Nos últimos tempos, um termo técnico associado a questões judiciais tomou conta dos noticiários: precatórios, que representam o reconhecimento de uma dívida do governo junto a uma pessoa física ou jurídica.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, aprovada no fim de 2021, limitou o pagamento anual dessas dívidas aos termos do teto de gastos. Isso significa que essas despesas não podem ser superiores à inflação do ano anterior, sendo que o excedente a esse valor é lançado para pagamento nos próximos anos.

Porém, isso gerou uma fila de dívidas, e a intenção do atual governo federal é equalizar esses débitos. Segundo o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ideia é resolver o calote, que “feriu a reputação do Brasil, inclusive no exterior”. 

O desfecho saiu em decisão recente no Supremo. Em novembro de 2023, por 9 votos a 1, os ministros autorizaram o governo federal a solicitar a abertura de crédito extraordinário para o pagamento do estoque das dívidas judiciais (precatórios). O valor estimado para pagamento é de R$ 95 bilhões. Os recursos não entrarão no cálculo das atuais metas fiscais.

Além disso, os precatórios também são uma alternativa de investimento, que tende a se tornar mais popular nos próximos tempos, como veremos mais adiante.

Para explicar todos esses pontos, o InfoMoney preparou este conteúdo com as principais informações sobre precatórios que você precisa saber, caso tenha esse direito a receber ou se simplesmente deseja se manter informado sobre o cenário econômico nacional. Continue a leitura e confira a seguir.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O que são precatórios?

Quando alguém ganha uma ação judicial contra um ente público, o Judiciário emite uma requisição de pagamento, chamada de precatório, para que essa pessoa possa receber a indenização devida. Ou seja, precatórios nada mais são do que ordens de pagamentos emitidas pela Justiça depois da condenação definitiva do ente público no sentido de ressarcir o reclamante.

Essas dívidas podem ser da União, estados ou municípios, ou de órgãos governamentais ligados ao poder público, como autarquias ou fundações, por exemplo. No momento em que o processo judicial finaliza e a decisão é conhecida, o presidente do tribunal em que a ação tramitou emite um ofício requisitório, documento que oficializa o precatório.

Cada tribunal possui um modelo próprio de ofício, mas normalmente, além do número do processo, esse documento contém as seguintes informações:

  • nomes do requerente (quem tem direito ao precatório) e do advogado do processo;
  • identificação do requerido (órgão público que deve o precatório);
  • motivo do processo (por exemplo, contestação de aposentadoria ou pensão, discordância sobre indenização por desapropriação, pagamentos indevidos de impostos, entre outros);
  • valores do precatório.

Quem tem direito a receber precatórios?

Como vimos, qualquer pessoa que tenha ganho de causa contra o poder público em uma ação judicial tem o direito de receber um precatório. Porém, o recebimento só ocorre depois do trânsito em julgado da ação, ou seja, quando todas as possibilidades de recurso já tiverem se esgotado.

Qualquer dívida pública gera um precatório?

Não. Quando se ganha uma ação contra um ente público, nem sempre ela será recebida por meio de um precatório. 

Se o devedor for a União ou algum órgão ligado ao governo federal, é preciso que a indenização supere 60 salários-mínimos para ser pago via precatório. Abaixo desse valor, o juiz pede uma requisição de pequeno valor (RPV), que deve ser paga em até 60 dias a contar da data que o tribunal a protocolou.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Já os estados, municípios e Distrito Federal possuem regras próprias para a definição de valores dos precatórios, e elas podem ser alteradas periodicamente.

Leia mais: O que é dívida pública e qual a sua origem?

Tipos de precatórios

De acordo com a sua natureza, os precatórios são classificados em dois tipos: alimentar e não alimentar.

Os de natureza alimentar são prioritários, e decorrem de ações judiciais relativas a pensões, salários, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez. Já os de natureza não alimentar englobam causas não relacionadas ao sustento pessoal, como indenizações tributárias, descumprimento de obrigações contratuais ou reclamações sobre valores recebidos por desapropriações, por exemplo.

É importante conhecer os tipos de precatórios, pois eles também influenciam na forma de pagamento, conforme veremos a seguir.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Ordem de pagamento dos precatórios

A Emenda Constitucional (EC) 114/21 alterou a ordem de pagamentos disposta na Constituição Federal até então, priorizando as RPVs na fila de pagamento.

Quanto aos precatórios, o pagamento é feito considerando uma combinação de fatores, que funciona da seguinte forma:

Ordem de emissão do precatório

O primeiro critério a considerar é a data de emissão do precatório. Nesse sentido, é preciso que a solicitação tenha sido expedida até o dia 2 de abril do ano em curso para que possa entrar na fila do ano seguinte. Precatórios emitidos depois dessa data automaticamente passarão para a relação do próximo ano.

Natureza do precatório e créditos superpreferenciais

Depois do fator data, vem a origem do precatório e a ordem de preferência dos requerentes. Por serem considerados essenciais para o sustento, os natureza alimentar passam na frente dos outros, conforme preferência essa garantida pela Constituição Federal no art. 100, parágrafo 1°:

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

§ 1° – Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2° deste artigo.

