Vacinação no Brasil é comemorada pelos investidores, mas economistas alertam: é preciso olhar para ritmo da imunização

Início da vacinação começou no domingo, mas ainda com doses limitadas: economistas apontam para diferentes cenários para 2021

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O último domingo foi agitado e acompanhado de perto também pelos investidores em Bolsa brasileira, em meio à aprovação do uso emergencial das vacinas CoronaVac, do Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, e a da Fiocruz, produzida em parceria com a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford (Reino Unido) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

De início, 6 milhões de doses da Coronavac foram distribuídas. A primeira a ser vacinada, com a Coronavac, foi a enfermeira de São Paulo Mônica Calazans, de 54 anos, minutos depois da aprovação do uso emergencial pela Anvisa. A ação foi criticada pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que acusou o governo paulista, comandado por João Doria, de fazer marketing com a vacina. Em coletivas quase simultâneas na véspera, Doria e Pazuello protagonizaram uma troca de farpas entre os governos federal e estadual. Também no domingo, Pazuello havia dito que o programa nacional de imunização contra a Covid-19 começaria na quarta-feira (20) mas, nesta segunda, afirmou que os estados podem iniciar a vacinação ainda hoje, com o início da distribuição.

A notícia foi recebida com alívio pelos investidores, com o Ibovespa registrando alta na sessão desta segunda também por conta do anúncio da véspera. Isso porque a vacina é um dos fatores determinantes para o crescimento econômico de 2021 em um cenário de tamanhas incertezas com a aceleração dos casos de coronavírus no país (com preocupação especial ao estado do Amazonas) e no mundo e com o impacto do fim do auxílio emergencial.

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Em relatório na semana passada, o Bank of America destacou que o Ibovespa atingiu máximas históricas acima de 125 mil pontos no começo de janeiro (mais precisamente, dia 8), mas muito dependente do setor de commodities sendo que as ações dos setores que permanecem abaixo dos níveis pré-pandêmicos ainda são os mais sensíveis aos bloqueios: shoppings e varejo tradicional, além de companhias aéreas. Assim, uma força para novas altas dependeria e muito de uma vacina.

Conforme destaca a equipe de análise da Levante Ideias de Investimentos, o principal impacto econômico da Covid -19 é a imposição de medidas de isolamento social. Sem uma vacina, evitar o contato físico é a única maneira de impedir uma contaminação descontrolada. Assim, “ao trancar as pessoas em casa, a pandemia provoca um efeito devastador sobre os negócios. Mesmo a dinâmica economia chinesa sofreu, registrando em 2020 seu menor crescimento em 44 anos [crescimento de 2,3% no ano passado].  Por isso a vacina é tão importante para o retorno das economias à normalidade. O que interessa é que o início do processo de imunização da população permite calcular uma data possível ou provável para um retorno da economia a uma situação de quase normalidade”, avaliam os analistas.

Contudo, aponta o Goldman Sachs, o programa de vacinação teve um início lento e errático. As autoridades deveriam ter recebido 2 milhões de doses prontas da vacina AstraZeneca do Instituto Indiano do Serum na semana passada para iniciar o programa de imunização, mas as autoridades indianas atrasaram a entrega.

Além disso, o plano do instituto biomédico federal da Fiocruz de começar a fabricar internamente a vacina Oxford / AstraZeneca foi comprometido por atrasos na obtenção da documentação exigida pelas autoridades chinesas para o embarque do agente biológico ativo sendo produzido em uma instalação chinesa. Isso pode atrasar o cronograma de produção previsto pelo instituto da Fiocruz, aponta Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman.

Para Ramos, no geral, questões sobre o programa de vacinação e a politização da logística e outros aspectos do programa de imunização aumentam o risco de atrasos na campanha de vacinação. Isso pode gerar ventos contrários à atividade durante o primeiro semestre de 2021, somando-se ao impacto já esperado sobre os gastos das famílias registrados no final de 2020 com o fim dos programas de apoio fiscal do governo federal e com o recente aumento da inflação (principalmente de alimentos, impactando a população mais pobre).

