Ações da Smiles estão subavaliadas e não refletem possível troca de controle, diz gestora

Companhia aérea brasileira tem até agosto para pagar dívida de US$ 300 milhões ou perde a Smiles para a americana Delta

Anderson Figo

(Divulgação)

SÃO PAULO — As ações da Smiles (SMLE3), cotadas a R$ 11,37 no fechamento de sexta-feira (3), estão subavaliadas. A análise é da gestora Samba Investimentos, que afirma que o preço atual dos papéis não reflete a possibilidade de troca de controle da companhia em um futuro próximo, saindo das mãos da Gol (GOLL4).

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Os papéis de ambas as companhias estão em queda livre depois da desistência da Gol da incorporação da Smiles, situação agravada pela crise do coronavírus. Em 2020, até o último fechamento, as ações da Gol já caíram 74,3%, enquanto as da Smiles sofrem desvalorização de 71,2%.

Para Vladimir Timerman, fundador da Samba, as dúvidas sobre a solvência da Gol no atual cenário de forte redução das operações e fluxo de passageiros justificam o movimento. Segundo ele, o caixa da companhia aérea consegue enfrentar a situação por mais cinco meses. Já as ações da Smiles estão sendo penalizadas por conta de sua relação umbilical com a Gol, que é sua maior fornecedora.

“Analisando o balanço da Smiles, temos duas informações: a primeira é que a companhia tem R$ 1,2 bilhão em caixa; já a segunda é que existem ao redor de R$ 1 bilhão de adiantamento para a Gol para compras de passagens. Nos atuais preços de mercado da Smiles, esse quase R$ 1 bilhão que saiu do caixa para comprar passagens da Gol está sendo marcado a zero”, disse.

Segundo Timerman, o que mais preocupa em relação ao caixa da Gol é que a companhia tem que pagar em agosto uma dívida de US$ 300 milhões contraída em 2015, para a qual a americana Delta Airlines concedeu garantia fiduciária adicional. Ou seja, caso a Gol dê o calote, a Delta deve honrar o débito da brasileira.

A contrapartida dessa garantia adicional é a penhora para Delta Airlines das ações que a Gol detém da Smiles. Atualmente, a Gol detém 56,6 milhões de ações da Smiles, equivalentes a 52,6% da companhia. Segundo Timerman, isso explica, em partes, a tentativa da Gol de incorporar a Smiles.

Oportunidade

A avaliação dele é que, “com a frustração dessa operação cria-se uma oportunidade única de investimentos”. Por um lado, se a Gol não quebrar, o R$ 1 bilhão de adiantamento de compra de passagens da Gol pela Smiles tem que ser levado em consideração, o que faz com que o preço das ações da Smiles tenha que ser algo em torno de R$ 20.

E por outro lado, considerando o cenário mais catastrófico no qual a Gol não consegue honrar a dívida de US$ 300 milhões em agosto, a Delta Airlines, como garantidora da dívida, irá honrar esse compromisso, recebendo em troca a totalidade das ações que Gol detém da Smiles.

Ou seja, a Delta estaria pagando US$ 4,57 por ação à Gol (US$ 300 milhões divididos por 65,6 milhões de papéis). Com o atual patamar do dólar, de R$ 5,30, a americana estaria pagando à companhia aérea brasileira R$ 24,22 por cada papel da Smiles.

Com um detalhe: como a Smiles é uma empresa do novo mercado e seria uma operação de troca de controle acionário, os acionistas minoritários têm direito a 100% de tag along. Isso significa que, caso o cenário de calote da Gol se concretize e, consequentemente, seja acionada a execução da garantia feita pela Delta Airlines, os minoritários teriam o direito de venderem suas ações para Delta por US$ 4,57 (R$ 24,22) — um valor 113% maior do que o último fechamento.

