Ambev: após alta de mais de 20% desde o resultado, analistas mostram maior cautela com ações e destacam desafios

Morgan Stanley reiterou na véspera recomendação equivalente à venda e reduziu preço-alvo, enquanto Santander rebaixou recomendação a neutra para os ativos

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Após uma alta de mais de 20% desde o resultado do primeiro trimestre de 2021, que foi considerado bastante positivo para a companhia, analistas de mercado têm mostrado mais cautela com relação às ações da companhia de bebidas Ambev (ABEV3), levando em contas as projeções de alta de custos, podendo pressionar margens, e a questão concorrencial.

O Morgan Stanley reduziu na última quinta-feira (24) o preço-alvo para as ações da Ambev de R$ 14 para R$ 13,80, mantendo recomendação underweight (exposição abaixo da média). O preço-alvo corresponde a um valor 23,1% menor em relação ao fechamento de quinta-feira (24), de R$ 17,95.

Para os analistas, o otimismo recente com as ações decorreu provavelmente como resultado do mercado estar mais otimista com a receita e de como a companhia pode se beneficiar da recente rotação de ações de crescimento para ações de valor no Brasil.

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Porém, aponta a equipe do Morgan,  os investidores devem olhar além do que os analistas veem como uma força de curto prazo insustentável. “Em nossos números revisados, a ação da Ambev está sendo negociado a um múltiplo de 27 vezes o preço sobre o lucro esperado para 2022, um prêmio de 30% em relação ao histórico, que consideramos injustificado”. O preço-alvo do banco americano implica em um múltiplo de cerca de 21 vezes.

O banco reduziu em cerca de 9% a sua previsão de lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) para 2022 e 2023 em média, 9% abaixo da previsão do mercado.

Os analistas do Morgan destacam três pontos principais para não estarem otimistas com a tese de investimentos na companhia, conforme destacados abaixo:

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i) Impulso do aumento da receita líquida/ unitária da Ambev não é sustentável. Isso porque os analistas acreditam que eventos temporários, ao invés de fatores estruturais, parecem ter contribuído para a empresa. A forte receita líquida da Ambev no primeiro trimestre surpreendeu até os otimistas, algo que o Morgan credita à comprovada capacidade da administração de se adaptar rapidamente em meio à pandemia.

“Dito isso, nosso estudo do mercado de cerveja no Brasil sugere que os principais catalisadores do forte desempenho das vendas recentes são temporários: i) alta demanda de cerveja (que consideramos insustentável) e ii) um aperto na oferta da Heineken (que parece ver esse problema diminuir com acréscimo de nova capacidade). Olhando para o futuro, acreditamos que o faturamento da Ambev irá desacelerar no quarto trimestre de 2021 e em 2022, e que as margens podem ser estruturalmente menores”, apontam os analistas.

Eles veem um cenário competitivo mais desafiador em 2022 dado um grande aumento de capacidade esperado entre os concorrentes da Ambev (potencialmente cerca de 20% da produção de 2020), enquanto os estudos do banco de preço de varejo indicam que os preços da Heineken subiram significativamente e os preços dos produtos principais da Ambev estão defasados ​​(nas prateleiras). “Esperamos agora que a receita de cerveja da Ambev no Brasil fique estável em 2022”, ressaltam.

ii) Expectativa de desaceleração dos volumes de cerveja no Brasil após a reabertura da economia. Para os analistas, a receita do auxílio emergencial disponibilizada durante a pandemia foi um impulso maior para a demanda do que o que pode parecer, enquanto a “acessibilidade” dos consumidores também aumentou: a cerveja é cerca de 50% mais barata  em supermercados em relação a bares e restaurantes, ressaltam. Além disso, os depósitos em contas de poupança ainda estão cerca de 17% acima dos níveis pré-pandêmicos.

Para a segunda metade deste ano e para 2022, os analistas veem, e em linha com a visão dos economistas do Morgan,  menor renda disponível, com o desemprego ainda em níveis altos, alta inflação de alimentos, maiores gastos com serviços, potencialmente limitando o consumo de bebidas alcoólicas e reabertura devendo reativar o canal on-trade (como bares e restaurantes) mais caro (além do qual o varejo parece hoje muito mais agressivo com os preços).

iii) Expectativa de que os custos pressionem as margens da Ambev. O Morgan vê margens mais baixas por mais tempo, mas principalmente em 2022. A análise indica que o custo dos produtos vendidos por hectolitro da cerveja brasileira pode aumentar 18% em 2022, sendo esta a principal razão pela qual a estimativa para o Ebitda consolidado de 2022 está cerca de 9% abaixo do consenso de mercado. “A recuperação no comércio ajuda a lucratividade, mas assumimos que o alumínio continuará pesando nos custos, o poder de precificação permanece prejudicado e as vendas do Zé Delivery [aplicativo especializado em entregas de bebidas] vêm com margens muito menores”, avaliam.

