Além de previdência e dos benefícios ao Judiciário: por que o Brasil gasta tanto e tão mal

Em entrevista ao Podcast da Rio Bravo,  Martin Raiser, diretor do Banco Mundial  para o Brasil, destacou como os gastos poderiam ser mais bem empregados e como isso resultaria em mais crescimento para o Brasil

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Às voltas com o debate sobre a reforma da previdência e com as notícias do recebimento de auxílio-moradia por juízes e ministros que, a princípio, não precisariam do benefício, o Brasil se olha no espelho e aponta: por que gastar tanto e gastar tão mal?

Em novembro de 2017, o Banco Mundial havia divulgado um relatório chamado “Um ajuste justo”, que ofereceu uma análise baseada em evidências sobre os gastos do governo brasileiro e já dava de antemão um diagnóstico nada positivo, reforçando que o País gasta mais do que deve e não da maneira adequada.

Com base nesse cenário, o Podcast da Rio Bravo entrevistou Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil.  Na entrevista, além de ressaltar as características do relatório, Raiser comenta como os gastos poderiam ser mais bem empregados, o que resultaria em investimentos mais adequados, que, por sua vez, melhorariam o desempenho econômico do país. Raiser cita, por exemplo, os recursos dedicados à área da saúde (“O Brasil poderia obter um resultado melhor mantendo o gasto atual”), além de realçar que, apesar de fundamental, os investimentos em educação precisam ser realizados de maneira a atestar a sua eficiência (“a melhor alocação do gasto seria uma das maneiras para aprimorar o desempenho educacional”). 

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Veja a entrevista abaixo: 

Rio Bravo: Gostaria de começar pela natureza do relatório “Um ajuste justo”, que versa sobre os gastos do governo brasileiro. Em dezembro de 2016, quando o limite constitucional de gastos foi adotado, ao menos uma parte da opinião pública questionou o que o título deste relatório que agora circula está assegurando. Isto é, de que foi um ajuste justo. Como é que você vê essa percepção de que o chamado teto dos gastos é na verdade injusto?

Martin Raiser: A gente dá uma olhada pela distribuição do gasto, a incidência do gasto, então um gasto justo deveria ser um gasto que beneficia aqueles que precisam de recurso público. Nesse sentido, a nossa análise demonstra que tem alguma coisa para melhorar no Brasil. A incidência do gasto cai mais na faixa dos 60% mais ricos. Não quero dizer que todos que recebem transferências do Estado são ricos, mas é dos mais ricos do que os mais pobres. Então, gasto público no Brasil redistribui renda menos do que na maioria dos países da OCDE.

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Na verdade, o Estado tem esse papel. Bom, o Estado tem muitos papéis. Tem o papel de provisionar serviços públicos, mas tem também esse papel redistributivo. Nos países da OCDE, 70% da redistribuição da renda vai através do gasto, não da tributação. Então, se a gente está olhando pelo gasto e falando de um ajuste justo é porque a gente entende que a incidência do gasto é muito importante para reduzir a desigualdade no país e nesse sentido tem coisa para melhorar. Isso não quer dizer que não tem coisa para melhorar no lado tributário também, mas não pode ser a única solução para reduzir as desigualdades no país. O gasto é muito importante e é isso que esse relatório quer introduzir no debate.

 Rio Bravo: Vamos falar então da introdução desse debate que foi travado a partir da veiculação do relatório. Logo no início do texto existe a identificação de um ponto que está em pauta na discussão política no Congresso hoje em dia, que é a reforma da Previdência. Citando um trecho do documento, “os grandes e crescentes déficits do sistema previdenciário constituem um fator chave da pressão fiscal”. Qual é a sua opinião a respeito do engajamento da sociedade civil nesse debate? E, tão importante quanto isso, a atuação dos congressistas junto a esse tema está de acordo?

Martin Raiser: Eu vejo que tem ao lado dos últimos meses uma percepção melhor da população, da sociedade civil e até mesmo do Congresso por que a reforma da Previdência é necessária. A gente fez um evento na FGV do Rio de Janeiro e teve opiniões muito diferentes no palco, mas, principalmente, todos concordaram com a necessidade de se fazer uma reforma da Previdência.