“Para o investidor, as ações da Smiles são uma ótima opção porque ela está muito abaixo do que deveria valer e deve se beneficiar de qualquer um dos cenários: tanto o mais otimista, com a recuperação da Gol pós-coronavírus, quanto o mais pessimista, com a troca de controle para a Delta, que hoje vale cerca de US$ 15 bilhões, é muito maior e tem uma malha operacional muito mais expressiva do que a Gol”, avaliou Timerman.

Para ele, a Gol colaborou para que as ações da Smiles ficassem subavaliadas, o que baratearia o processo de incorporação que ela tentou, sem sucesso, negociar. “Qual seria o objetivo da Gol de anunciar que não iria renovar o contrato com a Smiles 10 anos antes do fim do contrato? Nenhum planejamento com horizonte tão distante é possível ser feito, especialmente em um setor tão sensível como o aéreo, a exemplo do que estamos vivendo hoje”, disse.

O InfoMoney entrou em contato com a Gol para saber se ela gostaria de responder ao questionamento e informar aos seus acionistas sobre como e se pretende pagar a dívida de US$ 300 milhões até agosto. A companhia disse que não ia comentar o caso. A Smiles também não quis falar sobre o assunto. Já a Delta Airlines, que também foi procurada, não respondeu ao contato do InfoMoney até a publicação da reportagem.

Preço-alvo e dividendos

Na avaliação do analista Victor Mizusaki, do Bradesco BBI, o preço-alvo das ações da Smiles para este ano é de R$ 20 — mesmo nível estabelecido pela Samba. O valor foi cortado dos R$ 32 anunciados anteriormente. Um dos motivos, segundo ele, são os dividendos.

“Em sua demonstração financeira do quarto trimestre de 2019, a Smiles sugeriu uma distribuição potencial de dividendos de R$ 350 milhões a ser votada em sua próxima assembléia geral, prevista para abril de 2020. Se aprovado, o rendimento dos dividendos deve ser de 16%. No entanto, a nosso ver, esse dividendo pode agora estar em risco”, disse.

“A rápida deterioração do setor de viagens e turismo devido ao surto de Covid-19 pode exigir uma abordagem mais conservadora da administração de caixa. Além disso, entre a distribuição de dividendos e o fortalecimento da posição de caixa da companhia aérea controladora, a Gol pode preferir fazê-la, o que resultará em vendas avançadas de passagens aéreas para a Smiles. Se assumirmos um pagamento mínimo de 25% do lucro líquido, o dividend yield cairá para 8%”, completou.

O analista citou que, em 2015, a Gol iniciou um enorme programa de reestruturação de dívida que envolveu credores e empresas de leasing de aeronaves. Foi quando ela fez o empréstimo de US$ 300 milhões, com a garantia da Delta Airlines.

“Apesar dessa delicada situação financeira, a Smiles manteve a taxa de pagamento de mais de 90%, resultando em um dividend yield médio de cerca de 6,5% em 2015. Em nossa opinião, esse período é diferente devido à pandemia do Covid-19. Em 2015, os membros do Smiles ainda estavam viajando e a empresa também poderia estimular a transferência de milhas dos bancos para o programa de passageiro frequente”, disse.

“No entanto, na atual crise, agora vemos uma demanda deprimida devido a bloqueios no Brasil, alguns países da Europa, América do Norte e América do Sul fechando suas fronteiras, preocupações crescentes com a infecção por Covid-19 e, no ano anterior, o real se desvalorizou em 26% em relação ao dólar, o que diminui o acúmulo de milhas em cartões de crédito e o interesse em voar para destinos internacionais”, concluiu.

Vale lembrar que o governo tem tomado medidas para tentar ajudar as companhias aéreas brasileiras a evitar a falência durante a crise do coronavírus. Uma delas é uma linha de crédito do BNDES de R$ 10 bilhões para as três principais empresas no país: Gol, Azul e Latam. Resta saber se o dinheiro será utilizado pela Gol para pagar sua dívida de US$ 300 milhões. A empresa não quis informar.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.