18 empresas da Bolsa têm valor de mercado inferior ao caixa disponível, mas nem todas estão baratas

Métrica mostra companhias com graves problemas - mas também pode apontar oportunidades em momentos de distorções no mercado

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Com a crise do novo coronavírus levando a quedas abruptas das ações negociadas na Bolsa brasileira, pelo menos 18 empresas de capital aberto já têm caixa superior ao seu valor de mercado. Isso indica, em teoria, que parte das companhias abertas poderiam “se comprar”, ou seja, adquirir todas as suas ações, utilizando apenas o montante que têm disponível.

Um estudo realizado pela Economática e enviado com exclusividade ao InfoMoney mostra as 18 empresas cujos caixas superavam 100% do valor de mercado depois do pregão de 25 de março. A pesquisa eliminou ações com volume médio de negociação diário abaixo de R$ 100 mil e considera o valor disponível em caixa no balanço mais recente (em dezembro de 2019 ou em setembro, para aquelas que não publicaram o balanço do quarto trimestre).

“Hipoteticamente, se alguém pudesse comprar essa empresa integralmente, pagando o que ela vale em valor de mercado (o que na prática é impossível, mas em teoria poderia acontecer), bastaria usar esse valor em caixa”, explica Einar Rivero, gerente de relacionamento institucional da Economática e responsável pelo estudo.

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Justamente por esse fator de “surrealismo”, em geral, ter valor de mercado abaixo do dinheiro em caixa não é positivo, muito pelo contrário. “O normal é você não achar empresas que valem na Bolsa menos do que têm em caixa. Para isso acontecer, ou a companhia tem sérios problemas – e os investidores estão precificando esses problemas – ou o mercado está muito disfuncional, o que acontece em momentos de pânico como o atual”, explica o analista da Rico e apresentador do Stock Pickers Thiago Salomão.

Segundo Einar, que há anos ajuda a alimentar empresas e clientes de mercado com dados de companhias abertas, durante a crise de 2008, vários operadores de mercado utilizavam esse número em seus estudos – uma forma de compreender esses momentos de disfunção e “caçar” oportunidades em meio ao caos. “Chovia pedidos desse estudo”, explica.

Na tabela abaixo, percebe-se que a maioria das empresas que valem na Bolsa menos que seu caixa já perdeu praticamente metade do valor de mercado no acumulado de 2020. Algumas delas, lembra Salomão, têm muito caixa disponível por terem realizado ofertas de ações ou vendido ativos no final de 2019 – um momento oportuno para o mercado. É o caso de Minerva, Marfrig e Sulamérica. “Essas empresas não levantaram capital para superar os efeitos do coronavírus: elas tinham outros motivos. Mas poderão usar para isso agora, e vai ser uma grande vantagem”.

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Para evitar leituras distorcidas, acrescentamos também o EV (enterprise value, que considera valor de mercado, ativos e passivos), uma métrica considerada mais segura para definir quanto vale uma companhia). Também foi incluída a dívida bruta da empresa – essencial para saber quanto desse caixa disponível já está comprometido – e a dívida líquida, que já subtrai o caixa da bruta. Neste último indicador, números negativos significam “sobra” em caixa.

“Nesse momento de crise, várias empresas não terão receita para arcar com as dívidas e terão de tirar do que têm em caixa”, lembra Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante Ideias de Investimentos. “Dívida líquida é um dos principais fatores que levamos em consideração ao analisar uma ação e quase todas as empresas dessa lista têm um motivo para estar em queda”, complementa.

