Apenas algo excepcional pode neutralizar a força do dólar agora, diz ex-diretor do Banco Central

Para José Júlio Senna, a atratividade do Brasil pode não resistir a um aperto monetário muito significativo nos Estados Unidos

Mitchel Diniz

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José Júlio Senna costuma olhar com cautela para previsões de mercado, seja para inflação, juros ou dólar. O ex-diretor do Banco Central e atual chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/ Ibre também evita ser assertivo em suas projeções, principalmente em um momento como o atual, e que Senna descreve como “inédito”.

Mas ainda que não trabalhe com números fechados, reconhece que a política monetária nos Estados Unidos entrou em um momento agressivo de aperto, o que ampara o movimento de valorização do dólar frente a outras moedas. Por outro lado, não vê “forças” capazes de conter uma depreciação do câmbio aqui no Brasil.

Para ele, o mercado financeiro vive um processo de convencimento, de que o Federal Reserve precisa ser mais firme para combater a inflação. “Só que de um jeito bem mais firme do que muita gente pensava”, diz. Senna explica que as pressões chegaram ao núcleo da inflação nos Estados Unidos, atingindo o mercado de trabalho, levando o Federal Reserve a adotar uma postura muito mais hawkish [duro com a inflação, sinalizando maiores altas de juros] do que o previsto. “Pode significar taxas de juros básicos de 5% e talvez até mais no começo do ano que vem”, dispara.

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O diferencial de juros, que de uma certa forma vinha jogando a favor do Brasil, junto com a valorização das commodities, perde força com o ciclo de aperto nos Estados Unidos. O dólar voltando a subir também é uma pressão inflacionária a mais que o Banco Central brasileiro precisa lidar. E a Selic, até onde vai nesse cenário? José Júlio Senna compartilhou suas visões em entrevista exclusiva ao InfoMoney.


IM: Começamos com uma pergunta sobre o IPCA-15 de abril. Veio menor do que se esperava, mas ainda assim foi uma alta de 1,73%, a maior em quase 20 anos. Até onde vai essa escalada de preços, na sua visão?

Senna: A pandemia é um evento raro e a inflação da pandemia, por definição, é um evento raro também. Então a dificuldade de prever até onde vai a intensidade da inflação é gigantesca. É um evento sem paralelo na história. Não tem para onde olhar e se pautar. No mundo inteiro, agentes privados e governamentais têm errado suas previsões de inflação.

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Ninguém previu esses eventos, pelo menos na intensidade que estão acontecendo. Isso tem atrapalhado bastante a condução da política monetária e não me surpreende o IPCA-15 ter acelerado como acelerou. Como consequência disso, até onde a Selic vai, também não pode ser previsto com o mínimo de precisão. A política monetária está bastante apertada, não há menor dúvida. É possível que estejamos próximos do fim do ciclo de aperto, mas não tem como ser preciso sobre isso também. Justamente porque a intensidade da inflação não é passível de uma previsão adequada, nem aqui nem lá fora.

IM: O senhor acredita que o fim da bandeira tarifária vai ser suficiente para dar um alívio para a inflação, como alguns economistas têm falado?

Senna: A questão tarifária está muito longe de estar no cerne do problema inflacionário. É uma medida que mexe momentaneamente com a taxa de inflação, mas nada tem a ver com a sua tendência ao longo do tempo. O que está preocupando desde o segundo semestre de 2020 é a dinâmica da inflação. No mundo, essa inflação tem a ver com a pandemia, fundamentalmente.

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A forte expansão monetária que prevalece no mundo desenvolvido foi muito forte e derivou da necessidade das autoridades darem uma resposta para os efeitos adversos da crise sanitária. E não foi contida ainda essa expansão monetária, que está alimentando a inflação no mundo. Outro fator, também com origem na pandemia, são os gargalos de oferta. A pandemia prejudicou fortemente a produção e distribuição de bens em todo o mundo. E tem também a questão da demanda por bens físicos, com um desvio de demanda de serviços para bens.

IM: O senhor diria que essa guinada da moeda americana para cima nos últimos dias, chegando a retomar o patamar dos R$ 5, foi inesperada?

Senna: Sinais de um ajuste mais forte nos juros pelo Banco Central americano já eram esperados, mais cedo ou mais tarde. O que não foi exatamente previsível era o timing em que essas coisas acontecem. A fala de Jerome Powell [sobre subir juros em 0,5 ponto percentual na próxima reunião de política monetária] antecipou um pouco essa “queda na real” vivida pelos participantes do mercado, que entenderam que não há como trazer a inflação para baixo sem um aperto monetário significativo. Colocar os juros em um patamar neutro [que não acelere nem contraia a economia], apenas, não resolve o problema da inflação. O mercado indica inflação de 3,5% para daqui a um ano nos Estados Unidos. Então os juros têm que cobrir isso e mais um pouco: logo, estamos falando de um ajuste nominal de 4%, para os juros chegaram no neutro.

