Após ata do Copom, economistas se dividem sobre fim do ciclo de alta de juros

Avaliação do Goldman Sachs é que documento trouxe um balanço de riscos diferente para a inflação: em vez de assimétrico para cima, agora mais neutro

Lucas Sampaio

Logo do Banco Central na fachada da sede (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Logo do Banco Central na fachada da sede (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Preocupação com inflação continua, mas com atenção para os efeitos “atrasados” de uma elevação de juros. Com esse cenário no radar, parte do mercado leu a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada nesta terça-feira (10), como uma postura mais “dovish” por parte do Banco Central (menos restritiva, sinalizando menores altas de juros) e avaliação é que o documento trouxe um balanço de riscos significativamente diferente para a inflação: em vez de assimétrico para cima, agora mais neutro.

Analistas também destacaram que o BC deixou em aberto tanto a decisão da próxima reunião do Copom (embora tenha reforçado a sinalização de que haverá uma nova alta, em menor intensidade) quanto a data em que finalmente encerrará o atual ciclo de alta dos juros.

O Copom decidiu na última quarta-feira (4) elevar a Selic pela décima vez consecutiva, de 11,75% para 12,75% ao ano, e disse que “antevê como provável uma extensão do ciclo com um ajuste de menor magnitude”. A alta de 10,75 pontos porcentuais em pouco mais de um ano já é o ciclo de aperto monetário mais intenso desde 1999.

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Análise da XP Macro destaca que o Copom “observou uma deterioração adicional tanto na dinâmica inflacionária de curto prazo quanto nas projeções de longo prazo” e que ela foi causada tanto por fatores externos quanto internos. Além disso, o comitê avaliou que “as pressões inflacionárias se intensificaram e se caracterizam tanto por uma demanda persistentemente alta por bens (por exemplo, na economia norte-americana) quanto por choques de oferta”.

Mas a XP Macro viu “uma parte ‘dovish’ da descrição dos impulsionadores da inflação” na atividade econômica. “O Copom apontou o risco de uma desaceleração mais acentuada à frente, devido às condições financeiras mais apertadas tanto no Brasil quanto no exterior”, e que o comitê destacou que uma “inusitada incerteza” exige uma “cautela adicional em suas ações”. “O Copom descreveu como ‘provável’ uma alta adicional de menor magnitude na próxima reunião. Mas não pareceu se comprometer muito com essa sinalização, a nosso ver”.

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Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, também leu a ata como “dovish”. “No trecho C, em que os membros depositam as discussões sobre a condução de política monetária, os argumentos utilizados conduzem a uma percepção marginalmente mais ‘dovish’. A começar pelo parágrafo 13, no qual eles classificam ‘o ciclo de aperto monetário corrente (como) bastante intenso e tempestivo e que, devido às defasagens de política monetária, ainda não se observa grande parte do efeito contracionista esperado bem como seu impacto sobre a inflação corrente’.”

O economista-chefe da Ativa ressalta que “as expectativas condicionais de inflação da própria autoridade deveriam refletir esse ‘satisfatório’ impacto defasado da política monetária, o que não ocorre, visto que 2023 está acima do alvo da meta” . “No parágrafo 16, os membros enfatizam que a estratégia de indicar ‘uma extensão do ciclo, com um ajuste de menor magnitude na próxima reunião’ como ‘adequada para garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante, assim como a ancoragem das expectativas de prazos mais longos’, o que também não se reflete nas expectativas”.

Riscos não mais assimétricos?

Análise do Goldman Sachs sobre a ata diz que “o Copom continua na ofensiva na calibração da política monetária”, principalmente devido à deterioração adicional das expectativas de inflação e das projeções de inflação para 2022 e 2023, “mas tudo tem um limite”.

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O banco diz que o comunicado pós-reunião e a ata “mostram um Banco Central vigilante porém equilibrado e pronto para validar uma taxa Selic acima de 13%” e ao mesmo tempo “cauteloso em relação aos próximos movimentos de política [monetária], dada a postura monetária já claramente restritiva, os efeitos defasados ​​das altas recentes, o aumento da incerteza em torno do cenário macro, a possibilidade de que os preços das commodities em moeda local possam significar uma reversão parcial e o fato de que o balanço de riscos para a inflação não é mais julgado como assimétrico para cima”.

“Em suma, a caracterização do balanço de riscos para a inflação mudou significativamente: tornou-se mais equilibrado/neutro em vez de assimétrico para cima”, pondera o relatório do Goldman Sachs. O banco destaca os riscos altistas e baixistas apontados pelo Copom para o cenário inflacionário (e as expectativas de inflação): maior persistência das pressões inflacionárias globais e aumento do prêmio de risco devido à incerteza sobre o quadro fiscal futuro do país, do lado altista, e uma possível reversão — ainda que parcial — do aumento do preço das commodities (em reais) e uma desaceleração mais profunda da atividade econômica, do lado baixista.

O banco destaca que já “estamos entrando em um estágio de ajuste fino do ciclo final”, mas “a ata não menciona de forma explícita ou implícita que uma provável alta de junho (de menor magnitude) poderia ser o fim do ciclo”, pois o Copom parou de dizer que o ciclo de juros que sustenta seu cenário (Selic subindo para 13,25% em 2022) é suficiente para a convergência da inflação para níveis em torno da meta no horizonte relevante.

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Em linha com o esperado

O Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco (Depec) disse que a ata do Copom reforçou a sinalização do comunicado divulgado logo após a reunião. “No documento divulgado hoje, o Banco Central apontou que considera apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando em território contracionista, deixando a porta aberta para ajuste adicional dos juros à frente”.

“O relatório trouxe, ainda, discussões a respeito da defasagem da política monetária, dos riscos baixistas para a atividade econômica decorrentes do aperto das condições financeiras e da divergência entre as projeções de seu cenário de referência e as projeções de mercado, que têm apontado para uma inflação mais elevada”, afirma o texto do Depec. “No curto prazo, os dados até a próxima reunião serão cruciais para determinar o ritmo de alta da Selic.”

Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, a ata manteve o “tom duro” do Copom com a inflação, “ressaltando a piora na trajetória de preços em relação ao que era antecipado e uma preocupação grande em reancorar as expectativas na economia”. “Destacam-se dois aspectos do texto: o comentário em relação ao fiscal que endurece, mais uma vez, o tom do BC em torno da política fiscal e a discussão a respeito dos próximos passos, que admite a necessidade de um prolongamento do ciclo dadas as expectativas”.

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Projeções para a Selic: diferentes cenários

Após a ata do Copom, a XP Macro manteve sua projeção de uma taxa Selic “terminal” em 13,75% ao ano, que pode tanto ser alcançada com uma alta final de 1 ponto percentual na reunião de junho ou duas altas de 0,5 ponto nas duas próximas reuniões.

A Ativa Investimentos, por sua vez, reafirma a expectativa de que o BC deve elevar a Selic em 0,5 ponto em junho e interromper o ciclo de alta.

O Goldman Sachs e o Depec também projetam uma Selic “terminal” de 13,25% ao ano na próxima reunião. Mas o banco americano não descarta um aumento de 0,75 ponto em junho e/ou um outro aumento na reunião de agosto (e acredita que o Copom vai aguardar até o segundo trimestre de 2023 para começar a reduzir a taxa de juros).

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O Itaú, por sua vez, ressaltou que a ata do Copom reforça as principais mensagens do comunicado da semana passada: uma nova alta da Selic é provável na próxima reunião, mas em ritmo menor, dada o estágio do ciclo e a necessidade de cautela em um cenário percebido como bastante incerto.

“Esperamos alta de 0,50 ponto na reunião de junho e, dadas as projeções brandas de inflação consideradas pelo comitê, esperamos outra alta de 0,50 ponto na reunião de agosto. Assim, mantemos nossa visão de taxa Selic em 13,75% ao ano no final do atual ciclo de aperto monetário”, avaliam os economistas do banco.

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Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.