Empresas com caixa acima de 80% do valor de mercado com volume médio diário superior a R$ 100mil/dia em 2020
Empresa Valor Merc 25/03 R$ (milhares) Valor Merc 31/12/19 R$ (milhares) Divida Bruta R$ (milhares) Divida líquida R$ (milhares) Enterprise Value R$ (milhares) 25/03 Caixa R$ (milhares) Caixa Vs. Val Merc (x) Caixa vs EV (X) Retorno em 2020 até  25/03 %
PDG Realty 25.005 59.608 1.675.627 1.543.582 1.522.447 132.045 5,28 0,09 -58,05
General Shopping 79.346 189.034 1.313.901 965.305 1.044.651 348.596 4,39 0,33 -58,03
JSL 2.864.923 5.533.476 14.632.079 8.291.059 12.165.006 6.341.020 2,21 0,52 -47,89
GP Invest 402.961 718.795 0 -705.191 1.079.226 705.191 1,75 0,65 -43,94
Time For Fun 123.806 420.538 156.062 -53.588 69.375 209.650 1,69 3,02 -70,56
Mangels Indl 27.644 48.058 656.052 613.819 641.463 42.233 1,53 0,07 -42,48
Coteminas 158.732 324.365 1.535.173 1.294.987 2.263.791 240.186 1,51 0,11 -55,31
Marfrig 5.811.270 6.981.936 22.240.113 13.830.000 20.799.046 8.410.113 1,45 0,40 -16,77
Metalfrio 283.366 250.512 976.101 589.139 945.699 386.962 1,37 0,41 13,11
BR Brokers 64.028 209.869 112.706 33.546 102.909 79.160 1,24 0,77 -69,49
Haga S/A 29.076 37.882 38.494 3.015 32.091 35.479 1,22 1,11 -26,78
Le Lis Blanc 291.928 1.170.467 1.747.604 1.403.961 1.695.889 343.643 1,18 0,20 -75,06
Dommo 153.923 791.218 0 -175.355 -21.432 175.355 1,14 -8,18 -80,55
Minerva 3.950.192 5.141.734 10.477.726 6.008.039 9.958.231 4.469.687 1,13 0,45 -36,21
Randon 1.784.648 4.325.074 2.866.659 880.515 3.148.581 1.986.144 1,11 0,63 -59,85
SulAmerica 15.581.319 24.797.324 1.750.352 -15.219.757 363.441 16.970.109 1,09 46,69 -39,57
Positivo 440.100 882.525 712.124 251.410 699.378 460.714 1,05 0,66 -69,28
Oi 3.163.831 5.176.720 17.905.288 14.748.164 18.075.745 3.157.124 1,00 0,17 -39,53

E quais estão baratas?

Betina Roxo, analista de ações da XP, diz que os números disponíveis no estudo não são suficientes para uma leitura fundamentalista da ação. “Tem que entender os fundamentos da empresa no longo prazo: se ela vai continuar gerando caixa no curto prazo e se ela tem dívidas no curto prazo que vão consumir esse caixa”.

Dentre as companhias que aparecem neste levantamento, Betina destaca como provável oportunidade o frigorífico Marfrig, considerando que o setor de alimentos é um dos essenciais – que não perdem importância em meio à pandemia de coronavírus -, a normalização em curso da demanda na China, muito importante para a empresa, e um EV/Ebitda (ou seja, comparação entre valor de mercado e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) atraente.

Marfrig também é um destaque de Guimarães, da Levante. Nessa lista de quase 20 ativos, ele vê apenas quatro como companhias sólidas a ponto de serem prováveis oportunidades de investimento: Minerva, Sulamérica, JSL e a própria Marfrig. “Randon também é um nome interessante, que anunciou recentemente uma aquisição grande [a Nakata Automotiva, por R$ 457 milhões, menos de um terço do caixa disponível]”.

Micos ocultos?

Mesmo empresas que apresentam, na pesquisa, caixa suficiente para arcar com as dívidas podem estar com resultados mascarados pelas circunstâncias. A Time For Fun (T4F), por exemplo, apresentava caixa superior à dívida no último balanço, mas já cancelou ou adiou boa parte dos eventos deste ano e possivelmente terá de devolver parte do dinheiro de ingressos adquiridos. “Não é uma empresa muito endividada, mas vai ficar sem faturamento”, lembra Guimarães.

Salomão também recomenda cuidado com alguns setores, como construção civil e turismo, mesmo que a companhia seja historicamente sólida. “Claro que Gol chama atenção nesse estudo, mas será que uma aérea consegue sobreviver a, eventualmente, seis meses dessa crise? O mesmo para uma construtora. Não se sabe”, avalia.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney