Para fundo de US$ 78 bi, mercado exagerou em fuga da Bovespa

Diretor global de pesquisas da Ashmore, um fundo britânico que investe US$ 78 bilhões em mercados emergentes e US$ 6 bilhões no Brasil, afirma que o paísl perdeu parte do brilhantismo, mas não ficou tão ruim quanto muitas pessoas dizem

João Sandrini

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(SÃO PAULO) – O mercado brasileiro passou por momentos de forte turbulência nos primeiros sete meses deste ano devido a uma combinação de decepção com a política econômica do governo, a desaceleração da China e a possibilidade de que os Estados Unidos comecem a apertar em breve a frouxa política monetária que vigorou nos últimos cinco anos. Para Jan Dehn, diretor global de pesquisas da Ashmore, o Brasil continua a ser interessante para os investidores estrangeiros – apesar de algumas medidas equivocadas do governo, que já estão sendo revertidas. Com US$ 78 bilhões administrados, sendo US$ 6 bilhões no Brasil, a Ashmore acredita que a queda do Ibovespa para 44 mil pontos em julho foi exagerada e que a própria população já não tolera políticas equivocadas que permitam a aceleração da inflação, forçando esse ou os próximos governos a corrigir eventuais desvios de rumo. Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

Oportunidade de compra

Acreditamos que o cenário brasileiro não é tão ruim quanto se pinta e que o mercado exagerou ao derrubar o Ibovespa para 44.000 pontos em julho. Houve uma mistura de decepção com o governo e preocupações exageradas com o desaquecimento da China e o fim dos estímulos monetários nos EUA. Mas enxergamos nessa queda da bolsa uma boa oportunidade de compra. As próximas eleições não me preocupam. Eleições sempre podem gerar alguma incerteza e trazer volatilidade aos mercados, como em 2002, quando os investidores reagiram mal à eleição de Lula. Mas é bom lembrar que o mercado estava muito errado sobre Lula naquela época. Agora, mesmo que o governo atual se reeleja, ao menos já se sabe o que eles farão. O sistema eleitoral brasileiro é um dos mais críveis do mundo e não vejo o menor risco de fraude ou conflitos violentos entre pessoas com diferentes orientações partidárias. As manifestações tiveram impacto na popularidade da presidente, mas isso também não me preocupa. Acho que uma vitória de Marina Silva ou a reeleição de Dilma possam gerar alguma apreensão até que fique claro o que eles vão fazer após 2014. Mas dificilmente veremos uma grande mudança de curso porque não acho que seja isso que a sociedade queira. Acredito muito na solidez das instituições brasileiras. É por isso que temos um escritório aqui e investimos tanto dinheiro em títulos públicos, em crédito privado, em ações no país.

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O Brasil perdeu o brilhantismo

Na América Latina, quem têm acertado nas medidas econômicas de curto e longo prazo são México, Colômbia, Peru, Uruguai e Chile. Também há países como a Venezuela e a Argentina, com problemas políticos domésticos tão grandes que as decisões econômicas acabam sendo secundárias. O resto está no meio do caminho, incluindo o Brasil. Após um período de grande crescimento econômico e da confiança, o Brasil começou a enfrentar tempos mais difíceis nos últimos dois anos. Os fundamentos continuam muito bons, as reservas internacionais superam US$ 370 bilhões, as riquezas naturais são exuberantes e a população e a economia são enormes. O perfil da dívida pública melhorou bastante nos últimos 10 anos, com um prazo maior de pagamento e a menor exposição ao dólar. No entanto, um pouco desse brilhantismo deixou de existir recentemente. A economia desacelerou, com um PIB inferior a 1%no ano passado. Mesmo que cresça mais que o dobro neste ano como se espera, ainda será muito pouco para o potencial do país. E a inflação superou o teto da meta apesar do crescimento fraco.

O erro do curto-prazismo

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Alguns fatores levaram o Brasil a essa situação. A introdução de controle de capitais com a cobrança de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para investimentos estrangeiros é uma delas. Isso afetou a confiança nos negócios porque as pessoas ficaram pensando que, se houve controle de capitais, o que mais poderia vir em seguida. O modo como as pessoas pensam nas possibilidades futuras é predominantemente baseado no que vimos no passado. Mesmo que o governo já tenha retirado quase todos esses controles de capital recentemente, agora o estrangeiro que está avaliando se vai ou não investir no Brasil fica pensando se não vai ser pego de surpresa pela volta de um imposto – e aí acaba chegando à conclusão que não vale a pena correr esse risco. Há um grande contraste entre o que se vê no Brasil e no México, onde há um claro compromisso de manter o mercado de capitais aberto. E não é só esse problema, é a forma como o governo brasileiro age em todo momento, pensando em pequenas mudanças de curto prazo ao invés de enfrentar os problemas estruturais de longo prazo. Não há medidas para elevar a eficiência, a produtividade e a flexibilidade da economia.

Vítima do próprio sucesso

O Brasil se tornou uma vítima de seu próprio sucesso. Nos três mandatos presidenciais anteriores a Dilma, o país foi de nada confiável a 100% confiável. Essa mudança aconteceu por causa da aceleração do crescimento e da melhoria do padrão de vida das pessoas, que elevaram a demanda. Mas, em algum ponto, o governo não percebeu que também era necessário prestar atenção ao lado da oferta, porque, de outro modo, só se criaria demanda em excesso. Aí a inflação aumentou, faltou infraestrutura, o crescimento do emprego começou a desacelerar e a economia perdeu dinamismo. Não sei se esse governo vai conseguir resolver tudo isso, mas acho que eles já começaram a responder à inflação e ao enfraquecimento do real. O BC está aumentando os juros e deve continuar a fazer isso até o ponto em que seja necessário. Estou bastante confiante em relação ao controle da inflação porque acho que eles entenderam que politicamente é muito perigoso perder a rédea dos preços. Houve também alguma moderação na política fiscal. O difícil agora é reverter a perda de confiança. Quando a confiança cai porque foram feitas coisas erradas, você tem de desfazer o que não funcionou e ainda fazer mais alguma coisa extra para recuperá-la. O que precisamos ver agora é um compromisso firme em resolver o problema da infraestrutura para melhorar o lado da oferta.

A voz das ruas

Acho que os protestos nas ruas são muito bem-vindos. A ideia de que a população tenha voz e expresse suas insatisfações é positiva, principalmente quando o governo ouve e começa a responder com medidas corretas. Isso é democracia. Há alguns anos houve protestos no Reino Unido ou no Chile e acho que isso está dentro da normalidade. Em ditaduras era perigoso desafiar governos, que podiam ser mais corruptos e cometer erros por mais tempo. Agora as pessoas podem dizer o que pensam, ir às ruas reclamar que o crescimento está muito baixo, que a inflação está elevada ou que falta qualidade aos serviços públicos. Se o governo não ouvir, perderá a próxima eleição. Caso o governo decida responder a problemas estruturais com mais populismo, será como mijar nas próprias calças para se aquecer: vai haver certo alívio no curto prazo, mas logo ficará claro que não foi uma boa ideia. Medidas como a suspensão do aumento das tarifas de ônibus funcionam no curto prazo, mas eles também vão ter que adotar as políticas corretas, como conter os gastos públicos.

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