E quando se olha nas enquetes da opinião pública está se reduzindo cada vez mais a resistência contra a reforma da Previdência. Isso demonstra uma coisa muito importante: qualquer reforma que se quer fazer em qualquer país do mundo precisa de muita comunicação. Nesse sentido, a sociedade civil tem um papel importante, o próprio governo tem um papel importante e o Congresso tem um papel importante. E a nossa contribuição do lado do Banco Mundial é simplesmente provisionar algumas evidências adicionais, algumas comparações internacionais para ajudar esse debate nacional, que é fundamental para o sucesso de qualquer reforma.

 Rio Bravo: Ainda sobre a questão previdenciária, há um trecho no documento que fala sobre a injustiça do sistema previdenciário pré-2003. Existe alguma alternativa para corrigir essa injustiça?

Martin Raiser: Essa é uma discussão difícil, porque tem o lado legal, jurídico, que são os direitos adquiridos. Tem a jurisprudência do STF e tem o lado da justiça inter-geracional. Quando você olha no sistema previdenciário pré-2003 para o servidor público foi um sistema construído quando não tinha déficit previdenciário e não tinha preocupações sobre a possibilidade de se manter esse nível de benefícios. As pessoas entraram com a expectativa de trabalhar pouco, se aposentar cedo e receber integralidade e paridade da Previdência das suas aposentadorias.

Hoje em dia a gente sabe que é esse sistema já quebrou alguns estados. Tem mais estados que vão quebrar por causa dos benefícios concordados a aqueles que entraram pré-2003 e eu acho que a gente tem que achar uma solução. Direitos adquiridos, não. Se o Estado quebrou, não tem como pagar. Não tem como pagar 13º porque tem que pagar a Previdência, aí tem alguma coisa errada. Nós temos que discutir isso.

O relatório não tem recomendações muito bem definidas. Uma das recomendações que a gente faz é tributar a renda que as pessoas recebem como aposentadoria. Ao invés de reduzir a aposentadoria, colocar um tributo, uma contribuição, alguma coisa, porque, na verdade, a gente está falando da geração de hoje, mas também da geração de amanhã. Qualquer aposentado hoje pode ter netos. Esses netos já sabem que não vão receber o mesmo benefício dos avós deles, mas, ainda mais, eles não têm a certeza de que vão receber benefício nenhum, porque quando o Estado quebra não dá para pagar mais. Para evitar esse tipo de conflito inter-geracional, acredito que tem que se discutir como incluir as aposentadorias muito altas dos servidores que entraram pré-2003 numa solução da armadilha fiscal que o Brasil está enfrentando.

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 Rio Bravo: Pegando como gancho um trecho da sua última resposta, o relatório menciona as discrepâncias na Previdência, utilizando como exemplo os prêmios salariais dos altos servidores públicos. Exatamente aqui, qual seria a proposta alternativa? O texto concorda que o funcionalismo público no Brasil não é alto para padrões internacionais. De acordo com esses mesmos padrões, haveria algum parâmetro em termos de remuneração e prêmios salariais, por exemplo?

Martin Raiser: A gente faz uma comparação na base de dados comparativos que mostra que o prêmio salarial do servidor público é ao redor da casa dos 10-15% em outros países da OCDE. O servidor federal no Brasil tem um prêmio de 67%, então é muito mais alto do que na média dos países da OCDE. A nossa ideia não é reduzir esse prêmio imediatamente, isso não pode se fazer, mas temos que discutir uma política de ajustes salariais para frente que talvez reduzam um pouco esse desequilíbrio.

É muito importante destacar que um dos grandes patrimônios do Brasil é ter uma administração de altíssima competência. Tem servidor muito bem formado e isso tem que se manter, mas o prêmio salarial talvez seja mais alto do que foi necessário para continuar oferecendo uma carreira muito atrativa para servidores públicos. Temos que discutir a necessidade de se oferecer um prêmio tão alto, mas também temos que discutir como, dentro de uma reforma da remuneração do servidor público, podemos introduzir incentivos de melhor desempenho, ligados com resultados, por exemplo. E já tem alguns exemplos muito bem-sucedidos na Educação, na Segurança Pública, quando o desempenho foi ligado à remuneração.