“Na verdade, dado o recente cenário muito desafiador, esperamos que o governo e o Congresso aprove em breve outra rodada de medidas fiscais para mitigar o impacto social, econômico e de saúde pública de uma segunda onda de Covid-19 muito intensa”, aponta o economista. Em entrevista ao InfoMoney, Ramos já havia destacado o cenário bastante incerto para a economia.

O cenário base do banco para o crescimento da economia é de alta de 3,8% a 4% do PIB em 2021, mas já destacando que esse ritmo vai depender de quão intensa e quão longa é essa segunda onda que está se formando e também sobre até que ponto se consegue mais vacinas e acelerar a campanha de vacinação.

Riscos de uma vacinação lenta

Mais conservadora, a gestora de recursos ASA Investments, do grupo Safra, destacou em relatório na última sexta-feira que prevê um avanço do PIB de 2,4% este ano, acreditando que só haverá a imunização de grupos de risco apenas em meados do ano, levando a uma reabertura total da economia apenas no terceiro trimestre. Contudo, faz alerta para riscos advindos de um possível atraso no processo de vacinação, podendo levar a uma recuperação econômica ainda mais gradual.

A visão foi corroborada durante fala de Carlos Kawall, diretor da ASA Investments, em entrevista feita na manhã desta segunda ao programa Coffee & Stocks, do Stock Pickers (veja na íntegra clicando aqui).

De acordo com Kawall, o Brasil fez uma opção errada ao priorizar a produção nacional da vacina e não a sua rápida disponibilização para a população, em contraste com os demais países, desenvolvidos ou emergentes. Isso restringiu a escolha a vacinas de tecnologia mais padrão e a fabricantes estrangeiros que se dispusessem a transferir tecnologia para os institutos Butantan e FioCruz/Manguinhos.

Kawall, economista e também ex-secretário do Tesouro Nacional, apontou que a vacinação lenta do Brasil deve levar a uma revisão baixista para o consenso de mercado para o crescimento econômico nacional, de alta de 3,45% em 2021 segundo a última projeção do Focus, relatório apresentado pelo Banco Central que reúne as projeções dos economistas para os principais indicadores de atividade.

E pontuou: “Não é só um privilégio nosso, há previsões baixistas na Europa, sendo que nos EUA há a contraposição a esse problema de recrudescimento dos casos de coronavírus com a expectativa de alta de estímulos”, destacando o programa anunciado por Joe Biden, presidente eleito dos EUA, de estímulos de US$ 1,9 trilhão.

No cenário básico da gestora, com a vacinação começando neste mês e uma projeção de 700 mil pessoas por dia, a ASA Investments calcula que seriam necessários cinco meses para o Brasil imunizar todos os grupos prioritários, como profissionais da saúde e idosos. Neste caso, haveria chances de medidas de isolamento social começarem a ser relaxadas no terceiro trimestre.

Por outro lado, avaliou que, se o início da vacinação fosse colocado para frente, apenas em meados de março (cenário que não se concretizou), ou se houver atrasos relevantes no ritmo da vacinação, o cenário de crescimento para o terceiro trimestre de 2021 também pode começar a ser comprometido.

“Um simples exercício contrafactual, por exemplo, sugere que a manutenção de um nível de redução de mobilidade tal como o observado agora no Brasil reduz o PIB naquele trimestre entre 1 a 1,5 ponto percentual, na comparação trimestral dessazonalizada”, avalia a equipe de análise. Assim, com o cenário base da gestora de crescimento do PIB de 2,4% em 2021, a previsão poderia cair para um crescimento em torno de 1,5% no ano, com consequente elevação da taxa de desemprego esperado para o ano em torno de 0,3 ponto percentual, com 270 mil empregos gerado a menos.

Além disso, aponta que a incerteza sobre a vacinação está também afetando o quesito incerteza fiscal. Com os casos de Covid mostrando nova aceleração e sem vacinação em massa, “aumenta o risco de alguma aventura fiscal a partir do contexto politizado em torno da eleição para as mesas de Câmara e Senado”. Assim, avalia o relatório, especulações quanto à reedição do decreto de calamidade e defesa da volta do auxílio emergencial novamente impulsionaram o dólar e a estrutura a termo da taxa de juros para cima, apertando as condições financeiras na margem.

“Desta forma, o impacto do atraso da vacina é potencializado e os riscos para recuperação da economia são elevados. Em seus níveis atuais, as condições financeiras estão ainda em terreno estimulativo, mas menos do que ao final do ano passado. Mostram-se compatíveis com uma expansão do PIB de mais próxima a 1,0% este ano, tudo o mais constante, e não os 2,4% que projetamos, já abaixo do consenso”, aponta o ASA Investments no relatório de sexta, ponderando que o exercício feito é limitado e sujeito a muitas incertezas.

Apesar das incertezas, destacam que há uma inter-relação forte entre a disponibilidade da vacina e seus impactos nas condições financeiras, que podem comprometer substancialmente a recuperação econômica, mantendo elevados os níveis de poupança circunstancial e precaucional. “Convém que as autoridades sanitárias e a classe política (governo e Congresso), não desperdicem a chance de restaurar a confiança via agilização da vacinação, de um lado, e manutenção e aprofundamento do ajuste fiscal estrutural, de outro, deixando de flertar com o populismo fiscal”, aponta a equipe econômica da ASA Investments.

Vale destacar que, já no final do ano passado, o Morgan Stanley apontou três cenários para a recuperação econômica: o mais provável, em que projetava alta de 4,3% do PIB, o mais otimista, com alta de 5,5% da atividade, enquanto o pessimista apontava para alta de 2,1% da economia no ano, sendo todos eles bastante dependentes de vacina. No cenário base, as regras fiscais permaneceriam em vigor e haveria ampla disponibilidade de vacinas já no segundo trimestre de 2021 (veja mais clicando aqui).

Corroborando esse cenário da importância da vacinação em ritmo célere, o Itaú Unibanco manteve na semana passada sua projeção de alta do PIB em 4,0% em 2021 e de 2,5% em 2022, mas destacando que eventuais atrasos ou problemas no processo de vacinação representam o principal risco negativo em torno desse cenário. Por outro lado, há ambiente para
crescimento acima do esperado, caso a vacinação ocorra de forma relativamente célere, em um ambiente de juros baixos e crescimento global expressivo.

A avaliação do banco, de qualquer forma, é de que o primeiro trimestre seja de perda de força para a atividade econômica ficará estável em relação ao quarto trimestre de 2020 na série com ajuste sazonal. A atividade econômica deve sofrer significativamente menos que na primeira onda da epidemia de covid-19, uma vez que a indústria segue funcionando, há menos restrições no setor de serviços agora do que no primeiro semestre de 2020, e a atividade do setor já
está em níveis historicamente deprimidos. Já a avaliação é de que, a depender do cenário de vacinação, juros baixos e crescimento global, o cenário do segundo trimestre em diante deve ser positivo.

O Bradesco BBI, que possui estimativa de alta de 2,8% do PIB para a economia do Brasil, destacou em relatório do início do mês ser importante olhar para as diferentes faixas da população a serem vacinadas. De acordo com os economistas, o debate sobre como se dará a vacinação será extremamente ruidoso ao longo do primeiro semestre, mas o programa de imunização deve trazer algum alívio importante na segunda metade do ano.

Com isso, o início da vacinação é importante e bastante positivo, mas os próximos passos serão acompanhados de perto pelos investidores para tentar entender como se dará o ritmo de recuperação da economia brasileira.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.