Mas não é só o Morgan que está com uma visão mais cautelosa sobre a companhia de bebidas. Também nesta semana, o Santander reduziu a recomendação para os ativos de compra para manutenção, apontando que as ações estão agora se
aproximando de nosso preço-alvo para o fim de 2021, de R$ 20.

“Ainda acreditamos que a AmBev continuará inovando, executando com excelência e recuperando a participação de mercado perdida para a Heineken. Ainda assim, com o rápido aumento das taxas de juros no Brasil, estamos mais cautelosos com a recuperação econômica, especialmente no que diz respeito ao consumo, mesmo de alimentos básicos”, apontam os analistas do Santander.

Eles também veem o risco de que a Heineken possa reverter sua decisão de deixar o Sistema Coca-Cola no Brasil. “Se isso acontecesse, a Heineken evitaria cometer o erro estratégico de deixar de vender sua marca carro-chefe por meio do Sistema Coca-Cola, como fez com tanto sucesso nos últimos anos, intensificando novamente o ambiente competitivo em relação à AmBev”, afirmam.

As companhias fizeram um acordo em fevereiro de 2021 para reestruturarem sua rede de distribuição no Brasil, com validade até 2026, podendo ser prorrogado por mais cinco anos. O acordo prevê que as companhias iniciarão uma “suave transição” das marcas Heineken e Amstel para a rede de distribuição do grupo holandês no Brasil. O sistema Coca-Cola continuará a oferecer Kaiser, Bavaria e Sol, e complementará este portfólio com a marca premium Eisenbahn e outras marcas internacionais. O sistema Coca-Cola Brasil poderá vender e distribuir outras cervejas e bebidas alcoólicas, “até uma certa proporção do portfólio do grupo Heineken”, assim como o grupo holandês “terá a possibilidade de explorar outras oportunidades no segmento não alcóolico”.

Os principais riscos para a recomendação de “manutenção” do Santander são, do lado negativo, uma recuperação econômica mais lenta do que o esperado e outros surtos de pandemia no Brasil, além da manutenção ou aumento dos preços das commodities; e, do lado positivo,  preços mais fortes do que o esperado e ganhos de participação de mercado (market share).

Ainda sobre o cenário concorrencial, atenção para a notícia da última semana de que a Heineken está trazendo uma nova cerveja chamada Tiger para o Brasil, que é uma de suas cinco maiores marcas globais para competir com os principais produtos da Ambev.

De acordo com a Heineken, a Tiger será produzido nos estados do Ceará e São Paulo, e as vendas começarão no dia 1º de julho para a região Sul do Brasil, e no dia 1º de agosto para as regiões Sudeste e Nordeste do país.

O Bradesco BBI aponta que a entrada dessa marca internacional no Brasil é um risco de queda para a Ambev, para a qual os analistas possuem recomendação neutra, com preço-alvo de R$ 15,50).

“Nosso entendimento é que esta marca provavelmente irá competir no segmento de malte puro de rápido crescimento no Brasil contra as marcas ‘core plus’ [intermediário entre as marcas populares e as marcas premium] da Ambev, que incluem a recém-lançada Brahma Duplo Malte (já alcançando uma participação de mercado estimada de cerca de 4% do total do volume de cerveja do Brasil após apenas um ano desde seu lançamento em fevereiro de 2020)”, avaliam os analistas.

Apoiando essa visão, em uma rápida pesquisa online de preços de supermercados realizada pelo BBI, os analistas apontam que o preço proposto da Heineken de R$ 3,27 para a Tiger seria semelhante ao da Brahma Duplo Malte de R$ 3,20, mas cerca de 25% mais alto do que o preço das principais marcas da Ambev Skol e Brahma.

Por outro lado, outras casas, como o Credit Suisse, seguem otimistas, mantendo recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado). No início do mês, a XP também reiterou compra e elevou o preço-alvo de Ambev de R$ 17 para R$ 20. “Permanecemos otimistas com a capacidade da Ambev de capturar ainda mais valor por meio de inovação tecnológica e mix de portfólio, apesar de estarmos mais cautelosos com o ritmo de reabertura de bares e restaurantes e de seguirmos preocupados com as pressões de custo que a empresa deve enfrentar neste ano”, destacaram os analistas da XP.

Segundo compilação da Refinitiv com quatorze casas que acompanham o papel, três recomendam compra, oito recomendam manutenção e três recomendam venda, com preço-alvo médio de R$ 16,77, valor 6,57% frente o fechamento da véspera.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.