o verdadeiro embate uma vez que envolve grupos de pressão organizados na sociedade civil e é justamente ali – na reforma dos tributos e desonerações – que está as condições materiais da sustentação do Arcabouço”, avalia.

Leal, da G5, aponta que, no campo político, a votação expressiva do arcabouço (372 votos), bem acima do mínimo constitucional (308), abre uma boa perspectiva para a Reforma Tributária, a real “bala de prata” do governo, segundo a ministra do Planejamento Simone Tebet.

“Além disso, a incorporação paulatina das demandas do mercado ao texto final, mostrou, mais uma vez, que o Congresso estará refratário as demandas do governo por mais gastos, assim como a derrubada dos decretos presidenciais no caso do marco do saneamento, o mostrou reticente em aprovar retrocessos no ambiente de negócio sugeridos pelo governo. Ao que parece, o modelo de ‘check and balances’ finalmente está funcionando no Brasil. Se vai continuar, as próximas pautas vão testar”, aponta.

(com informações da Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.