Você já parou para pensar como os analistas fazem recomendações de compra ou de venda de ações? Afinal, quais são os critérios para determinar se um ativo é ou não interessante para a carteira?

É justamente esse o papel do valuation na análise fundamentalista de ações. Essa metodologia considera diferentes aspectos para determinar o preço justo de um ativo, e é utilizada tanto por investidores que estão à procura de boas oportunidades no mercado quanto por gestores de uma empresa para a avaliação do negócio ou de projetos específicos.

Existem diferentes maneiras de se fazer o valuation de uma empresa. De forma geral, essa análise costuma ser complexa e bastante dinâmica, pois envolve o estudo de indicadores financeiros, projeções de resultados e cenários econômicos. 

Neste conteúdo, mostraremos como funciona essa ferramenta, qual a sua importância e de que forma ela é utilizada por profissionais do mercado financeiro. Se você investe em ações ou costuma acompanhar o mercado de capitais, continue a leitura e saiba mais sobre o tema.

O que é valuation?

Valuation – ou “avaliação” em português – é um conjunto de técnicas que permitem estimar o valor justo de um ativo. É por meio dessa ferramenta que analistas de mercado estimam o valor de investimentos como ações e cotas de fundos.

A metodologia, amplamente utilizada por especialistas em todo o mundo, foi notabilizada por Aswath Damodaran, acadêmico e investidor conhecido como o “papa do valuation”. O indiano ficou famoso por conseguir analisar alguns dos ativos mais difíceis de se avaliar, como as ações da Apple, que ele adquiriu na década de 1990 quando custavam menos de um dólar, e vendeu boa parte em 2012, quando os títulos eram cotados a aproximadamente 100 dólares.

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A grande contribuição de Damodaran para o valuation foi utilizar critérios além do value investing (busca por ações descontadas) e dos tradicionais indicadores financeiros, que contemplavam apenas aspectos quantitativos. Segundo ele, para que se possa identificar as melhores oportunidades, é preciso tentar enxergar além daquilo que o mercado enxerga. É por isso que o valuation faz uso de diferentes técnicas para chegar ao valor de um ativo, conforme veremos mais adiante.

Qual a importância do valuation?

Sempre que é necessário estimar o valor de um ativo, o valuation se mostra uma ferramenta eficaz. 

Para quem quer investir em ações, não basta somente olhar para os resultados e solidez da empresa. Além disso, é preciso também levar em consideração o momento da compra, pois se o título estiver caro, o investimento pode não dar o retorno desejado, ou mesmo não valer a pena. E isso o valuation ajuda a identificar.

Mas não estamos falando somente sobre avaliar ações ou outros investimentos, mas também sobre questões importantes e que não estão, necessariamente, ligadas ao mercado financeiro.

Por exemplo, imagine que um dos donos de uma empresa deseje se retirar do quadro societário. Para que possa ser paga a parte que lhe cabe, será preciso chegar a um consenso sobre quanto vale a organização, e isso é feito a partir da análise de demonstrações contábeis, fluxos de caixa, estimativas de receitas e despesas, e assim por diante.

Outra situação na qual é comum a avaliação de ativos é em questões de litígio no planejamento sucessório. Em casos assim, quando há divergências sobre valores de herança, fazer um valuation do patrimônio pode ajudar a definir a parte justa que cabe a cada herdeiro ou beneficiário, evitando processos de partilha mais longos.

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Perceba que, seja qual for o contexto, o objetivo do valuation é estimar de forma mais assertiva possível o valor de um ativo. Lembrando que, nem sempre, isso acontecerá, pois há muitas variáveis que não conseguimos prever e que atuam diretamente nessa avaliação. 

Tipos de valuation

Existem diferentes métodos para se fazer o valuation de um ativo ou projeto. Como nosso foco neste conteúdo é a avaliação de empresas para investir, abordaremos os três principais tipos utilizados para esse fim: fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado e valor patrimonial. Acompanhe.

Fluxo de caixa descontado

Essa metodologia é bastante conhecida pela sigla em inglês DCF (discounted cash flow) e é uma das utilizadas para o valuation de empresas e de projetos em geral.