Talvez também essa discussão abra um caminho para mais flexibilidade, mais associação com desempenho e, finalmente, uma gestão, uma governança mais eficaz de toda a administração pública. Mais uma vez, voltando no início da sua questão, as comparações internacionais mostram que o Brasil, pelo menos no nível federal, está fora do padrão. E alguns dos salários, muito discutidos – Legislativo, Judiciário… Um juiz aqui, mesmo jovem, entrando na carreira de juiz, ganha mais do que nos Estados Unidos. Os Estados Unidos têm uma renda per capita quatro vezes maior do que a do Brasil. A justiça é importante, mas tem que ter alguma relação entre a capacidade do país, a renda per capita do país, e os salários dos funcionários públicos. Não dá para pagar ao servidor público, juiz ou congressista, um salário da Suíça ou dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, a maioria da população ganhar menos do que um salário mínimo. Isso não faz sentido.

Rio Bravo: No tocante aos gastos do governo, onde é que há espaço para trabalhar de forma mais eficiente com os investimentos?

Martin Raiser: Tem um outro relatório que o Banco Mundial publicou em junho, mais ou menos, que se chama “A volta do planejamento”, que mostra que tem muita ineficiência no lado dos investimentos públicos. Não vou tentar fazer um sumário desse relatório agora, mas, em essência, o Brasil gasta muito pouco na infraestrutura.

O peso do ajuste que está sendo feito agora é, principalmente, nos investimentos públicos, que já caíram abaixo do 1% do PIB, porque 92% do orçamento são vinculados, já não têm mais possibilidade de alocar. Então, todo o peso do ajuste vai nas despesas discricionárias, que incluem como componente principal o investimento público. O investimento público já caiu muito, mas mesmo quando se teve dinheiro para investir no setor público nos anos 2011… Em 2013, por exemplo, teve toda essa tentativa de aumentar investimento público. Infelizmente, a eficiência desse gasto foi muito baixa. Muitos atrasos, muitos sobre-custos, muitos problemas de governança no sistema inteiro e a solução vem através de mais planejamento, mais coordenação política, mais fiscalização e isso é absolutamente crítico para sustentar a retomada econômica.

Sem investir mais em infraestrutura, o Brasil não tem esperança de alcançar um nível de crescimento acima dos 2% anuais. Para pegar o gancho para voltar no relatório do ajuste justo, isso é exatamente uma das razões por que a gente olha a eficiência do gasto público, porque através de algumas reformas… Reforma da Previdência, reforma da matriz dos salários dos servidores públicos, redução dos subsídios ineficazes para indústrias…

Com todas essas políticas de desoneração, de incentivos fiscais, que têm pouco resultado, se cria um espaço fiscal para investir mais no futuro do país. Água e saneamento, transporte, logística, telecomunicação… Quer dizer, tem muita coisa acontecendo no mundo e o Brasil corre o risco de perder um pouco a relação com essas inovações tecnológicas por falta de dinheiro para investir em novas tecnologias e se adaptar à infraestrutura e às novas exigências da economia global. Eu acho que tem uma realocação. Não tem só um ajuste a se fazer, porque a trajetória da dívida pública é preocupante, mas tem também uma realocação a se discutir dentro do gasto para mais eficiência, para mais transferências para aqueles que precisam necessariamente e para um Estado que cumpre seu papel no crescimento econômico.

 Rio Bravo: O relatório toca em outra questão bastante sensível, que é o investimento em Educação. Eu vou citar aqui outro trecho que fala a esse respeito. “Municípios mais ricos, com uma alta taxa de receita corrente líquida por aluno, tendem a ser menos eficientes do que municípios mais pobres.” Não parece legítimo manter o investimento se o objetivo é, de um lado, aumentar a produtividade e, de outro, deixar o país em linha com as demais nações nos rankings internacionais?

Martin Raiser: Educação é principal, é o futuro do país. Ninguém discute isso, mas a gente tem bastante evidência do Brasil e também de outros países de que essa questão não se resolve só em tentar gastar o máximo possível. A questão é a eficiência desse gasto. Por quanto os alunos estão aprendendo as coisas necessárias? Por quanto os professores recebem as ajudas necessárias para ter um desempenho bom? Por quanto tem incentivos na gestão das escolas, voltado pelo melhor desempenho, pelos resultados melhores? Só para te dar um exemplo, o Ceará é um estado com um dos melhores desempenhos no Ideb. Ele gasta muito ou gasta pouco? Não gasta muito, não. Estados como São Paulo e Rio Grande do Sul gastam duas, três vezes mais do que os municípios do Ceará, mas não têm um desempenho melhor no Ideb. Isso mostra que gastar mais não necessariamente significa melhorar o resultado da Educação.

