Ações de Carrefour, Pão de Açúcar e RD tentam resistir ao “sell-off” da bolsa: o que esperar delas agora?

Companhias, por serem voltadas ao consumo básico, acabam tendo resiliência em tempos de coronavírus e quarentena - mas elas serão afetadas no médio prazo

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Nesses tempos de forte incerteza para o mercado e com o Ibovespa caindo 38,66% apenas entre os fechamentos dos pregões de 21 de fevereiro (pregão antes do feriado do Carnaval, quando a crise começou a ganhar força) e 24 de março, algumas ações têm se destacado, não por suas expressivas altas (o que é difícil encontrar no atual cenário), mas por sua resiliência nesse momento de tantas derrocadas do mercado por conta da crise do coronavírus.

Além de ações de empresas de energia, conhecidas pelo seu perfil defensivo – sendo a de melhor desempenho no índice a Taesa (TAEE11), com queda de “apenas” 20% no mesmo período de tempo -, quem vem chamando a atenção são as ações de varejistas. Mas de dois grupos específicos: a de alimentos e a de farmácias.

Os papéis do Carrefour Brasil (CRFB3) são destaque no Ibovespa ao subirem 1,40% no acumulado do último mês, sendo a única alta do índice no período. Em seguida, as ações da RD (RADL3) caem 11,78%, sendo seguidas por Telefônica Brasil (VIVT4; -15,71%), JBS (JBSS3, -18,32%%) e Pão de Açúcar (PCAR3; -18,33%). Elas são acompanhadas no ranking pela Taesa e Hypera (HYPE3; -19,97%), essa última também ligada ao ambiente farmacêutico, já que é produtora de remédios.

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As 10 ações que mais suportaram o forte baque do Ibovespa entre 21 de fevereiro e 24 de março:

Melhores desempenhos fevereiro-março (Fonte: Bloomberg)
(Fonte: Bloomberg)

Faz sentido as ações dessas empresas varejistas estarem mais resilientes nesse cenário. Afinal, em meio ao coronavírus, uma pandemia mundial e que leva a uma doença altamente contagiosa, as medidas que vêm sendo tomadas por autoridades em todo o Brasil são de praticamente paralisar todas operações “não-essenciais”. Desta forma, para cumprir com as recomendações de distanciamento social, são mantidos apenas os serviços básicos.

Assim, varejistas cujas vendas estão relacionadas a esses bens de consumo (alimentação e saúde) continuam com suas operações funcionando, enquanto muitas empresas do varejo de vestuário até mesmo se anteciparam às medidas e fecharam suas lojas físicas em todo o Brasil, concentrando-se em vendas onlines.

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Com isso, Pão de Açúcar, Carrefour, RD mantêm suas lojas abertas. Vale fazer uma menção também ao caso da Lojas Americanas (LAME4): apesar de parte das suas lojas (cerca de 30%) estar localizada em shopping centers, que foram fechados em São Paulo, por exemplo, a maioria das unidades da companhia também está funcionando.

Para itens essenciais, conforme destaca o Credit Suisse, a quarentena beneficia o consumo devido ao medo que a população tem com relação à falta de produtos nas prateleiras, o que leva a uma corrida atrás de itens básicos, principalmente. “Nesse contexto, farmácias e supermercados estão em vantagem”.

Conforme ressalta a XP, no caso das farmacêuticas, há relatos de aumento significativo do ritmo de vendas, em função da demanda crescente por produtos como álcool gel, vitamina C e máscaras.

Um ponto de atenção, contudo, avalia a equipe de análise, é que a maior parte da matéria-prima utilizada na fabricação de medicamentos no Brasil vem da Ásia (especialmente China, mas também Coreia do Sul, Japão e Índia). Desta forma, algo a ser monitorado é a potencial implicação do vírus na cadeia de abastecimento da indústria.

Por outro lado, vale destacar, conforme apontado pelo banco UBS em relatório, a RD, junto com outros líderes do setor, propuseram ao governo o adiamento de aumentos de preços de medicamentos, que são implementados todos os anos em 1º de abril. “Esta poderia ser uma decisão com implicações importante para a indústria farmacêutica e farmácias. Em nossa conversa com o escritório de advocacia Felsberg, foi destacado que o governo poderia considerar reduções de tarifas de importação e incentivos fiscais também para a indústria farmacêutica”, destacam os analistas.

Se o saldo é positivo no curto prazo para as ações das varejistas de alimentos e farmacêuticas, no médio prazo isso pode não se repetir, conforme aponta a Levante Ideias de Investimento.

Os analistas da casa de research apontam que, dado que a perspectiva é de desaceleração da economia – diversos bancos têm cortado estimativas e até mesmo projetando forte queda da atividade, sendo que o próprio governo reviu sua expectativa do PIB para alta de apenas 0,02% em 2020 – e de impacto nas taxas de desemprego, o coronavírus é ruim para os setores como um todo.

Contudo, a expectativa compartilhada por analistas é de que supermercados tenham um desempenho relativo melhor que o Ibovespa nesse período de turbulência para o mercado.

Conforme aponta o Credit Suisse, players de e-commerce, a rigor, também teriam uma vantagem competitiva devido à queda da circulação de pessoas nas ruas. “Apesar disso, não recomendaríamos no curto prazo exposição para este segmento. Isso porque acreditamos que os investidores irão considerar B2W (BTOW3), Magazine Luiza (MGLU3) e Via Varejo (VVAR3) como nomes de beta alto [com risco relativo maior] frente a um mercado que registra uma alta aversão ao risco”, avaliam.

Mais compras agora, menos depois?