O DCF é baseado nas projeções de resultados futuros de uma empresa associado aos riscos do investimento. Na prática, o modelo faz uma estimativa do quanto a organização vale hoje considerando o que ela vai gerar de recursos no futuro. Desse valor, é descontada uma taxa, que pode ser o CDI, a Selic, ou outra calculada a partir de premissas como indicadores financeiros e risco do negócio, por exemplo.

Muitos analistas consideram o DCF a maneira mais completa para chegar ao valuation de uma empresa. Nesse sentido, sua vantagem em relação às outras formas que veremos na sequência é permitir a avaliação do caixa da empresa no longo prazo. Além disso, ela pode ser ajustada de acordo com cada cenário de mercado.

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Normalmente, o intervalo de tempo utilizado para essa estimativa é entre cinco e dez anos. Acima desse prazo, segundo especialistas, as projeções tendem a ficar pouco precisas.

Múltiplos de mercado

Já o valuation por múltiplos de mercado se baseia na comparação de indicadores fundamentalistas entre empresas do mesmo setor. Esse tipo de valuation também é chamado de avaliação relativa, pois o valor atribuído à empresa analisada dependerá do valor das empresas com as quais está sendo comparada.

Alguns dos múltiplos de mercados mais utilizados por essa metodologia são os seguintes:

EV/EBITDA

EV é a sigla para “valor da empresa” (enterprise value) e representa o somatório do valor de mercado de uma empresa e da sua dívida líquida (caixa – endividamento). Ou seja, é o quanto um investidor deveria desembolsar hoje para adquirir o negócio.

Para encontrar o valor de mercado de uma empresa, é preciso multiplicar o preço de sua ação pela quantidade de títulos que ela possui em determinado período.

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Assim, temos a seguinte fórmula para o EV:

EV = valor de mercado + (dívida total – disponibilidades de caixa)

Já o EBITDA representa o quanto a empresa consegue gerar de potencial de caixa considerando somente a sua própria atividade. Por isso, o indicador é um importante termômetro para avaliar como anda a operação e o negócio em si.

Preço/Lucro (P/L)

O indicador P/L relaciona o preço atual da ação com o lucro acumulado do título em determinado período. Na prática, ele mostra o quanto os investidores estão dispostos a pagar pelo lucro da empresa.

Por si só, o fato de uma empresa ter lucro não quer dizer que, necessariamente, as suas ações irão se valorizar, pois pode ser que o preço já esteja caro, sem espaço para subir mais.

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Porém, ao calcularmos o P/L, conseguimos ter uma ideia mais clara sobre a demanda que a ação tem junto aos investidores. Isso tanto pode representar um preço muito “esticado” quanto boas expectativas quanto às perspectivas para o ativo.

Preço/Valor Patrimonial por Ação (P/VPA)

Já o P/VPA representa a relação entre o preço da ação e o valor do patrimônio líquido (PL) da empresa (ativo total – passivo total).

Ao dividirmos o valor do patrimônio líquido da empresa pela sua quantidade de ações, chegamos ao valor patrimonial por ação. Simplificadamente, o mercado costuma interpretar o indicador da seguinte forma:

  • VPA inferior a 1: a empresa vale menos do que o PL, logo a ação está “barata”;
  • VPA superior a 1: a empresa vale mais do que o seu PL, logo a ação está “cara”;
  • VPA igual a 1: a empresa vale exatamente o seu PL, logo temos nesse caso o “equilíbrio”, teoricamente.

Dividend Yield (DY)

Amplamente utilizado por quem investe com foco em renda passiva, o dividend yield mostra o retorno que uma ação proporciona com o pagamento de dividendos.

Expressa em percentual, a fórmula do dividend yield é a seguinte:

DY = (dividendos pagos no período / preço da ação) x 100

Valor patrimonial

No valuation pelo valor patrimonial (ou valor contábil), a empresa é avaliada com base no seu patrimônio. 

Essa metodologia somente será eficaz se a contabilidade da empresa for fidedigna e estiver atualizada, pois ela depende totalmente das demonstrações contábeis.

Outro ponto a observar é que, nesse tipo de valuation, o ativo intangível não é considerado, como marcas, patentes ou franquias, por exemplo.

