Afinal, desvalorizar o real vai realmente ajudar a economia a crescer?

Com a moeda em R$ 3,10, exportadoras seriam ajudadas e contas do governo ficariam equilibradas, mas nem tudo estaria resolvido e a pressão inflacionária seria bem maior

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SÃO PAULO – Não é de agora que a tendência de valorização do dólar chama atenção dos especialistas. Desde o final das eleições, analistas e economistas projetam que a moeda norte-americana subirá forte, superando os R$ 3,00 em 2015. Isso ocorre porque dado o atual cenário da economia nacional, apenas com a moeda desvalorizada o País conseguiria equilibrar suas contas, ajustando seu déficit em conta corrente.

Porém, nem tudo ficaria resolvido caso o dólar superasse os R$ 3,10. Se por um lado as contas públicas teriam “ajuda” para ficarem equilibradas, o consumidor seria bastante prejudicado por um aumento no preço de boa partes dos produtos utilizados no dia-a-dia, principalmente alimentos. Para os economistas do IMB (Instituto Ludwig von Mises Brasil), neste cenário o Banco Central funciona como um Robin hood às avessas, transferindo renda da população (mais pobres) para as grandes exportadoras (mais ricos).

Enquanto isso, a ideia de grande parte dos analistas é que é inevitável uma valorização do dólar, ou a economia nacional não voltará a andar nos trilhos. Na última terça-feira (17), o economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirmou que o Brasil deveria deixar que o real se desvalorize até um nível entre R$ 3,10 e R$ 3,20 por dólar e que esse seria o valor justo da moeda.

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Para Ramos, o Brasil está num “equilíbrio muito ruim” de estagflação e que a contração do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano pode ser maior que 0,5%. Segundo o economista, a inflação alta é uma das razões para que a economia não cresça e este ano deve continuar pressionado, já que o IPCA provavelmente ficará acima de 7%. “O Ministro Joaquim Levy é capaz de implementar o ajuste fiscal”, completou Ramos.

Esta visão caminha junto com a do analista da Empiricus, Roberto Altenhofen, que já havia indicado que o dólar de equilíbrio no longo prazo, ou seja, aquele que vai equilibrar o déficit em conta corrente, seria em torno dos R$ 3,10. Segundo ele, o ideal seria a moeda chegar neste patamar e se estabilizar, mas isso só vai ocorrer se não houver nenhum problema na economia ou nos fundamentos.

“Contando com pressões pontuais de fluxo relacionadas, por exemplo, ao fim dos estímulos e subida de juros nos EUA, ele [o dólar] poderia sim passar deste valor, podendo buscar algo próximo de R$ 3,50 com a chance de overshooting (reação excessiva alimentada pelos elementos de fluxo)”, afirma Altenhofen.

Segundo o analista, se a moeda chegar neste patamar, “seria realmente doloroso para alguns setores e sob a ótica de pressão inflacionária adicional”. Por outro lado, ele ressalta que além de equilibrar o déficit em conta corrente, o dólar alto fortaleceria a indústria exportadora. E esse é exatamente o grande dilema a ser enfrentado.

Dólar alto é bom?
O grande debate sobre o nível ideal do dólar em relação ao real é exatamente até que ponto a moeda americana seria capaz de estimular as exportações e ajudar a controlar o déficit do governo, enquanto ainda não geraria uma pressão inflacionária que prejudicaria o resto da população.

Desde o ano passado, o governo dá indicações de que não pretende interferir tanto no mercado cambial como vinha fazendo desde 2013 com seus programas diários de leilão de moeda. Apesar disso, o Banco Central apenas decidiu reduzir a oferta de dólar, mas manteve as intervenções diárias. Enquanto isso, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já deixou claro mais de uma vez que o governo não quer manter o câmbio controlado de forma artificial, o que tem levado o dólar a quebrar suas máximas em mais de 10 anos.

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Indo contra o pensamento do Goldman e da Empiricus, a equipe do IMB defende que não vale a pena ter uma política de desvalorização cambial. Para eles, esse tipo de pensamento “olha apenas um lado da equação e ignora absolutamente todo o resto da economia. Ele olha apenas para os efeitos diretos, mas ignora totalmente todos os outros efeitos indiretos”.

Basciamente, a ideia é que com uma valorização do dólar, as exportadoras brasileiras se tornam mais competitivas, já que podem reduzir o preço de seus produtos na hora de vender no mercado internacional e mesmo assim manter sua receita no mesmo nível, o que deve levar a um aumento das vendas e consequente resultado melhor. Porém, os economistas do IMB lembram que muitas vezes as pessoas excluem do cálculo o aumento dos custos ou da dívida dessas empresas, o que pode até anular essa vantagem competitiva.

Uma demonstração desses efeitos e como uma alta do dólar não é de toda benéfica para o País está na popularidade dos recentes presidentes. No caso de FHC, sua popularidade era alta quando o real era forte, e foi caindo conforme o real também perdia força. Com Lula, a popularidade cresceu à medida que o real se fortaleceu, e atingiu o ápice justamente quando o real também estava no ápice, em meados 2008 e em 2010. Atualmente, com Dilma, a trajetória é exatamente a mesma: de 2011 a fevereiro de 2015, a popularidade dela recua junto com o real.

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A conclusão é que não adianta simplesmente deixar com que o real se desvalorize para conseguir equilibrar as contas do governo. Principalmente, que, como demonstra a Empiricus, se o dólar justo neste momento é de R$ 3,10, diante do cenário externo complicado, a moeda poderia facilmente atingir R$ 3,50, o que traria grandes pressões inflacionárias. Aí está mais uma dificuldade para que Levy lide neste seu início de trabalho.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.