Voltando a pensar mais no curto prazo, uma outra questão que se faz é quanto tempo vai durar o aumento de vendas para as varejistas de alimentos, uma vez que o efeito estocagem deve ser mitigado com menores compras nas próximas semanas, destaca a Levante.

Essa preocupação foi ressaltada por Flavio Martins, CEO do Grupo Martins, em live transmitida pela XP no último domingo (22).

O empresário, responsável pela empresa líder no segmento atacadista-distribuidor no país, ressaltou que o volume de vendas disparou nos últimos dias. “Percebemos aumento de 25% nas vendas no Rio de Janeiro, 20% em Minas Gerais, 10% no interior de São Paulo. O movimento continua gigantesco, principalmente no setor de alimentos”.

Porém, ele afirma que já é hora de se planejar sobre a queda no consumo nas próximas semanas: “Varejistas percebem o aumento de demanda, mas sabem que é uma antecipação de consumo”, disse. “As pessoas estão se preparando para ficar em casa”.

Por outro lado, o executivo não percebeu mudanças no abastecimento de mercadorias pelo país, uma preocupação do mercado nos últimos dias. “Ainda não identificamos bloqueio, os transportes estão fluindo, temos conseguindo transitar bem pelos estados. Até agora está funcionando. O objetivo é manter assim”, afirmou. Veja mais clicando aqui.

Sobre esse tema, vale destacar que a cadeia de varejo de alimentos está trabalhando com capacidade total atualmente, com as vendas sendo 30% superiores na última semana se comparado com igual período do ano anterior. O prazo de entrega em operações delivery também está aumentando.

“Os varejistas mencionaram que os produtos estão disponíveis, mas sua logística não foi projetada para reabastecer tão rápido quanto necessário. Com o tempo, espera-se uma normalização na cadeia logística”, aponta o UBS em relatório.

Com a palavra, as empresas

Com tantas questões no radar sobre os efeitos do coronavírus nas operações das empresas, o Credit Suisse conversou com diversas companhias do setor sobre a situação delas em relação à epidemia.

No caso da RD, a companhia destacou ter notado uma forte demanda por medicamentos sem necessidade de prescrição médica, o que a princípio é bem positivo para as vendas. Contudo, ela reforça que pode perder por outro lado, uma vez que as pessoas podem ficar em casa por um tempo indeterminado e consumirem menos.

Levando isso em conta, entre as vantagens competitivas da empresa, estão os centros de distribuição próprios, o balanço patrimonial forte e o reforço em seu nível de estoque. A RD, contudo, não está completamente confiante de que não ficará sem estoque, uma vez que as vendas estão sendo concentradas para os hospitais nesta fase.

Os analistas do Credit acreditam também que o aumento dos preços dos medicamentos de abril possa ser adiado. “Se, por um lado, a Raia não capturará o benefício de marcar seu estoque a preços mais altos, por outro lado, isso provavelmente prejudicará concorrentes menores (poucos deles já alavancados), abrindo espaço para um crescimento interessante para a RD quando a situação for normalizada”, apontam os analistas do banco.

O Carrefour Brasil, por sua vez, destacou ser favorecido pelas circunstâncias atuais e também reconheceu um forte aumento nas vendas desde a semana anterior. A despeito da demanda forte para álcool gel e máscaras, a empresa não teve problemas de estoque.

Além disso, há uma forte demanda por comida em todos os formatos de loja, especialmente no segmento de entrega online, fazendo com que a companhia atingisse rapidamente a sua capacidade total.

O Grupo Pão de Açúcar também viu um forte aumento da demanda, de 100% nas lojas físicas e 300% no canal online, tendo começado em São Paulo, mas se espalhando por todo o Brasil e formatos de lojas. A empresa planeja elevar a capacidade de entregas no e-commerce, que pode triplicar nos próximos 15 dias. O Grupo aumentou seu nível de estoque no primeiro bimestre e não há risco de falta de estoque, pelo menos não no curto prazo, afirmou.

Na frente do hipermercado, a empresa não sofreu menor demanda em itens não-alimentícios (que representam cerca de 30% das vendas nesse formato), mas o mix de produtos nessa categoria mudou para utensílios domésticos. Em relação às margens, o Credit avalia que a empresa tem espaço para entregar uma expansão, não por causa dos aumentos de preços, mas devido a uma redução no
eventos promocionais nos canais físico e online.

Vale fazer menção também às produtoras de alimentos, em destaque a JBS (JBSS3), que também registra uma performance mais positiva na comparação com o Ibovespa.

A empresa, destaca o Credit, possui um mix defensivo de produtos e não enfrenta problemas de liquidez, dada a gestão bem-sucedida de passivos implementada a partir de 2017 e a forte geração de fluxo de caixa em 2019.

“O principal risco para a tese de investimento da JBS parece ser um potencial desligamento de plantas em seus negócios integrados, à luz da disseminação do coronavírus [recentemente, uma decisão judicial fez com que uma das plantas da companhia voltasse a operar].  Destacamos que subsidiária norte-americana Pilgrim’s Pride e a Seara possuem uma cadeia longa e integrada, que continua ativa independentemente das operações das fábricas”, avalia.

Com todo esses pontos destacados, a avaliação é de que essas companhias oferecem sim maior resiliência e devem se beneficiar no curto prazo relativamente com o cenário atual da pandemia. Porém, no médio prazo, elas não devem escapar do baque da economia brasileira (assim como da atividade mundial). O curto prazo parece promissor, mas as incertezas sobre como será o efeito pós-coronavírus nas economias também permeiam as empresas – ainda que elas tenham mais alívio do que a maior parte das outras companhias da bolsa.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.