Logo, para que a análise seja mais fidedigna, é importante complementá-la com alguma das formas que vimos anteriormente.

Como calcular o valuation de uma empresa?

Na avaliação de uma empresa, é preciso considerar aspectos quantitativos e qualitativos, como explica Lucas Rietjens, analista da Guide Investimentos.

“Na parte qualitativa, avaliamos se a empresa está inserida em um bom setor, se possui um boa operação e se o negócio tem potencial de crescimento”, observa.

Já o método de avaliação a ser utilizado dependerá de cada empresa e do grau de profundidade da análise que o investidor deseja. Como exemplo, Rietjens cita as peculiaridades de setores mais cíclicos, como varejo e construção civil, e mais estáveis, como bancos.

“No varejo e na construção civil, o lucro das empresas pode variar bastante, inclusive dentro de um mesmo ano. Logo, se dermos mais foco em indicadores como P/L, corremos o risco de errar muito na avaliação da empresa se a projeção do lucro estiver errada. Já em setores como bancos, com resultados mais estáveis e pagamentos recorrentes de dividendos, as projeções de lucro e de crescimento de dividendos são boas métricas para avaliação”, explica.

Entre os três tipos de valuations que vimos, o fluxo de caixa descontado (DCF) é o mais utilizado pelos analistas, seguido pelo múltiplos de mercado.

“Pelo DCF, podemos calcular a capacidade que a empresa tem de gerar caixa. Caberá à empresa decidir se esses recursos serão distribuídos como dividendos ou reinvestidos em novos projetos que possam gerar mais valor para o acionista”, sublinha Rietjens.

Seja qual for o modelo de valuation adotado, eles precisam convergir, pois se levarem a resultados muito discrepantes, provavelmente algum deles está errado, como alerta o analista.

Discrepâncias e mudanças no valuation 

Um dos motivos que podem levar a um erro de valuation é a mudança do custo de capital de forma imprevista, conforme explica Rietjens.

“Normalmente, o analista calcula o custo de capital no DCF utilizando a taxa de juros longa do Brasil ou dos EUA. Logo, se algum desses parâmetros mudar de forma significativa, esse custo de capital também vai mudar, e naturalmente irá alterar o valuation”, diz. 

Além da mudança nas taxas de juros, fatos relacionados a um segmento ou a uma empresa em específico também podem alterar o custo de capital. Isso porque, se as condições de risco mudam (para melhor ou para pior), o custo de capital também muda.

“Quando você eleva o custo de capital de uma empresa, isso significa que está disposto a pagar menos pelo seu lucro. Ou seja, a qualidade do lucro piorou por algum motivo”, explica o analista.

Outro aspecto importante a considerar – e que impacta o valuation por múltiplos – é a dinâmica de setores mais cíclicos, como a entrada de novos competidores. Por exemplo, no varejo de baixa renda, não havia Shein até 2020 no mercado brasileiro. Com a chegada de um competidor tão grande como esse, o lucro de varejistas como a Renner passou a ser mais instável.

“Quando você vê a média de 10 anos da Lojas Renner (LREN3), ela está hoje muito perto das mínimas históricas. Isso não indica, necessariamente, que ela está barata, mas sim que ela está inserida em outro cenário. Aí é que entra o papel do analista, para checar até onde é justificável uma empresa negociar muito longe de sua média histórica”, alerta Rietjens.

Revisões do valuation

Como vimos, há diversas variáveis que influenciam a avaliação das empresas e que estão em constante movimento. Elas tanto podem ser macroeconômicas (como taxas de juros, inflação ou outras que afetem o contexto econômico) quanto específicas de cada empresa ou segmento.

Normalmente, os analistas costumam revisar os modelos de valuation a cada três meses, ou sempre que um fato novo é divulgado, de forma que possa mudar o potencial de resultados de uma empresa.

“Teoricamente, a cada trimestre há um fato novo, que são os resultados das empresas. Mas algumas vezes ocorrem novidades entre os trimestres, como um guidance novo ou uma prévia de vendas que a empresa soltou, por exemplo. Essas informações devem ser confrontadas com o valuation da empresa, para ver se faz sentido mantê-lo ou se é preciso fazer alguma alteração”, conclui Rietjens.