E se Warren Buffett fosse brasileiro?

O "Oráculo de Omaha" construiu uma empresa de investimentos avaliada em US$ 250 bilhões no mercado americano, mas será que sua estratégia daria tantos frutos no Brasil?

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – Se você possui algum contato com o mercado de ações, certamente já ouviu falar de Warren Buffett e sua incontestável história de sucesso. Por meio da sua filosofia de investimentos baseada em comprar ações que estão negociadas abaixo do valor intrínseco, o “Oráculo de Omaha” transformou a Berkshire Hathaway – que no começo dos anos 1960 era uma companhia têxtil – em uma holding de investimentos que atualmente possui um valor de mercado de mais de US$ 250 bilhões. O sucesso como investidor garante atualmente a Buffett a posição de quarto homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 52,2 bilhões.

A regularidade e a consistência vistas nos investimentos feitos por Buffett nos últimos 60 anos naturalmente o tornaram referência para todos aqueles que investem em bolsa: querendo obter sucesso no mercado acionário, os investidores querem seguir os mesmos passos de Buffett, ouvir seus conselhos e aplicar sua filosofia de investimentos. O sucesso resultou em muitos adeptos da maneira Buffett de investir, que se espalharam em diversas partes do mundo – inclusive no Brasil.

Contudo, é gritante o quanto o mercado brasileiro ainda está distante do americano. Por aqui, a Bovespa tornou-se uma instituição independente apenas na década de 1960 e atualmente ela conta com cerca de 350 empresas. Já nos EUA, a Bolsa de Nova York, criada em 1792, possui cerca de 2.800 companhias listadas. Essas diferenças suscitam algumas dúvidas: replicar o “Buffett’s way of life” no Brasil daria certo? Teria Warren Buffett obtido tanto sucesso em sua estratégia de investimentos se tivesse nascido aqui?

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Especialistas apontam que a falta de maturidade do mercado brasileiro pode ser um empecilho para colocar em prática as técnicas de avaliação de empresas de Buffett – embora muita coisa tenha melhorado nos últimos anos. Por outro lado, essa mesma juventude do mercado acaba fazendo com que empresas “de valor” muitas vezes sejam deixadas de lado na bolsa ou fiquem até esquecidas, abrindo ótimas oportunidades para os investidores que conseguem perceber essas distorções.

“Value Investing”: sucesso em qualquer lugar do mundo
Conceito básico da teoria de Buffett, a identificação de ações a preços razoáveis daria certo em qualquer mercado: encontrar empresas de valor que estão mal precificadas na bolsa é uma estratégia que muitos gestores utilizam em qualquer lugar do mundo, explica Rui Tabakov Rebouças, sócio da gestora americana Tabakov Capital. “A questão do preço está sempre na frente”, afirma.

Essa estratégia, no entanto, tende a ganhar cada vez mais efetividade à medida que o mercado e a economia de determinada região evoluem – o que está acontecendo no Brasil. “Se você me perguntasse uns 10 anos atrás o que eu achava sobre replicar a estratégia de Buffett no Brasil, eu diria que era impossível. Hoje já não é assim”, afirma Rodrigo Sancovsky, sócio da Fama Investimentos. No começo dos anos 2000, poucas empresas conseguiam fazer um planejamento consistente com um prazo mais longo. “Se as empresas não conseguiam, imagina então o investidor?”, diz. Isso vai diretamente contra o horizonte de longo prazo defendido por Buffett em seus investimentos – o “Oráculo de Omaha” sempre diz que o investidor deve comprar uma empresa, e não uma ação, com o intuito de mantê-la em carteira pela vida toda.

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A dificuldade em fazer a avaliação fidedigna de uma empresa fazia com que muitos gestores ganhassem dinheiro no mercado brasileiro aproveitando-se muito mais de determinados momentos da economia do que propriamente de identificar empresas com bons fundamentos a preços atrativos, explica o sócio da Fama. “A eleição do Lula provocou uma forte valorização no dólar, refletindo o temor dos investidores com o rumo político do País. Nessa disparada da moeda, muitos gestores compraram ações de exportadoras, baseando-se apenas no benefício natural na receita delas quando o dólar está em alta, e não nos fundamentos delas. Hoje, contudo, o ambiente econômico é muito menos volátil”, exemplifica.

Esbarrando no governo
A estratégia de encontrar empresas ótimas a bons preços funcionaria no Brasil. No entanto, alguns fatores externos à teoria de Buffett poderiam dificultar a ascensão da versão brasileira do megainvestidor. A ingerência governamental seria um desses fatores.

Buffett defende que, além de conhecer muito bem a empresa em que está investindo, é preciso conhecer com profundidade o controlador dessa companhia. Com o governo no comando, toda a dinâmica de determinado setor pode mudar completamente com a alternância de poder ou mesmo com um simples decreto – praticamente o que aconteceu com o setor elétrico e a redução das tarifas de luz em 2012.

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Outra característica de Buffett é escolher empresas com vantagem competitiva duradoura. Nesse sentido, algumas companhias controladas pelo governo brasileiro poderiam se tornar boas pedidas, tendo em vista o caráter monopolista de algumas delas. Contudo, na visão de Sancovsky, o fato de ter o governo como acionista majoritário tira qualquer atratividade. “A vantagem competitiva duradoura só se traduz em resultado positivo para a empresa se o acionista controlador estiver interessado em maximizar o retorno ao acionista”, afirma o sócio da Fama.

A Petrobras é um exemplo claro: se o governo priorizasse o retorno aos acionistas, certamente o preço do combustível no mercado doméstico já teria se alinhado às cotações internacionais. Contudo, o governo não o faz pelo receio dos impactos inflacionários da medida.

“Buffett da Silva” seria rico?
Imaginando hipoteticamente a existência de um Warren Buffett brasileiro, seria possível projetar se ele seria rico? Como já foi dito, a estratégia de “value investing” daria certo em qualquer lugar do mundo. Contudo, alguns percalços poderiam surgir: um deles é o tamanho do mercado brasileiro em relação ao norte-americano, explica Rebouças. Na época em que a carreira do megainvestidor já decolava nos EUA, por volta dos anos 1970, a Bovespa ainda engatinhava. “Ou seja, quando o ‘Buffett brasileiro’ testasse as limitações do Brasil, provavelmente seria obrigado a operar em outros mercados, principalmente o americano”, atesta o sócio da Tabakov Capital.

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Além disso, o mercado americano é muito mais dinâmico, fato que joga a favor de um investidor como Buffett – bons negócios crescem mais rapidamente. Assim, por mais que o Buffett brasileiro acertasse em seus investimentos, dificilmente alcançaria um patrimônio equivalente ao Buffett americano.

Além disso, a época e local em que o bilionário nasceu também foram muito propícios para acumular riqueza. “Sem querer tirar o mérito de Buffett, mas ele mesmo já disse por muitas vezes que nasceu no lugar certo e na época certa”, diz Rebouças. Buffett veio ao mundo logo depois da crise de 1929 – quando os mercados estavam severamente deprimidos – e conheceu muito cedo Benjamin Graham, considerado o precursor da estratégia “buy and hold” de investimentos em ações e uma das pessoas que mais o influenciou na vida.

Ainda assim, é quase impossível imaginar que Buffett não teria ficado rico no Brasil. “Sua inteligência, integridade, temperamento propenso para investir em ações e capacidade de identificar vantagens competitivas realmente duradouras fariam diferença, tenha ele nascido no Brasil ou nos EUA”, conclui Rebouças.

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Essa matéria foi publicada na edição 43 da revista InfoMoney, referente ao bimestre março/abril de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers