Sobram vacinas, mas faltam braços nos Estados Unidos

Explicações para queda na vacinação vão de teorias conspiratórias malucas à resistência histórica de certas comunidades em relação a programas de vacinação

Sérgio Teixeira Jr.

Raimond Spekking

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NOVA YORK – Na última quinta-feira (10), no monólogo de abertura de seu programa diário de entrevistas, o apresentador Jimmy Kimmel falou sobre a doação de 500 milhões de doses de vacina anunciada por Joe Biden.

“Uma autoridade afirmou que as doações serão destinadas a lugares que mais precisam de vacinas hoje em dia, como Haiti, Indonésia, Alabama, etc.”

“Tenho uma ideia: as pessoas que receberem uma das nossas doses em outro país deveria saber de quem elas vêm. ‘Essa Johnson & Johnson deveria ser aplicada numa professora aposentada da Flórida, mas ela leu no Facebook que [a vacina] é feita de esperma do demônio’.”

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Quem acompanha os dados da vacinação nos Estados Unidos está rindo – mas de nervoso. Ao mesmo tempo em que anuncia um gesto ousado de “diplomacia da vacina”, o país que garantiu a maior quantidade de imunizantes enfrenta muitas dificuldades para avançar na vacinação dos próprios americanos.

Depois de um começo claudicante, com problemas de distribuição e a necessidade de criar sistemas para organizar a campanha, hoje sobram vacinas nos Estados Unidos.

Há pelo menos um mês e meio elas estão disponíveis no país inteiro, sem custo, sem agendamento e sem necessidade de comprovação de residência no país: basta aparecer num posto de vacinação, clínica ou farmácia.

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Mas essa abundância não se reflete nos números. Até o dia 10 de junho, somente 51% da população que pode ser vacinada (12 anos ou mais) já recebeu as duas doses. Pelo menos uma dose já foi aplicada em 62% dos americanos.

São números de fazer inveja no mundo inteiro (inclusive entre outros países ricos), mas é pouco provável que se alcance a meta de Biden: 70% dos adultos imunizados até 4 de julho.

O desenho que se vê no gráfico da imunização é uma montanha. O pico aconteceu em meados de abril, quando se aplicavam mais de 3,3 milhões de doses por dia.

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Depois, veio uma queda dramática. Na última quinta, foram pouco mais de 1,1 milhão de vacinas aplicadas. As projeções indicam que, mantido o ritmo atual, o país atingirá 70% de imunização por vacinas somente em meados de outubro.

As explicações vão de teorias conspiratórias malucas à resistência histórica de certas comunidades em relação a programas de vacinação.

Uma pesquisa do Instituto Gallup, divulgada em 7 de junho, indica que 76% dos adultos americanos pretendem tomar a vacina. É um dado animador, já que, em setembro do ano passado, apenas metade respondeu à pergunta de maneira afirmativa.

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Mas a imensa maioria dos que resistem à imunização afirma que não pretende mudar de ideia.

O vírus à espreita

Mesmo descontando características particulares do país, a perda do ímpeto das campanhas de imunização no país é observada com atenção – dentro e fora do país.

Em alguns estados do Sul, as porcentagens de vacinação estão muito abaixo da média nacional. No Alabama, mencionado pelo apresentador Jimmy Kimmel, só 29,8% da população completou as duas doses (ou tomou a dose única da Johnson & Johnson). No vizinho Mississippi, a porcentagem é ainda mais baixa: 28,1%.

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Existe uma sobreposição clara entre o voto na eleição de novembro passado e o interesse pelas vacinas. Nos 22 estados mais adiantados na imunização, o democrata Biden foi o vencedor. Entre os 18 mais atrasados, 17 escolheram Donald Trump.

Apesar de reivindicar a autoria da operação que acelerou o
desenvolvimento de vacinas, Trump foi imunizado em segredo na Casa Branca e não participou da campanha com os ex-presidentes Barack Obama e George Bush para promover a vacinação.

Assim como aconteceu com o uso de máscaras, a confiança nas vacinas parece ter tomado contornos políticos no país. Além de desafiar a racionalidade, esse comportamento traz consigo o perigo de novos repiques da Covid-19.

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Com a chegada do verão, muita gente busca abrigo em ambientes com fechados, por causa do ar-condicionado – esse foi um dos motivos apontados para o aumento de infecções em meados de 2020.

“A grande quantidade de pessoas não-vacinadas em alguns estados pode muito bem levar a novos surtos”, disse Ashish Jha, reitor da escola de saúde pública da Universidade Brown. “Estamos muito preocupados com isso.”

Outro motivo de apreensão diz respeito às máscaras. Há um mês, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) anunciou que as pessoas que totalmente imunizadas (com duas doses, dependendo da vacina) podem deixar de cobrir o rosto até mesmo em lugares fechados.

Tratou-se de uma mera recomendação. As regras são ditadas pelos estados ou pelos próprios estabelecimentos, como supermercados.

O Walmart, maior rede de supermercados do país, anunciou dias depois que os clientes 100% imunizados não precisariam mais usar máscaras.

O problema é que não há maneira simples de estabelecer quem completou a imunização. Isso representa um risco para os consumidores e funcionários que estiverem desprotegidos e, potencialmente, uma prolongação da epidemia.

Data de expiração

As dúvidas em relação à segurança das vacinas também estão causando desperdício – em um momento em que a pandemia segue fora de controle em diversas partes do mundo.

A FDA, agência americana que regula alimentos e drogas, estendeu em um mês e meio o prazo de validade do imunizante da Johnson & Johnson.

A medida foi tomada às vésperas da expiração de milhões de doses. O prazo para uso, que era de três meses, agora é de quatro meses e meio, pelo menos.

Parte da hesitação dos americanos em relação à vacina (a única que oferece imunidade com uma única dose) tem relação com a suspensão temporária das aplicações que aconteceu em abril.

E problemas em uma fábrica terceirizada que produziria o imunizante no país levaram a FDA a descartar cerca de 60 milhões de doses por causa de riscos de contaminação. (As vacinas aplicadas no país foram importadas da Holanda.)

Loterias e maconha

Alguns estados estão criando campanhas de incentivo criativas para tentar convencer a população a se vacinar.

Uma das de maior sucesso foi a loteria lançada pelo governo de Ohio, Mike DeWine. Ele anunciou cinco sorteios de US$ 1 milhão cada, a serem distribuídos ao longo de cinco semanas para moradores do estado já imunizados.

A iniciativa aumentou em 33% a procura por vacinas, afirmou DeWine. Nova York, Califórnia e Maryland copiaram a ideia.

Em Washington, no noroeste do país, quem se vacinar até 12 de julho leva, além da imunização e da participação na loteria, um cigarro de maconha.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York