A era do “ganho fácil” no ecossistema DeFi acabou

Protocolos que pagam altos retornos estão sumindo do mapa das finanças descentralizadas

CoinDesk

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*Por Jesus Rodriguez

A área das finanças descentralizadas (DeFi) foi uma das mais afetadas pela desaceleração recente do mercado cripto. Nos últimos meses, os usuários presenciaram diversos eventos que desafiaram toda a proposta de valor do setor, como o colapso do protocolo Anchor e do ecossistema Terra, a insolvência de grandes gestoras de ativos e a constante pressão em projetos como o Staked Ethereum (stETH), token do protocolo Lido.

Sem surpresa, o valor total bloqueado nas plataformas DeFi encolheu 70% desde sua alta histórica, caindo para US$ 74 bilhões, e os rendimentos das aplicações diminuíram significativamente. Esses choques, portanto, mudaram drasticamente a composição do mercado DeFi, sua natureza “alfa” (medida de desempenho que se refere ao excesso de retorno de um investimento em relação a um índice) e seus riscos.

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Neste artigo, fazemos um esboço da evolução da nova estrutura de ganhos e gerenciamento de riscos do mercado de finanças descentralizadas.

Os rendimentos fáceis foram a principal narrativa do rali do DeFi entre 2020 e 2022. Um ambiente superalavancado para stablecoins, bem como programas de incentivo agressivos, permitiram que os traders capturassem rendimentos astronômicos sem a necessidade de uma lógica financeira sofisticada.

A facilidade de geração de lucros também induziu uma falta de atenção aos mecanismos de gerenciamento de risco. No entanto, a natureza do DeFi mudou e o equilíbrio entre retorno e risco também foi alterado drasticamente.

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Equilíbrio entre risco e retorno nos mercados tradicionais

Retornos e riscos são a base central das estratégias de investimento nos mercados de capitais tradicionais. Do ponto de vista do retorno financeiro, a maioria dos mercados podem ser considerados “eficientemente ineficiente” para usar uma adaptação da “Hipótese do Mercado Eficiente”, uma teoria de investimento proposta pelo economista norte-americano Eugene Fama na década de 1970.

Embora existam muitos “alfas” nos mercados tradicionais, são necessárias estratégias sofisticadas para identificá-los e capturá-los. Os mercados tradicionais contam com intermediários e estruturas regulatórias fortes para evitar condições de risco assimétricas. Métricas simples como valor em risco (VaR, em inglês) têm sido amplamente aceitas como forma de quantificar perdas potenciais em um portfólio.

Quantificar o risco com uma métrica estatística tão simples só é possível porque os mercados tradicionais pressupõem a existência de uma infraestrutura robusta o suficiente para evitar riscos sistêmicos maciços. Embora a escassez de altos retornos e o risco gerenciado sejam a norma nos mercados de capitais tradicionais, a imagem no DeFi é bem diferente.

A evolução do retorno e do risco

O DeFi é um ambiente financeiro novo e altamente ineficiente cujos blocos de construção básicos, ou primitivos, se assemelham a produtos do mercado de capitais. Como resultado, há muitas oportunidades para capturar bons rendimentos e diferentes dimensões de risco.

No entanto, na primeira fase do mercado, os retornos eram muito fáceis e os riscos muito altos. A mudança na composição do espaço DeFi começou a alterar essa relação em uma trajetória mais próxima de outros mercados financeiros. De uma perspectiva evolutiva, podemos ver três estágios principais na dinâmica entre risco e retorno no DeFi.

Fase 1: Abundância de altos retornos e gerenciamento de risco complexo

A primeira fase do DeFi foi caracterizada por rendimentos relativamente fáceis de capturar e riscos extremamente obscuros relacionados aos protocolos. A proliferação de programas de incentivo em aplicações, a alavancagem em stablecoins e o aumento da atividade de negociação marcou esse período.

Um ambiente em que as negociações simples de provisão de liquidez em formadores de mercado automatizados (AMM, na sigla em inglês) e negociações de empréstimos alavancados em protocolos de empréstimos poderiam render consistentemente acima de 15%-20% obviamente atraiu muitos traders e especuladores, o que contribuiu para o hype desse ciclo.

Os altos rendimentos do período foram acompanhados por vulnerabilidades massivas e exposição a riscos. A complexidade de muitos protocolos abriu as portas para problemas técnicos e econômicos significativos que são difíceis de mitigar. A maioria dos participantes do DeFi está familiarizada com ataques e grandes explorações em contratos inteligentes.

No entanto, os riscos econômicos – como os gerados por manipulações de baleias (investidores com grande quantidade de criptomoedas) ou perdas impermanentes (que correm como resultado do rebalanceamento de preços de ativos em uma pool de liquidez – custam aos investidores milhões de dólares em prejuízos diariamente.

Os mecanismos de gerenciamento e controle desses riscos são complexos e exigem profundo conhecimento do comportamento técnico e econômico dos protocolos DeFi. Consequentemente, a grande maioria das negociações nessas plataformas são executadas sem rotinas de gerenciamento de risco adequadas, o que muitas vezes se traduz em perdas consideráveis.

Fase 2: Escassez de altos retornos e gerenciamento de risco complexo

A recente mudança no mercado DeFi causou diretamente uma contração nos rendimentos vistos na primeira fase. É difícil encontrar protocolos que produzam retornos de dois dígitos com base em negociações simples de provisão de liquidez. No entanto, ainda existem muitas oportunidades que pagam bons rendimentos – elas geralmente combinam diferentes protocolos. Identificar a maioria delas requer visões mais sofisticadas sobre o funcionamento do mercado e de sua complexa lógica financeira.

Embora a captura de altos retornos em protocolos DeFi tenha se tornado mais complexa, o gerenciamento de risco continua sendo igualmente difícil. A correção no espaço DeFi foi muito rápida para que os processos de gerenciamento de risco se adaptassem. Além disso, o aumento da complexidade das estratégias nesse mercado se traduz em uma gama mais ampla de vulnerabilidades que exigem modelos mais sofisticados.

A escassez de retornos fáceis, juntamente com altos riscos econômicos, provavelmente limitará a adoção de protocolos DeFi por parte de investidores e traders institucionais mais sofisticados.

Fase 3: Escassez de altos retornos e gerenciamento de risco simples

O DeFi não será um ambiente arriscado para sempre. À medida que o mercado evolui, espera-se que os protocolos comecem a incorporar recursos nativos de gerenciamento de risco para otimizar sua adoção. Já estamos vendo ideias incipientes nessa área com protocolos como Bancor, Euler e Maker, que estão incorporando mecanismos para gerenciar nativamente o risco econômico intrínseco.

Podemos imaginar, por exemplo, um AMM de última geração que automaticamente se garante contra perdas temporárias ou um protocolo de empréstimo que se protege melhor contra liquidações. Embora alguns desses modelos de gerenciamento de risco integrados tenham sido desafiados em momentos de estresse no mercado, o valor deles como recurso continua atraente.

Se as aplicações DeFi começarem a gerenciar de forma nativa condições de risco comuns, isso simplificaria diretamente o gerenciamento de risco para investidores, traders e outros participantes do mercado, porque eles teriam que se concentrar apenas em formas mais elaboradas de risco. Essa nova composição de risco-retorno do mercado DeFi se assemelha muito aos mercados de capitais tradicionais, nos quais retornos altos são difíceis de alcançar, mas uma parte significativa do gerenciamento de risco é incorporada à sua infraestrutura.

A era dos rendimentos fáceis em DeFi acabou

Eventos recentes do mercado mudaram drasticamente o equilíbrio entre altos retornos e risco no espaço DeFi. À medida que as finanças descentralizadas evoluem, os ganhos exacerbados alimentados por programas de incentivo passarão de norma para exceção. A assimetria do DeFi ainda oferecerá oportunidades para bons retornos, mas esses virão na forma de estratégias financeiras sofisticadas. Da mesma forma, o gerenciamento de risco provavelmente se tornará mais simples à medida que protocolos DeFi e outros componentes da indústria permitam proteção nativa contra riscos econômicos conhecidos.

A partir dessa perspectiva, a era de rendimentos fáceis em DeFi provavelmente acabou, mas as novas fases desse mercado prometem uma estrutura econômica mais madura, bem como oportunidades igualmente atraentes.

Jesus Rodriguez é CEO do IntoTheBlock, um provedor de análise de blockchain.

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