Ações de Sabesp, Sanepar e Copasa saltam até 8% após Bolsonaro sancionar novo marco do saneamento: o que mudou?

Por que o não-veto ao artigo 14, parágrafo 1, e o veto ao artigo 16 abrem caminho ao investimento privado

Lara Rizério

Presidente da República, Jair Bolsonaro sanciona marco legal do saneamento básico (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – A sessão desta quarta-feira (15) foi de fortes ganhos para as ações de saneamento, principalmente para os papéis da Sabesp (SBSP3), que subiram 8,06%, a R$ 61,38, enquanto os ativos da Sanepar (SAPR11) também registraram alta bastante expressiva, de 6,56%, a R$ 32,48, sendo seguidos por Copasa (CSMG3), com ganhos de 4,39%, a R$ 58,98.

O principal motivo por trás da forte alta dos ativos foi a sanção, na tarde desta quarta, do novo marco legal do saneamento pelo presidente Jair Bolsonaro, o que deve impulsionar mais investimentos privados no setor.

Mas, mais do que a cerimônia em si, que já era esperada uma vez que o mandatário tinha até esta data para a sanção, os vetos de Bolsonaro à lei aprovada pelo Senado no último dia 24 de junho eram particularmente esperados pelos investidores. E justamente o que foi decidido a partir daí que animou o mercado nesta sessão.

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Vale relembrar que o Senado aprovou o novo marco sem nenhuma alteração no mérito do texto que partiu da Câmara dos Deputados, de forma a seguir diretamente para a sanção presidencial com uma tramitação mais rápida. Os senadores que propuseram alterações retiraram os destaques por conta de um acordo com o governo federal para que fossem vetados três artigos da lei, segundo noticiado na ocasião.

A perspectiva de veto que mais trazia temor era do artigo 14, parágrafo 1. O artigo aponta que, no caso de um processo de privatização de uma empresa de saneamento estatal, não há necessidade de consentimento dos titulares (municípios) caso não haja alterações no objeto e na duração do contrato de programa.

Os contratos de programa, vale destacar, são mecanismos que permitem a dispensa de licitação pelo prefeito ao contratar estatais – ou seja, não sendo necessário um processo de concorrência aberto, em que várias empresas (públicas ou privadas) concorrem pela gestão da rede de água e esgoto.

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Assim, caso o artigo 14, parágrafo 1, fosse vetado, haveria impactos negativos a processos futuros de privatização de empresas estatais de saneamento, um ponto de grande importância para Sabesp e Copasa. Isso porque as propostas de privatização exigiriam o consentimento de 374 municípios no caso da Sabesp e 641 municípios no caso da Copasa, o que aumentaria em muito a complexidade de projetos de venda destas estatais.

Contudo, surpreendendo o mercado, o artigo não foi vetado, deixando o caminho mais livre para privatizações no setor, o que animou os investidores e levou à alta das ações.

Mas, conforme destaca Gabriel Fonseca, analista da XP Investimentos, não se pode descartar uma judicialização nem mesmo sem esse veto, uma vez que leis de alguns municípios contêm dispositivos para extinção do convênio em caso de privatização. De qualquer forma, o não-veto ao artigo pode levar a um processo de convencimento dos municípios mais bem-sucedido.

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No caso da Copasa, o cenário que se desenha é mais turbulento, ainda que o não-veto seja uma notícia positiva. A privatização de estatais em Minas depende da alteração de dois trechos da Constituição Estadual de Minas Gerais que afirmam que processos de venda de empresas estatais no Estado dependem de aprovação por três quintos dos votos da Assembleia Legislativa e validação em um plebiscito. A avaliação é de que não há apoio político para isso, aponta Fonseca, da XP.

Contudo, mesmo que houvesse autorização da Assembleia para realizar o processo de privatização, há um outro obstáculo: o contrato de programa da capital do estado, Belo Horizonte (município mais importante, que gera 30,8% das receitas da Copasa) contém uma cláusula afirmando sua nulidade caso a estatal seja privatizada, o que poderia causar instabilidade jurídica em uma eventual tentativa de privatização.