Por sua vez, o parágrafo 2° referido acima trata das superpreferências, às quais se refere a EC 114/21 no artigo 107-A, parágrafo 8°, inciso II:

§ 8º Os pagamentos em virtude de sentença judiciária de que trata o art. 100 da Constituição Federal serão realizados na seguinte ordem:
…. II – precatórios de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham no mínimo 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, até o valor equivalente ao triplo do montante fixado em lei como obrigação de pequeno valor.

Ou seja, considerando a ordem cronológica, a fila dos precatórios coloca em primeiro lugar os créditos superpreferenciais (descritos acima), depois os de natureza alimentar e, por fim, os de natureza comum. Mas antes, são pagas as requisições de pequeno valor, independentemente de sua natureza.

Como consultar precatórios?

A consulta de um precatório é feita diretamente no tribunal que recebeu a ação. No caso de ações federais, por exemplo, basta consultar o portal do Tribunal Regional Federal (TRF) competente.

O Brasil conta com seis TRFs, com a seguinte atuação regional:

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1)AC, AM, AP, BA, DF, GO, MA, MT, PA, PI, RO, RR e TO
Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2)ES e RJ
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)MS e SP
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4)PR, SC e RS
Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5)AL, CE, PB, PE, RN e SE
Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) MG

Cada processo possui um número de protocolo e um número de precatório depois de julgado. Para consultar o site do respectivo TRF, será necessário ter os dois números em mãos, e também algum documento para identificação pessoal, como o CPF.

Com isso, pode-se consultar no sistema todas as informações sobre o processo, inclusive a sua posição na fila para pagamento.

Como investir em precatórios?

O recebimento de um precatório é algo certo, pois já existe uma sentença definitiva que condena o ente público a pagar o requerente. No entanto, quem tem precatórios a receber sabe que o pagamento costuma demorar anos (às vezes, mais de uma década) para acontecer. Por isso, muitas pessoas que têm esse direito optam por vendê-lo a um terceiro por um valor menor do que receberia no futuro, e esse título se torna uma espécie de investimento para o comprador.

Esse investimento pode ser feito de duas formas: adquirindo o precatório em si (diretamente ou via token) ou por um fundo de direitos creditórios (FDIC). Veja como funciona cada alternativa.

Tokens de precatórios

No universo dos investimentos, um token é a representação digital de um ativo, seja ele um valor mobiliário, um imóvel, uma obra de arte, recebíveis, e assim por diante. No caso dos precatórios, a “tokenização” desses títulos, ou seja, a sua transformação em uma versão digital, é feita na blockchain – tecnologia que registra as transações de ativos digitais. 

Quanto à classificação, os tokens de precatórios são considerados de renda fixa, pois oferecem uma remuneração prefixada, normalmente entre 1% e 2% ao mês, em média. Algumas exchanges (corretoras de criptoativos) possuem tokens de renda fixa no portfólio, mas nem todas constam na lista de plataformas registradas na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Um dos atrativos desse investimento é a sua acessibilidade, pois eles podem ser negociados em cotas de baixos valores, a critério da plataforma responsável.

Leia também: Tokens de renda fixa surgem como opção para conseguir o sonhado 1% ao mês – mas eles são seguros? – InfoMoney

Fundo de direitos creditórios (FDIC)

Outra forma de investir em precatórios são os FIDCs que possuem esses títulos na carteira. Segundo Roberto Dib, sócio e diretor de produtos estruturados da TAG Investimentos, os fundos de direitos creditórios são mais eficientes em termos de rentabilidade, pois são menos pulverizados do que os tokens. E, a partir da Resolução CVM 175, que instituiu a nova regulamentação dos fundos de investimentos, esse investimento deve se tornar mais acessível.

“Até então, os FDICs de precatórios eram não padronizados, um tipo específico normalmente voltado a investidores profissionais. Com as novas regras, os fundos que carregam somente precatórios federais passarão a ser considerados padronizados e, com isso, deverão alcançar também os investidores qualificados e, na sequência, o público em geral”, avalia o gestor.

Quanto ao retorno, Dib afirma que, para fazer sentido, um FDIC de precatórios precisa oferecer, no mínimo, 20% ao ano. “Na prática, existem retornos muito maiores. Porém não se pode garantir retorno, pois esses recebíveis estão sempre sujeitos a alterações vindas do poder público – vide a PEC dos Precatórios, por exemplo”, alerta.

Por se tratar de uma estrutura bastante complexa, a expertise do gestor é um dos principais diferenciais a ser considerado na hora de escolher um FDIC de precatórios. No caso de estados e municípios, por exemplo, cada ente possui regras próprias para o pagamento desses valores, e uns estão mais adiantados do que outros.

“Quando formamos um fundo de precatórios, avaliamos todo o estoque do estado para entender como foi a fila de pagamento nos últimos anos, quanto foi gasto, como está o plano de direcionamento de receita, entre outros aspectos”, explica Dib. 

Outro ponto importante é considerar o tipo de precatório, se de natureza alimentar ou não, pois isso influencia diretamente na ordem de pagamento, conforme vimos anteriormente.

“Somente depois de toda essa análise é que podemos determinar uma taxa de retorno esperada. Esse estudo detalhado deve ser feito para cada fundo de precatório que for constituído”, diz o gestor.