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Só que o neutro não vai fazer a inflação ir para baixo. Precisa ir além disso. Então, é muito possível que os juros nominais nos Estados Unidos cheguem perto de 5% ao ano e até um pouco mais. A redução do balanço do Fed poderá produzir uma alta muito importante dos juros mais longos, como o de 10 anos, e isso terá efeito contracionista também. Então teremos em operação dois instrumentos de política monetária: o tradicional, que é o juro básico, e o balanço [com a venda de títulos].

Em conjunto, eles vão desacelerar bastante a atividade econômica, muito possivelmente, desde que o Fed esteja convencido de que a inflação é o inimigo público número 1. Pode ser que haja a redução de determinados preços, contribuindo para trazer momentaneamente a taxa inflacionária para baixo. Mas essa inflação nuclear, que ganhou corpo,  precisa ser combatida diretamente, e isso só é possível com juros reais acima do neutro.

IM: E o impacto no câmbio?

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Senna: O dólar ficando muito mais forte lá fora, não necessariamente significa mais forte aqui no Brasil. Muitas vezes fatores domésticos manteriam uma atratividade interessante, importante, para a moeda nacional. O fato de estarmos bem avançados na política monetária e a alta das commodities tendem a beneficiar países como o Brasil. Só que essa atratividade não resiste a um aperto monetário muito significativo nos Estados Unidos, e pelo visto é para onde a gente vai caminhar. Isso está entrando só agora na tela do radar do mercado. Essa posição de fortalecimento do real começa a ser prejudicada.

IM: Justo agora, o mercado já começava a trabalhar com projeções de dólar mais fraco. Essa tendência pode ser revista?

Senna: Eu não sou de cravar números para o futuro e prever comportamento de taxa de câmbio, que é muito difícil, como sabemos. Mas a tendência é de o dólar ficar mais forte lá fora, diante da intensidade do aperto monetário que será necessário fazer para trazer a inflação americana para baixo. Aqui no Brasil, quais fatores poderiam se contrapor a isso? O próprio diferencial de juros, que era uma das coisas que favoreciam a valorização dos juros. Mas, se lá fora as ações dos bancos centrais implicam em diminuir esse diferencial de juros, não tem como o real permanecer forte ou continuar se fortalecendo.

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IM: Ainda que o senhor não goste de cravar números, acredita que o câmbio deve se segurar em algum patamar ou essa volatilidade deve persistir?

Senna: Eu vejo uma tendência de fortalecimento do dólar mundialmente e reconheço a enorme dificuldade que um país como o Brasil tem para se contrapor a esse movimento. Tem que ter algo de muito excepcional aqui dentro para neutralizar essa força que vem de fora. Na análise que consigo fazer no momento, tenho sérias dificuldades em ver a presença de forças aqui que impeçam o dólar de se fortalecer também. Mas o mundo está dominado por incertezas.

IM: Alguns analistas e economistas dizem que a virada do dólar inverte uma tendência de desinflação e vai fazer com que o Banco Central suba juros por mais tempo. O senhor concorda?

Senna: Tudo isso que está acontecendo e que citamos anteriormente tende a modificar a taxa de câmbio aqui dentro. Se a moeda nacional não se depreciasse ou se estabelecesse em um patamar, ajudaria no combate à inflação, sem dúvida. Agora, se a gente entra em um ritmo de depreciação cambial, é claro que prejudica o processo de desinflação e torna a vida do Banco Central mais difícil, implicando em manter os juros em patamares elevados por mais tempo do que o que estava previsto. Eu não digo que inviabiliza a desinflação, mas é um fator a que dificulta ainda mais, além de todos os outros.

IM: E o senhor vê um limite de aperto monetário? Cada vez que a inflação acelera, mudam as perspectivas sobre uma taxa Selic terminal, cada vez maior…

Senna: Quando a retirada da acomodação monetária no Brasil teve início, em março do ano passado, o Banco Central acreditava, e os participantes do mercado também, que Selic a 4,5% endereçaria a inflação. Mas é como eu disse antes: o atual processo inflacionário é inédito, não há um playbook, não há para onde olhar e se pautar. Não há como dizer até onde o ritmo de crescimento de preços irá e agora tem o agravante da guerra, tem agora mais um choque em cima de preço de gás natural na Europa. É uma encrenca muito grande. Agora, não saber para onde a inflação vai não significa que ela vai explodir. Ela pode atingir um pico daqui a dois meses, como também pode não atingir. Não há meios para estimar isso.

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Mitchel Diniz

Repórter de Mercados