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Associações e empresas de apostas reagiram com intensidade ao avanço da Cide Bets no Senado e apontam que, na prática, a medida deve fortalecer justamente aquilo que afirma combater: o mercado ilegal e, com ele, o crime organizado. Para o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), a aprovação da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça representa “um erro histórico” que entrega às plataformas clandestinas “a maior vantagem competitiva que o mercado já viu”.
O argumento é direto. Ao taxar em 15 por cento o depósito do apostador, o Estado transforma R$ 100,00 em R$ 85,00 para as empresas que seguem a lei, enquanto no ambiente clandestino o valor segue integral. Trata se de um incentivo claro para que o consumidor migre para quem já opera à margem das regras.
O alerta para essa distorção ganha ainda mais força quando se observa o tamanho do problema. Segundo pesquisa da LCA, 51 por cento das plataformas no país funcionam hoje na ilegalidade, movimentando até R$ 78 bilhões por ano. Mais da metade desse volume circula sem pagar qualquer tributo. No mercado regulado, que representa 49 por cento do setor, a projeção é de recolhimento de R$ 9 bilhões em tributos federais em 2025, além de PIS, COFINS e ISS. A criação de um novo tributo sobre depósitos ameaça reduzir essa arrecadação, ao espremer o espaço das empresas legalizadas e abrir caminho para o avanço das plataformas clandestinas que operam sem fiscalização e, em muitos casos, com financiamento de facções criminosas.
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Os dados oficiais mostram que o setor regulado já cumpre um papel relevante no financiamento de políticas públicas. Informações obtidas via Lei de Acesso à Informação revelam que, entre janeiro e setembro, período em que a regulamentação passou a vigorar, o país registrou mais de R$ 30 bilhões arrecadados com o mercado de apostas. Desse total, R$ 27,7 bilhões vieram do GGR, que representa o faturamento das apostas descontados os prêmios e o Imposto de Renda.
Outros R$ 3,32 bilhões foram recolhidos em impostos. Entre os setores mais beneficiados estão o Esporte, que recebeu R$ 1,2 bilhão, seguido por Turismo, Segurança Pública, Seguridade Social e Educação. Também impressiona a dimensão do público: 25 milhões de apostadores ativos, o equivalente a 12 por cento da população, segundo levantamento do próprio Governo Federal.
Marcos Sabiá, CEO da Galerabet, reforça que o avanço sobre o mercado legal contraria a lógica de proteção ao consumidor e de combate à clandestinidade. “Se por um lado devemos celebrar que o país tem uma fonte de arrecadação relevante com o mercado de apostas, este montante ressalta a relevância do combate ao mercado ilegal que pode até dobrar este valor, somado ao fato de trazer milhões de jogadores para um ambiente seguro e saudável, como é o das empresas regulamentadas”, afirma. Para ele, a Cide Bets empurra o apostador justamente para o lado oposto.
O setor também se irritou com o timing da proposta. A Comissão de Assuntos Econômicos aprovou nesta semana o aumento da alíquota total sobre a renda das empresas de 12 por cento para 18 por cento. Menos de 24 horas depois, o senador Alessandro Vieira apresentou o texto que propõe taxar em 15 por cento as transferências feitas por pessoas físicas.
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Para Bernardo Cavalcanti Freire, consultor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias, trata se de um movimento que ameaça a saúde do setor como um todo. “Não é razoável que, em menos de um dia após essa decisão da Comissão de Assuntos Econômicos, haja a proposta de uma nova taxação. Essas medidas prejudicam o mercado legal, que paga impostos, gera empregos e investe no esporte nacional, e beneficia o mercado ilegal, que traz diversos malefícios para o país”, disse.
Os dados reforçam o alerta. Um estudo do Instituto Locomotiva mostrou que 61 por cento dos apostadores utilizaram neste ano plataformas não licenciadas, com maior impacto sobre brasileiros de menor renda e escolaridade. Bernardo lembra que nenhum país obteve sucesso tributando depósitos dessa forma. Ele cita o exemplo da Colômbia, onde uma taxação semelhante derrubou em 50 por cento o volume de depósitos e empurrou consumidores para operadores clandestinos. Na visão do consultor, “a sugestão da Cide Bets é a mais favorável ao mercado clandestino de apostas que já foi proposta no Congresso. Expõe de forma surpreendente um desconhecimento da realidade do setor”.
Stepan Dobrovolskiy, CEO da BetBoom Latam, seguiu a linha de seus colegas de mercado para lamentar a decisão.
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“Em suma, é um dia triste para o setor no Brasil. Em menos de um ano de operação, os operadores legais já geraram bilhões de reais em impostos e estavam a caminho de gerar muito mais nos próximos anos, considerando tanto o crescimento do mercado quanto o aumento planejado do imposto sobre o GGR. A CIDE será um golpe fatal para o setor e criará exatamente o efeito oposto ao que se pretendia alcançar. As operadoras não têm margens para absorver esse imposto, e os clientes ficarão completamente desmotivados para jogar no mercado legal. A maioria migrará para empresas ilegais, que infelizmente continuam operando no Brasil e provavelmente aumentarão sua participação no mercado para mais de 90%”, analisou.
“Se implementada, essa carga tributária desencadeará uma série de eventos negativos: as operadoras legais serão forçadas a fechar, a arrecadação do imposto sobre o GGR cairá drasticamente, os consumidores ficarão desprotegidos, as equipes esportivas perderão seus contratos de marketing e milhares de pessoas perderão seus empregos. Acreditamos firmemente que os tomadores de decisão avaliarão adequadamente a situação e encerrarão qualquer discussão sobre aumentos adicionais de impostos além do sobre o GGR. Combinado com um foco real no combate ao mercado ilegal, isso dará aos operadores a confiança necessária para investir e crescer no Brasil, contribuindo mais para a economia”, completou.
A Cide Bets será calculada pelo modelo “por dentro”, incidindo sobre o valor total transferido pelo apostador, já incluindo o montante da própria contribuição. O recolhimento ficará a cargo das instituições financeiras no momento da transferência. O autor da proposta afirma que os recursos serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública e que a contribuição pode gerar R$ 30 bilhões por ano. Mas, para o setor, criar mais um imposto no topo de uma estrutura que já arrecada bilhões e sustenta áreas essenciais é um risco calculado ao contrário: em vez de financiar a segurança pública, a medida pode alimentar justamente o mercado que ela pretende combater.