Ambev: os sinais que mostram um 2021 bastante desafiador para a companhia, apesar da alta recente das ações

Sinais de margens estruturais menores, tendências que se aceleraram durante a pandemia e aumento da concorrência estão no radar dos analistas de mercado

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O terceiro trimestre de 2020 foi notório para a Ambev (ABEV3): as vendas de cervejas cresceram 25,4% no período em comparação ao mesmo trimestre do ano passado, superando as expectativas já positivas do mercado com a estratégia bem-sucedida de vendas da companhia, que também conseguiu se aproveitar de gargalos da concorrência. Também aproveitando o forte rali da Bolsa no período, nos últimos trinta pregões até o fechamento da véspera as ações subiram cerca de 22% até o fechamento da véspera, inclusive além da alta do Ibovespa, de 17% em igual período.

Porém, o debate que dominou o noticiário sobre as ações ABEV3 e que já existia antes mesmo da divulgação dos números do terceiro trimestre (no final de outubro) prosseguiu e ganhou força nesta última semana: afinal, até quando a empresa de bebidas líder no país vai continuar mostrando recuperação dos seus números?

Para alguns analistas, esses números tão expressivos podem estar perto do fim, com destaque para notícias tanto do cenário macroeconômico (como de redução do auxílio emergencial, que impulsionou as vendas), quanto questões de concorrência.

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No último fim de semana, a mídia especializada no segmento esportivo destacou que a Ambev deixará de patrocinar os jogos de futebol da TV Globo após 20 anos, tendo como substituta pela sua rival Petrópolis, dona da marca Itaipava, em 2021. A Ambev já havia anunciado que não renovaria com a rede de televisão.

Isso porque a pandemia do coronavírus teria imposto desafios para as despesas de marketing e o valor necessário para o patrocínio ao futebol da TV Globo é considerado alto, fazendo com que a empresa passasse a avaliar novas estratégias de comunicação.

Para o Bradesco BBI, contudo, a notícia reforçou as preocupações que os analistas já tinham sobre o acirramento da concorrência para a Ambev, uma vez que sugere que a Petrópolis ressurgiu após enfrentar desafios devido à pandemia do coronavírus. “Entendemos que ela está elevando a sua capacidade com uma nova fábrica de tamanho considerável em Minas Gerais (lançada em agosto, com estimativa de capacidade de produção de cerveja equivalente a 6% do volume total de cerveja do Brasil), o que poderia levar a mais pressão competitiva para a Ambev em 2021”, apontam os analistas do banco.

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Reforçando o cenário desafiador, segundo os analistas do banco, estiveram os dados de produção industrial de outubro apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrando que a alta de produção de bebidas alcóolicas foi de 6,9% na comparação anual, ainda significativa, mas abaixo dos meses seguintes.

“Os dados de produção de bebidas alcoólicas do IBGE têm sido um bom indicador dos volumes trimestrais de cerveja para a Ambev no Brasil (já que a empresa tem participação de 60% no mercado de cerveja que, por sua vez responde pela grande maioria do consumo de bebidas alcoólicas no Brasil)”, lembram os analistas, que reforçaram visão cautelosa, possuindo recomendação neutra para os ativos, com preço-alvo de R$ 15,50.

Desafios estruturais

Indo mais além, o Morgan Stanley reduziu nesta quinta-feira a recomendação para as ações da Ambev de equalweight (exposição em linha com a média do mercado) para underweight (exposição abaixo da média do mercado), com preço-alvo de R$ 14. Ricardo Alves, analista do banco, reforça a avaliação de que, apesar do bom desempenho no curto prazo, há desafios estruturais e o cenário incerto para 2021 permanece.

“Os desafios estruturais (concorrência, poder de precificação) permanecem em vigor e, embora reconheçamos o excelente desempenho da empresa em meio à pandemia, não temos certeza de que os recentes ganhos de participação de mercado são sustentáveis ​​considerando um cenário competitivo mais acirrado e um estímulo fiscal potencialmente mais baixo em 2021. De fato, no próximo ano, assumimos que o volume de cerveja da Ambev no Brasil cairá 5% na base anual. Ainda assim, vemos a Ambev como um nome de alta qualidade e bem administrado mas, após a recente alta, as ações parecem estar à frente dos fundamentos”, avalia Alves.

O desempenho do terceiro trimestre, segundo o analista, demonstra o desempenho comercial e logístico muito sólido da empresa. “Também gostamos de ver a mudança para uma estratégia muito mais centrada no consumidor (por exemplo, o lançamento bem-sucedido do Brahma Duplo Malte, a evolução do Ze Delivery, mais investimentos na frente de tecnologia, entre outros). Dito isso, a visibilidade em 2021 em diante permanece muito baixa”, apontam. Ele destaca que a ação ABEV3 é negociada com um prêmio de 8% em relação ao seu múltiplo histórico de preço sobre o lucro de 10 anos e o preço-alvo indica que os papéis devem ser negociadas em linha com os níveis históricos.

Um dos pontos de maior preocupação é com relação ao consumo de cerveja em casa versus nos bares e restaurantes, que se acelerou durante a pandemia e leva a uma pressão de margens para as companhias do setor. Isso porque  os custos com embalagens de alumínio (mais consumidas em casa) são maiores na comparação com os custos de produção de garrafas (mais consumidas em bares). Segundo o analista, uma das bases para a visão mais cautelosa do que o consenso sobre a lucratividade de 2021 é a crença de que a pandemia pode ter acelerado (pelo menos até certo ponto) essa tendência, que já estava no radar.

