Alívio ou decepção? Qual a leitura do mercado para os anúncios feitos por Haddad?

Em pronunciamento, ministro da Fazenda indicou pacote de contenção de gastos de R$ 70 bi e isenção de IR para quem ganha até R$5 mil

Lara Rizério Camille Bocanegra Iuri Santos

Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Foto: Washington Costa/MF)
Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Foto: Washington Costa/MF)

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No caminho certo ou mais uma decepção para o mercado? Após um pregão emocionante na quarta-feira (28), com o dólar atingindo o maior valor nominal de sua história com as primeiras informações vistas como negativas no sentido de compromisso com o ajuste fiscal, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, deu mais detalhes sobre o pacote em coletiva nesta quinta após pronunciamento na noite de ontem.

Entre as diretrizes básicas do pacote de contenção de gastos, com a intenção de gerar uma economia de mais de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, o ministro indicou que haverá: i) mudanças na regra do salário mínimo, que ficará restrita aos parâmetros do arcabouço fiscal; ii) mudanças no abono salarial, que será limitado a quem ganha até R$ 2640 corrigidos pela inflação, até atingir 1,5 salário mínimo; iii) mudanças na aposentadoria militar, com a instituição de uma idade mínima e limitação na transferência de pensões; iv) regulamentação do teto salarial no serviço público; v) destinação de 50% das emendas de comissão para a saúde, e crescimento abaixo do limite de gastos das emendas globais; vi) aperfeiçoamento dos mecanismos de controle de fraudes e distorções.

O ministro também anunciou o aumento do limite de isenção do imposto de renda, que hoje é de R$ 2.824, para R$ 5 mil por mês. Para compensar o impacto fiscal, o governo proporá uma tributação mínima para pessoas físicas que recebem mais de R$ 50 mil.

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Mais precisamente, o pacote prevê a economia de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026, com impacto de R$ 327 bilhões até 2030, conforme destacou o Executivo em apresentação sobre o pacote.

Na apresentação desta quinta, o governo detalhou que uma das medidas a serem enviadas para o Congresso será a limitação de regras do Benefício de Prestação Continuada, que não foi anunciada na véspera durante pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à rede nacional de rádio e televisão. No BPC, será vedada dedução de renda não prevista em lei, de acordo com a apresentação, e passarão a contar para acesso a renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados coabitantes.

Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, destacou, num primeiro momento, sobre a isenção de IR de quem ganha até R$ 5 mil, que o mercado esperava que o contingenciamento abrisse espaço para essa isenção, mas Haddad deixou claro que as duas medidas são independentes e que a isenção só será aprovada se o aumento de taxação também for. Neste sentido, o mercado ainda questiona a capacidade do governo de implementar tais medidas.

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Para a equipe de análise macroeconômica da XP, as medidas vão na direção certa mas, ainda assim, somar o valor de mais de R$ 70 bilhões em impacto conforme anunciado parece, até agora, desafiador.

Na ponta mais crítica ao anúncio, Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, classificou as declarações de uma tentativa de preservar a imagem do governo sem abordar seriamente o tema da contenção de gastos. “Trouxe a surpresa da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e a tributação de quem ganha mais de R$ 50 mil, sem detalhar se um compensa o outro e suas consequências para a economia como um todo. Além disso, falhou em passar uma mensagem robusta de que o governo realmente leva a sério a contenção de gastos como uma engrenagem crítica para o crescimento robusto da economia e redução responsável das taxas de juros”, avaliou na noite de ontem, antes da coletiva.

Como a implementação de alguns dos anúncios depende de aprovação do Congresso e o governo tem um histórico de demasiado otimismo nas suas estimativas, “serão necessários mais esclarecimentos para podermos fazer uma avaliação precisa dos reais impactos das medidas apresentadas”, complementou o especialista.

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Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, viu avanços no discurso de Haddad, especialmente na proibição de benefícios tributários em caso de déficit primário, o que poderia fortalecer o controle das contas públicas e permitir uma queda dos juros no médio prazo. No entanto, ele alertou que a proposta de tributar fundos exclusivos e super-ricos pode reduzir o apetite de investidores de alta renda, impactando negativamente o fluxo de capital para a bolsa e a entrada de investimento estrangeiro.

