Entrevista: Finanças Comportamentais revelam o inexplicável da volatilidade

Eduardo Camilo lista influências exógenas na tomada de decisões e mostra avanços na área que conecta psicologia e economia

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SÃO PAULO – “O economista pode tentar ignorar a psicologia, mas é completamente impossível para ele ignorar a natureza humana”. A afirmação é de John Maurice Clark, economista norte-americano nascido em 1884 e que viveu o crash da Bolsa de Nova York em 1929, bem como a Grande Depressão decorrente. Oitenta anos após o colapso, investidores vêem suas análises perderem eficiência, no intervalo de tempo entre a euforia especulativa e o pânico corretivo do mercado.

Ao direcionar o olhar para múltiplos, valuations e todo o glossário econômico do mercado, é desafiador pensar o porquê de tanta penalização nos últimos meses. Onde estão as razões de investidores, analistas, governantes? “As flutuações diárias na lucratividade dos investimentos, que são obviamente de caráter efêmero e não significativas, costumam ter uma influência excessiva e absurda no mercado”, disse Jonh Maynard Keynes.

Na sinapse entre pensamento e ação, há de se ter mais fatores envolvidos do que simplesmente números e fundamentos econômicos. Caminhando nesse sentido, de analisar as diversas influências exógenas, Eduardo Camilo da Silva e Cláudio Henrique da Silva Barbedo escreveram o livro “Finanças Comportamentais – Pessoas Inteligentes Também Perdem Dinheiro na Bolsa de Valores”, lançado pela Editora Atlas. Em entrevista exclusiva à InfoMoney, Camilo comentou os principais meandros do ensaio, bem como os ganhos trazidos pela área à comunidade científica no decorrer dos últimos anos.

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InfoMoney – Quais os principais avanços trazidos pelas Finanças Comportamentais?

Eduardo Camilo da Silva – O principal avanço foi a identificação de que todas as idéias e todos os modelos econômicos adotados estavam alicerçados no mesmo princípio: a hipótese de que os investidores são racionais todo o tempo e tomam decisões visando maximizar seus rendimentos. Esta premissa não é verdadeira.

O segundo item foi o delineamento dos vieses de comportamento aos quais todos nós estamos sujeitos quando tomamos decisões, principalmente as decisões financeiras. Há uma tendência inescapável de nos desviarmos do comportamento correto ou tomarmos, muitas vezes sistematicamente, decisões baseadas em premissas que não são absolutamente precisas.

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Por fim, olhando para o lado acadêmico, temos a apresentação das violações da Teoria da Utilidade Esperada decorrente de estruturas simplificadas de pensamento, a percepção de que o dano gerado pela perda é maior do que a sensação de benefício provocada pelo ganho, o que leva a uma nova curva de utilidade, mais compatível com o sentimento das pessoas e a observação da não-linearidade na probabilidade atribuída por cada pessoa a determinados acontecimentos.

O senhor poderia dar um exemplo prático de algum viés cognitivo influenciando a tomada de decisão de investimento?

O problema é que a apresentação de um investimento pode ser estruturada de diferentes formas, ainda que haja apenas uma única solução ótima. Considere que o seu gerente lhe apresente a possibilidade de um investimento de alto risco da seguinte maneira:

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“Muitos prejuízos poderiam ser amenizados se fossem evitados comportamentos já estudados pela área”

De cada 100 investidores, trinta e cinco recuperam o seu capital e auferem uma rentabilidade razoável já no primeiro ano, dez investidores até um ano após a aplicação do capital e cinqüenta e cinco investidores até dois anos após a aplicação do capital.

Ou poderia ser assim: de cada 100 investidores, sessenta e cinco não conseguem recuperar o seu capital com a rentabilidade esperada no primeiro ano, sendo que, após um ano da aplicação do capital, cinqüenta e cinco ainda estão com rentabilidade abaixo do desejado.

A segunda apresentação altera significativamente o prestígio do investimento, apesar de estar passando a mesma informação. Por outro lado, o investidor está preso a algum viés, como o acúmulo de informações inúteis, o viés sentimental, o efeito disposição, o efeito assimetria, etc. Estes vieses, retratados e exemplificados no nosso livro, contribuem para a tomada de decisões não-ótimas.

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Uma das críticas à abordagem é sua difícil modelagem. Se somos perfeitamente racionais, vamos atrás do ponto de ótimo. Já se não somos, como montar um modelo de previsão assumindo que investidores são incapazes de conseguir uma otimização perfeita?

As ferramentas à disposição das Finanças Comportamentais são similares às das Finanças Tradicionais. A idéia de que Finanças Comportamentais utilizam menos matemática ou são de difícil modelagem é fruto de uma visão pouco adequada da disciplina.

A diferença principal deste novo campo financeiro para o campo clássico é que a curva de utilidade do mundo comportamental é mais adequada ao dia-a-dia das pessoas que operam no mercado. Isto significa que esta nova linha teórica pode chegar a uma mesma teoria robusta de maximização de utilidade, com a vantagem de incorporar os vieses verificados na nossa rotina.

