Ações da Gol revelam um raro “almoço grátis” no mercado financeiro

Alta especulação e falta de compreensão sobre subscrição levam a distorções nas ações da companhia aérea

Janize Colaço

(Foto: Divulgação/Gol)
(Foto: Divulgação/Gol)

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A Gol saiu do processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11) com um reforço de R$ 12 bilhões em capital e a emissão de quase 9 trilhões de novas ações. No entanto, o que tem chamado atenção é o comportamento do investidor pessoa física. Em meio a movimentos especulativos, os papéis chegam a ser negociados acima dos R$ 200, mesmo com direitos de subscrição disponíveis por apenas R$ 10.

O descompasso entre o valor real dos direitos de subscrição e o preço inflado das ações no mercado gerou uma oportunidade pontual de lucro. Ao mesmo tempo, expõe uma falta de entendimento que alimenta uma bolha de curto prazo. 

“Essa distorção é muito grande. Honestamente, nunca vi algo assim”, revela Welliam Wang, gestor responsável pela área de renda variável na AZ Quest, ao InfoMoney.  O que poderia ter sido uma arbitragem típica (quando uma ação é adquirida por um valor menor e revendida ao mesmo tempo por um preço mais alto), virou uma situação talvez inédita na Bolsa de Valores brasileira — e o que ele chama de “almoço grátis”.

Isso porque é possível adquirir o direito de subscrição, sob o ticker GOLL2, a poucos centavos e, posteriormente, vendê-las como papéis preferenciais (GOLL54), ao preço de tela. “O investidor pode obter por R$ 0,09 o direito de comprar essa ação a R$ 10, e então vender esse mesmo papel por R$ 230. Ele só terá tido o custo de R$ 10,09”, aponta o gestor.

A distorção também foi tema de um relatório recente do BTG Pactual. Neles, os analistas destacaram que ela é tamanha que, considerando a nova base acionária e os preços praticados no mercado, a Gol chegou a ser avaliada em R$ 240 bilhões.

Para base de comparação, o valor é superior ao de companhias como WEG (WEGE3), Localiza (RENT3) e Rumo (RAIL3). “A Gol tem um histórico de estruturas financeiras complicadas, mas desta vez até nós ficamos impressionados com o tamanho da distorção. Definitivamente, algo não está certo”, escreveram.

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O que é o direito de subscrição?

O direito de subscrição permite que acionistas comprem novas ações emitidas por uma empresa antes que elas sejam oferecidas ao mercado em geral, e por um preço previamente definido. Na prática, funciona como uma espécie de opção de compra, garantindo prioridade na aquisição desses papéis sob condições mais vantajosas.

“Muita gente nem sabe o que fazer com os direitos e já vendeu. Se você tem o direito de comprar algo que vale R$ 200 por apenas R$ 10, esse direito deveria valer mais”, alerta Wang. Outro fato que o gestor destaca que pode estar passando despercebido é que para cada ação preferencial antiga, sob o ticker GOLL4, o acionista tem o direito de comprar 2.861 ações novas por R$ 0,01.

De acordo com o BTG, a falta de entendimento também se agravou pela nova estrutura de negociação da Gol, visto que as ações passaram a ser cotadas em lotes de mil, sob novos códigos e, por estarem em lotes, com valores atípicos. “Não descartamos que a conversão para as novas ações tenha gerado confusão no mercado”, escreveram os analistas.

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Bolha especulativa e valores inflados

A estrutura da emissão da Gol é complexa: 968 bilhões de papéis preferenciais (GOLL54) foram precificados a R$ 0,01, e mais de 8 trilhões de ações ordinárias (GOLL53) foram emitidas a R$ 0,00029 cada. O direito de subscrição garante que os atuais acionistas possam comprar essas novas ações por R$ 10.

Para descobrir quanto realmente vale cada ação, é necessário dividir o valor exibido na tela por mil, já que os papéis passaram a ser negociados em lotes. Na última quarta-feira (18), por exemplo, GOLL54 fechou em R$ 230, o que representa um valor efetivo de R$ 0,23 por papel. O valor está abaixo dos R$ 0,79, valor do fechamento do dia 11 de junho, quando ainda estavam listados como GOLL4.

Mesmo assim, o gestor da AZ Quest reforça ainda que a distorção não se limita ao preço da ação em si. Se os papéis continuarem sendo negociados a R$ 0,10 após a emissão, o valor total da companhia saltaria para R$ 260 bilhões — em linha com os cálculos dos analistas do BTG, citado anteriormente.

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“A Gol saiu do Chapter 11, cheia de dívidas. Você realmente acredita que ela vale isso?”, questiona Wang. Mesmo usando uma métrica comum de avaliação, como o múltiplo de EBITDA, o número já chama a atenção por chegar a algo próximo a 50 vezes. “Isso é muito caro, equivalente a 10 vezes o múltiplo razoável dela. O preço está supervalorizado.”

O BTG também chama a atenção para o baixo volume financeiro negociado, o que dificulta a formação de um preço justo para a ação. Diante desse cenário, os analistas recomendam a venda dos papéis e acreditam que, em algum momento, o valor praticado no mercado deve se aproximar mais da realidade financeira da empresa.

B3 e a negociação em lotes

A B3 tentou conter a euforia do mercado ao determinar que as negociações ocorressem em lotes de mil ações. A medida, no entanto, não foi suficiente para frear o entusiasmo dos investidores nem os movimentos especulativos.

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Segundo Welliam Wang, gestor da AZ Quest, a decisão causou mais confusão para o investidor pessoa física. “Tem gente que vendeu a R$ 10, depois viu o papel a R$ 700 e agora a R$ 200. Muitos não entendem o que está por trás disso.”

Vale lembrar que o prazo final para exercer os direitos de subscrição é 11 de julho. Até lá, a janela com essa discrepância de preços permanece aberta para os investidores que querem lucrar com a especulação, mas tende a se fechar em breve.

Wang avalia que a lógica dos preços deve prevalecer com o tempo. “Em algum momento, o investidor vai se perguntar: por que estou pagando R$ 200 se posso comprar por R$ 10? E esse questionamento deve ficar mais evidente conforme nos aproximarmos do prazo final.”