Jefferson Laatus, chefe-estrategista do Grupo Laatus, expressou preocupação com o foco do governo em aumentar receitas por meio de impostos, combinado com a isenção de IR para salários até R$ 5 mil. Ele teme que a medida seja mais política do que técnica, com alto risco de não ser aprovada no Congresso.

“Errou na mão, na estratégia e no timing. Risco fiscal, inflacionário e na cobrança da política monetária vão cobrar prêmio. No final das contas, o anúncio não trouxe compromisso nenhum”, apontou Laatus.

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Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, considerou o discurso de Haddad equilibrado, destacando que o pacote vai na direção correta, apesar das complexidades políticas. No entanto, ele lamentou a inclusão de última hora da isenção do IR, que pode gerar um “buraco” de R$ 40 bilhões, dependendo da aprovação das medidas de compensação.

Davi Lelis, especialista e sócio da Valor Investimentos, destacou que as medidas anunciadas visam trazer o Brasil de volta ao eixo fiscal, mas alertou para a volatilidade que podem gerar no mercado. Ele mencionou medidas impopulares, como o reajuste limitado do salário mínimo e a restrição do abono salarial, que podem enfrentar resistência.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, avaliou que o pacote anunciado tem dimensões inferiores às necessárias para recobrar credibilidade e alcançar equilíbrio fiscal. Ele destacou que, embora as ações sejam positivas, são insuficientes para produzir um resultado primário adequado à meta estabelecida em lei.

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Roberto Padovani, economista-chefe do BV, considerou as medidas boas e na direção correta, mas incompletas, já que a indexação de saúde e educação continua a 100% na variação da receita. Padovani também destacou a preocupação política refletida na redução de IR para quem ganha até R$ 5 mil, que pode sinalizar divisões internas no governo em um período eleitoral. Ele expressou preocupação sobre como será a gestão fiscal durante um ciclo eleitoral apertado, como o de 2026.

Jeff Patzlaff, especialista em mercado de capitais e planejador financeiro, considerou o pacote aquém do desejado e alertou para dias difíceis pela frente, tanto na implementação das medidas quanto nos resultados reais. Ele destacou que o rumor da isenção de IR já tinha feito o dólar disparar e que o pacote de Haddad pode não cobrir o “buraco” na economia.

Para o head de Alocação da W1 Capital, Victor Furtado, há dúvidas sobre a execução do pacote. “Acreditamos que existem desafios claros pela frente, por mais que essa economia de R$ 70 bilhões ajude no cumprimento do arcabouço fiscal definido no último ano”, afirmou ele, em comentário enviado a clientes. “Não vemos mudanças estruturais que possam colocar a dívida pública em uma trajetória mais sustentável no longo prazo”, acrescentou.

“Mesmo com a promessa de maior tributação para quem ganha acima de R$ 50 mil, as contas não fecham”, disse Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, prevendo que a receita adicional para rendas altas “dificilmente passa de R$ 20 bilhões” e provavelmente ficará mais próximo de R$ 10 bilhões.

O Itaú BBA reforça que o pacote pode ser insuficiente para o cumprimento do limite de despesas do arcabouço até 2026. A economia prevista com as medidas em 2026 é de R$ 31 bilhões, frente a uma necessidade estimada de R$ 35 bilhões. Além disso, o pacote traz mais medidas de ganho de flexibilidade orçamentária (R$ 17 bilhões) do que de redução efetiva de gastos (R$ 14 bilhões), sendo uma incerteza adicional quanto a capacidade de transformar o ganho de flexibilidade em cortes efetivos, que tendem a ser necessários à frente.

“Os próximos passos serão acompanhar o prazo de tramitação no Congresso, a priorização frente ao projeto do imposto de renda e eventuais novos detalhes com a publicação dos projetos de lei e PEC. Em particular, a economia via PEC, que tende a ter tramitação mais demorada é de R$ 16 bilhões em 2 anos, sendo R$ 9 bilhões em 2026”, avalia o banco.

(com Reuters)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.