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Se seu modelo incorpora esta diferença, você pode tirar vantagem dos modelos tradicionais e explorar os espaços deixados pela visão míope. É o que o fundo de Thaler e Fuller fez nesses últimos anos.

A crise atual e as variações bruscas dos mercados foram mais uma evidência de que, por vezes, somos tomados por pânico ou euforia?

Sim. Em 1974, chegou ao ápice a maior crise financeira desde a de 1929. A partir dessa crise, vieram à tona novas técnicas para administração de risco que vinham sendo estudadas na academia desde os anos 1950 e que poderiam ter evitado muitas perdas, e essas teorias, agora conhecidas em conjunto como Teoria Moderna de Finanças, tornaram-se o padrão seguido por todos os agentes financeiros do mundo.

Existem muitas teorias para as razões por trás da crise atual e talvez ela fosse inevitável, mas muitos prejuízos poderiam ser amenizados se fossem evitados alguns comportamentos já estudados pela nova revolução incubada nas escolas de negócios: as Finanças Comportamentais.

No livro, apontamos diversos comportamentos que, vistos inicialmente como fatos cotidianos no ambiente de bolsa de valores e de outras opções de investimentos, decorrem, por exemplo, da tendência dos investidores de movimentarem seus ativos na mesma direção que os demais investidores produz o denominado “efeito manada”, que pode ser evitado com informação e atenção.

“O mercado é composto por pessoas, os vieses comportamentais são inevitáveis e precisam ser incluídos nos modelos”

Aliado a isso, a aparente despreocupação dos analistas financeiros pose ter causado uma cegueira temporária que os impossibilitou de alertar seus clientes sobre a exposição ao risco daquele momento. Essa cegueira é explicada na área comportamental por vários conceitos, como o excesso de otimismo, segundo o qual os analistas financeiros são bastante precisos nas suas previsões em tempos de alta do mercado, porém, em tempos de baixa, mostram-se acentuadamente otimistas. Além disso, à medida que o mercado cai, os erros de previsão vão aumentando proporcionalmente, o que indica um viés de alta nas previsões desses profissionais.

Outro conceito é a sabedoria ex post, que consiste no fato de o profissional acreditar, depois de um evento já ter acontecido, que ele o previu com antecedência. A teoria comportamental mostra que, quando o profissional financeiro acredita que tinha previsto o resultado da crise anterior, pode ser levado a subestimar os demais resultados que poderiam ter acontecido, ou seja, os cenários alternativos, o que provoca um despreparo para as situações futuras.

Os investidores, por sua vez, foram tomados por vieses comportamentais como o excesso de confiança. Isto decorre da crença de que eles realmente são capazes de entrar e sair da posição financeira no momento certo. Pesquisadores da escola psicométrica, teoria ligada ao conceito de que fatores subjetivos influenciam a opção do indivíduo numa situação de risco, mostram que os eventos nos quais esses mesmos indivíduos acreditam que irão se realizar com certeza só ocorrem em torno de 80% das vezes, enquanto os eventos que eles acreditam impossíveis de acontecer ocorrem em 20% das vezes.

Os investimentos baseados em Finanças Comportamentais, vide o fundo de ações de Robert Thaler, apresentam comprovadamente maiores retornos?

Sim. A empresa a que você se refere é a Fuller & Thaler, que, inclusive, tem Daniel Kahneman [psicólogo, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2002] como consultor externo. Essa empresa busca obter retornos superiores ao mercado explorando oportunidades em que os investidores reagem em excesso a informações negativas ou se mostram pouco sensíveis a informações positivas. Os resultados de todos os fundos da empresa são impressionantes, superando o mercado durante a maior parte da sua existência.

A crítica que pode ser feita aos resultados é que esses fundos operam valores relativamente pequenos em comparação com as grandes instituições e que não haveria oportunidade suficiente para operar volumes muito maiores. Esta crítica é correta, mas também corrobora a eficácia das estratégias comportamentais para o investidor individual.

Em momentos de turbulência como o vigente, tal diferença se amplia ou diminui?

Não fiz uma análise detalhada do desempenho recente dos fundos da Fuller & Thaler, mas numa rápida consulta dá para ver que eles continuam superando o mercado, mesmo na perda.

Aliás, em momentos de turbulência, as oportunidades abertas por reação exagerada à perda e tímida ao ganho são ainda mais constantes e profundas. Tive a oportunidade de ouvir administradores de fundos alegando, na tentativa de justificar seus fracassos, que os conceitos fundamentais não funcionam e outros questionando a eficiência do mercado.

Isso demonstra que, assim como em 1974, eles não entendem o que estão acontecendo e porque parou de funcionar o que eles vinham fazendo há tanto tempo. O que eles precisam é entender que o mercado é composto por pessoas e que os vieses comportamentais são inevitáveis e precisam ser incluídos em seus modelos.