Acho que a gente tem que olhar por que isso acontece. Um dos fatores que o relatório aponta – certamente, não o único – é a própria mudança demográfica. O Sul do país já entrou nessa mudança há mais ou menos uma década antes do Nordeste, e isso reduz a razão de alunos por professor. Você tem o mesmo tamanho da força de professores, paga a mesma folha de salários, mas tem menos alunos, então o custo por aluno aumentou. Agora, ter mais professores por aluno nem sempre significa ter a melhor educação. Isso é uma das razões por que se tem o risco de uma crescente ineficiência através dessas mudanças demográficas. O relatório está sugerindo: como essa força de professores vai se aposentar ao longo dos futuros anos, não necessariamente reabrir concurso público. Deixa o professor sair do sistema educacional, equilibrar a razão aluno-professor para ficar mais em concordância com a média do país e isso já liberaria recurso que pode sim ser investido na Educação, melhorando as condições dentro da própria sala de aula, ou talvez esse recurso seja mais necessário para assistir as famílias, para dar um apoio para o aluno ter um desempenho melhor.

O que a gente está tentando fazer nesse relatório é aumentar a possibilidade de o Estado alocar o gasto onde for eficiente e for necessário, aumentar a avaliação de políticas públicas para saber quais são efetivas e quais não são efetivas. Você tem que ter 10%, 25%, 35% para Educação sem olhar dentro da caixa como esse dinheiro está sendo gasto e como aumentar a eficiência dele? É nisso que a gente está apostando, mas, mais uma vez, a Educação é o principal futuro do país e através de aumentar a eficiência desse gasto eu acho que a gente vai aumentar o desempenho do Brasil, que ainda está muito atrás de outros países da OCDE. Está embaixo de quase todos os rankings internacionais o desempenho de Educação, apesar de ter feito um progresso significativo na última década, mas essa trajetória tem que continuar e a melhor alocação do gasto seria uma das maneiras para aumentar o desempenho educacional.

Rio Bravo: Ainda sobre educação, o relatório assinala que as despesas com ensino superior são ineficientes e regressivas. Esse ponto foi bastante criticado não só por professores universitários, evidentemente, como também por alguns formadores de opinião na imprensa. Nesse caso específico, como foi feita a análise de eficiência?

Martin Raiser: Primeiro, acho que algumas das reações que a gente recebe saem numa leitura errada do relatório. A gente não está falando de acabar com a universidade pública federal de jeito nenhum. A gente está fazendo uma análise, que é olhar pelo aluno: quando ele entra, qual é o nível de desempenho dele e da educação dele? E quando ele sai, qual é o nível de desempenho dele? A gente está olhando pelo valor agregado que cada aluno recebe na universidade federal, na universidade privada e está comparando isso com o gasto por aluno dessas universidades.

Uma das críticas foi: as universidades federais estão fazendo bastante pesquisa, então é claro que o custo por aluno é mais alto. Aquelas transferências do orçamento para pesquisa não foram incluídas na nossa análise. A gente só analisou o gasto com universidades federais que não são especificamente dedicadas às pesquisas, mas é claro que talvez dentro dessas transferências ainda tenha algumas que são voltadas para pesquisa, para empenho público, que tenha algum sentido. Essa comparação de eficiência que a gente fez no Ensino Fundamental, tanto quanto no Ensino Superior, é uma indicação de que as universidades federais estão gastando mais por aluno.

Se tem alguma justificativa para fazer isso, OK, mas aí talvez faça sentido demonstrar isso dentro do orçamento. Agora, a segunda parte da nossa análise foi quem se beneficia desse gasto. Nesse caso, a gente vê – e ninguém discute isso – que a maioria dos alunos nas universidades federais vêm da faixa dos 60% mais ricos. A nossa ideia foi: para aqueles que podem pagar talvez introduzir uma contribuição, uma mensalidade, para aumentar a quantidade de bolsas que podem ser dadas à faixa dos mais pobres.