Já no caso da Sanepar, que não é citada como uma das candidatas à privatização, um veto não esperado acabou impulsionando os papéis. Trata-se do veto ao artigo 16, que autorizava que as estatais renovassem por mais 30 anos os contratos de programa atuais e vencidos, desde que isso ocorresse até março de 2022. O prazo também valeria para formalização das “situações de fato”, quando há prestação de serviço sem contrato assinado.

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A sobrevida aos contratos, que foi barrada, é considerada importante para as estatais uma vez que o novo marco legal proíbe que novos contratos sem licitação sejam fechados. Agora, a concorrência será uma regra no setor, o que vai de encontro ao domínio das empresas públicas nesse mercado.

Em nota, o Planalto alegou que o artigo posterga soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. “Ademais, os dispositivos foram vetados por estarem em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico, que orientam a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados”, aponta, como motivo para o veto.

Para Fonseca, da XP, o veto a esse artigo implica “tirar as empresas estatais da zona de conforto”, uma vez que elas correm o risco de perder contratos, sendo que muitos deles podem estar perto de vencer. Assim, mesmo que não haja menção ainda à privatização de algumas companhias, as chances se elevam pois seria a única alternativa para que se tornassem mais competitivas nos processos licitatórios. Em outro caso, se não houvesse o veto, as estatais teriam mais tempo, já que o contrato poderia ser renovado por mais trinta anos, sem licitação. A recomendação do analista para as ações da Sanepar é de compra, neutra para Sabesp e de venda para a Copasa.

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De acordo com o advogado Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Guimarães e Pereira Advogados, o veto ao artigo foi importante e tem o potencial de abreviar a abertura do mercado para os operadores privados uma vez, que a partir da vigência da lei, não se pode mais dispensar a licitação.

Porém, avalia, mesmo sem esse veto, o novo marco legal já induzia a uma abertura do mercado no curto prazo por contas das metas para universalização e necessidade dos operadores estatais de demonstrarem capacidade financeira para realizarem os investimentos necessários, de forma a atingir as metas de universalização dos serviços de água e esgoto.

“Isso faria com que os estados tivessem incentivo de realizarem a venda de companhias estatais ou estruturarem concessões para que operadores privados pudessem atuar, uma vez que as estatais perderam a capacidade de investimento no setor”, avalia Vernalha. Com o veto, contudo, não há sequer a possibilidade de uma renovação sem licitação, abrindo mais o mercado para operadores privados.

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Vale destacar que o governo estima investimentos de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões para cumprir as metas determinadas de universalização até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, 16,4% dos brasileiros não tinham acesso à rede de abastecimento de água até o ano passado. Do lado do tratamento do esgoto, os números são ainda mais alarmantes: apenas 53,2% tinham acesso ao serviço em 2018.

Para Vernalha, a tendência de mercado será a organização de municípios em bloco, em que o estado deva assumir o protagonismo como concedente. Nesse modelo, o dono do serviço é o município, ele celebra o convênio e delega atribuições ao estado, que atua como representante e concede ao operador privado o direito de explorar os serviços nos municípios. ‘Esse modelo funcionaria até sem a necessidade de vender as companhias estaduais, uma vez que elas podem ficar apenas com a captação da água”, destaca o advogado.

Próximo passo: derrubada ao veto?

Apesar do ânimo dos investidores, cabe ressaltar que o tema ainda não foi esgotado. Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da lei do saneamento no Senado, defendeu a derrubada do veto à renovação de contratos de saneamento: “fiquei extremamente surpreendido”. Segundo ele, os vetos de Bolsonaro foram um “tiro no pé“; já Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, afirmou que vai abrir diálogo para conversar sobre os vetos.

Vale destacar que o artigo, inserido durante as discussões do novo marco legal na Câmara, foi importante para o novo marco legal vencer forte resistência de algumas bancadas, principalmente a do Nordeste.

Na mesma linha, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado e do Congresso, indicou apoio para derrubar o veto do presidente e retomar a sobrevida aos contratos. “Não pode fazer o entendimento e não cumprir o entendimento. O que é combinado não é caro nem barato”, disse Alcolumbre em sessão do Senado. “Se por parte do governo não houve a eficácia, houve um lapso da parte do Executivo, que eu reputo que não é certo, temos como corrigir aqui na sessão do Congresso Nacional e dar a resposta do que foi construído.” Assim, continuará sendo importante para os investidores do setor acompanhar as discussões no Legislativo.

(com informações da Agência Estado)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.