Normalmente, avalia, os mercados de cerveja maduros tendem a apresentar uma porcentagem maior de consumo fora do estabelecimento de compra. No Brasil, o canal off-trade, composto por pontos de vendas como supermercados, em que o cliente compra um produto e leva para a casa, tem de fato aumentado sua relevância nos últimos anos, mas ainda permanece significativamente abaixo de outros benchmarks latino-americanos e globais. A Euromonitor indica que apenas 38% da cerveja no Brasil em 2019 foi consumida fora do local de compra (versus média da América Latina ex-Brasil de 79%;). No caso da Ambev, o consumo fora do local de compra tem sido historicamente de 45%, tendo subido para cerca de 70% no segundo trimestre e caindo para 58% no terceiro trimestre.

O ponto, segundo o analista, é: haverá retorno para o número histórico de 45%? Alves avalia não ter tanta certeza neste momento, mas acha  improvável que isso aconteça pelo menos em 2021. Ele considera que i) essa é uma tendência (no Brasil, o consumo de cerveja fora do local de compra aumentou cerca de 4 pontos percentuais na última década); que ii ) a pandemia pode ter apenas acelerado essa tendência (alguns consumidores podem relutar em voltar aos velhos hábitos), e que iii) provavelmente ainda estamos relativamente longe de um cenário em que uma vacina estará amplamente disponível no país e que levaria a uma volta à normalidade.

Para ele, o caso base deve ser que o canal on trade (consumo no local de compra) se recupere gradualmente. Mas o mix latas de alumínio x garrafas de vidro pode ser estruturalmente pior (em relação aos níveis pré-Covid) para a empresa no longo prazo, e particularmente em 2021.

Lucratividade menor no radar

Além disso, a lucratividade da Ambev está em declínio estrutural nos últimos anos, algo que não é novo, mas que pode sofrer ainda mais pressão em 2021. “Como resultado de ventos contrários nos custos, menor renda disponível e perdas de participação de mercado, as margens da cerveja no Brasil da Ambev diminuíram consideravelmente nos últimos anos. Uma pergunta recorrente que recebemos é como as margens irão evoluir em 2021. Projetamos margem Ebitda [Ebitda/receita líquida] de 33% para o segmento de cerveja no Brasil (queda de 3 pontos percentuais na comparação anual), com lenta recuperação em 2022”, apontam.

No longo prazo, a casa ainda dá o benefício da dúvida de que Ambev vai voltar a registrar margem Ebitda de cerca de 37%. “Conforme vimos no quarto trimestre, acreditamos que o mercado será negativamente surpreendido pela lucratividade de 2021, já que um câmbio mais fraco (cerca de 50% do custo de produtos vendidos está em dólares) continua a pesar sobre os resultados e assumimos uma recuperação mais lenta no comércio”, avalia o analista.

Por fim, o poder de precificação permanece indefinido. Alves aponta que, embora grande parte do desempenho de volume muito forte da Ambev no terceiro trimestre tenha sido explicado por uma estratégia comercial muito eficaz e excelente execução logística, também avalia que parte disso poderia ter sido explicado especificamente por uma dinâmica de preços mais tática.

“A Ambev não aumentou os preços antes da concorrência no Brasil, como costuma acontecer (elevando os preços só no final de setembro, mas apenas para embalagens específicas, como o portfólio de latas). Entrando em 2021, considerando todos os tipos de pressão de custo (alumínio, dólar), mas também um ambiente competitivo mais acirrado (destacando também a recuperação do Petrópolis se recupere), não temos tanta certeza de quão agressiva a Ambev pode ser na frente de preços”, aponta.

O Credit Suisse, por sua vez, destaca que a desaceleração do mercado de bebidas é visível e lógica, uma vez que em setembro a indústria implantou alta de preços e os subsídios do governo foram cortados pela metade.

Contudo, a expectativa é de que a Ambev deva continuar registrando uma performance mais positiva na indústria em volumes na comparação com a concorrência dada a sua posição mais forte na distribuição nos pontos tradicionais do comércio que, para os analistas, vêm ganhando relevância com o alívio nas medidas de restrição, a capacidade comprimida dos seus competidores e a maior inovação no portfolio. A recomendação dos analistas do banco é outperform (desempenho acima da média do mercado) para o papel ABEV3, com preço-alvo de R$ 18.

Outro fator que pode impactar a ação da companhia no curto prazo, segundo aponta Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos é que, na comparação com outras empresas – principalmente aquelas que devem ter uma retomada no pós-pandemia -, não há tantos catalisadores para a alta do papel.

Conforme destaca Cruz, a empresa ganha destaque em momentos em que a crise está mais forte, por ser mais conhecida e consistente, mas o investidor em busca de ações com maior potencial de alta migra para outros papéis. Em um cenário de maior otimismo com a Bolsa e de olho em outros papéis que podem se beneficiar da retomada, o papel da Ambev pode acabar perdendo a atratividade.

Neste cenário, os analistas estão bastante divididos sobre a ação, conforme mostra compilação da Refinitiv com as casas que recomendam o papel. De 12 casas que cobrem o papel, 6 possuem recomendação neutra, 3 recomendam venda e 3 recomendam compra. Os analistas não negam as qualidades da empresa líder no setor, mas o futuro não parece tão brilhante para a companhia – pelo menos não no curto prazo.

(Colaboração: Priscila Yazbek)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.