O que torna o sistema um pouco injusto é o fato de as famílias com renda mais alta terem capacidade de pagar cursinho, de se formar numa escola básica privada e aí eles conseguem um Enem muito melhor do que aqueles que saem de uma família humilde e que tem que seguir a escola pública. A nossa visão seria: se você verdadeiramente quer aumentar a igualdade das oportunidades, você tem que investir no ensino básico, melhorar a qualidade das escolas públicas para aquele que não tem dinheiro para fazer cursinho ter a mesma chance de entrar na universidade federal. Uma vez que isso for garantido, aqueles que são de uma família de renda alta e vão estudar Negócios, Economia ou Jurisprudência na universidade federal de SP e do RJ com segurança de ter um trabalho muito bem remunerado mais tarde, verdadeiramente essa transferência é necessária? Eu acho que essa é a discussão que a gente queria fazer, mas sem desvalorizar de jeito nenhum o trabalho que as universidades federais estão fazendo, só colocando em discussão a necessidade de decidir entre pesquisa e despesas por aluno e ver como aumentar o acesso da faixa dos mais pobres às universidades gratuitas. Esse foi o sentido do nosso trabalho.

 Rio Bravo: No relatório “Um ajuste justo” existe a indicação de que é possível melhorar a eficiência cortando gastos. Como fazer isso possível?

Martin Raiser: Tem a possibilidade de aumentar eficiência e tem a possibilidade de aumentar desempenho. A nossa análise mostra que ou você pode alcançar o mesmo resultado com menos gasto ou você pode alcançar um resultado melhor com o gasto atual. Acho que a Saúde talvez seja o setor onde essa segunda leitura é importante. O Brasil não gasta muito com Saúde, mas gasta mal. Eu acho que o Brasil poderia aumentar o desempenho do setor da Saúde, olhando, por exemplo, a questão da integração entre Saúde do nível primária, secundária, terciária e olhar na consolidação dos hospitais, particularmente nos municípios com população menor. Um hospital com 50 leitos não é um hospital eficiente. É um hospital que carece muito de equipamento, de mais especialização e não tem como oferecer, porque não tem a escala suficiente para fazer. É claro que em municípios rurais as distâncias até os hospitais são muito longas, então cada município quer o seu próprio hospital. Eu entendo isso, mas isso não é eficiente e não maximiza o desempenho do setor da Saúde.

Então, através de uma integração maior, mais medicina preventiva no primeiro nível, evitando a necessidade de se chegar ao hospital pelo paciente, e hospitais maiores, com serviços melhores, e talvez ver como reorganizar esse sistema de referência através de todo o sistema da Saúde. Acho que esse deveria ser o caminho. O Brasil tem uma experiência muito bem-sucedida na criação do SUS, do acesso a serviços de saúde no nível primário em todo os lugares do país. Acho isso uma experiência que outros países estão tentando aprender do próprio Brasil, mas, uma vez que você chega no nível do hospital, a gente vê que tem ineficiências. Então, a gente não está falando de diminuir o gasto com Saúde nos municípios pobres do Norte e do Nordeste do país. A gente está falando em realocar esse recurso de alguma maneira e aumentar o desempenho do setor da Saúde nesses municípios.

 Rio Bravo: Uma última pergunta: como é que você imagina que esse relatório será absorvido pela classe política em 2018, que é um ano eleitoral, um ano bastante importante politicamente para o país?

Martin Raiser: Nosso objetivo foi estimular o debate, trazer evidência, porque muitas vezes o debate está sendo feito na base de persuasões políticas, ideológicas, e aí talvez um pouco de evidência ajude a esclarecer. Isso não vai criar um consenso nacional por si, mas um consenso nacional deveria se criar na base das evidências. E eu espero muito que esse ano eleitoral, por difícil que seja, seja também uma oportunidade de olhar pelas evidências, de olhar quais foram os sucessos do Brasil, quais foram os erros e como corrigir, porque a economia do Brasil, o estado dos serviços públicos, a situação com a dívida crescente nacional, com as contas públicas, tudo isso é preocupante.

Para tudo isso você precisa dar uma solução, um novo rumo. A nossa ideia é dar algumas contribuições para esse debate. Acho que as reações iniciais mostram que têm bastante interesse. Claro que nem todo mundo concorda com nossa análise, com nossas sugestões, e até acho isso bom, porque a gente está aprendendo com os comentários que a gente está recebendo, estamos ajustando algumas das nossas posições com relação a isso, e vamos continuar a contribuir com nossas análises da maneira mais objetiva que a gente possa. E espero que muito que em 2018 haja continuidade a essa interação da sociedade civil com a administração pública e todos os representantes de partidos políticos, porque o Brasil precisa debater esses assuntos.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.