Powell sugere que aperto no crédito pode substituir alta de juros, dizem analistas

Mesmo com extensão ainda desconhecida da crise bancária, consequente queda na atividade pode reduzir necessidade de as taxas subirem

Roberto de Lira

Jerome Powell, presidente do Fed (Foto: Samuel Corum/Getty Images)

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Embora a extensão da crise no setor bancário dos Estados Unidos ainda seja incerta, os efeitos disso no setor de crédito podem acelerar o desaquecimento da atividade a ponto de modificar a própria política monetária do Federal Reserve (Fed) nos meses à frente. Essa foi a leitura de alguns analistas após o pronunciamento do presidente da do Banco Central americano, Jerome Powell, logo após o anúncio da decisão de elevar novamente as taxas de juros em 25 pontos-base.

“Os acontecimentos no sistema bancário nas últimas duas semanas provavelmente resultarão em condições de crédito mais restritivas para famílias e empresas, o que, por sua vez, afetaria os resultados econômicos”, reconheceu Powell, que alertou ainda ser muito cedo para determinar a extensão desses efeitos e, portanto, muito cedo para dizer como a política monetária deverá responder.

Para Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, é importante saber o tamanho do “tranco” na economia que essa restrição ao crédito pode trazer porque “quanto mais o crédito apertar, menos eles precisam subir os juros”.

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“Ele (o Fed) não sabe o tamanho desse tranco, então faz sentido sinalizar mais uma alta de juros e a partir daí observar. No fundo é isso que eles vão monitorar. Se for um tranco muito forte, o ciclo talvez acabe na próxima (reunião). Parece ser o cenário básico deles”, comenta.

Caruso também alerta que, em nenhum momento, estão sendo sancionados pelo Fed os cortes de juros que a curva já embute. Para o mercado, lembra, quando se olha para o segundo semestre do ano, já existe uma projeção de 1 ponto de corte de juros.

“Os ‘dots’ mostram que o ano vai terminar no pico dos juros, de 5,15%. Para 2024 e 2025 os ‘dots’ também estão bem acima do que a curva está precificando. É uma curva de juros que está embutindo uma crise maior”, afirma.

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Diogo Saraiva, economista e sócio da Blueline, também acredita que todo esse estresse bancário vai acabar pesando sobre a atividade, reduzindo a necessidade de uma alta maior dos juros do que era imaginado com os últimos dados do mercado de trabalho e inflação. “Essa equivalência nas condições de crédito compensa uma alta maior dos juros”, afirma, ao analisar o discurso de Powell.

Francisco Nobre, economista da XP, observa ainda que, na coletiva de imprensa, Powell tentou aliviar as preocupações em relação ao sistema bancário dos EUA, mostrando-se confiante de que as ações do Fed estabilizaram a crise bancária.

“Ele destacou que o evento do SVB foi específico e que o sistema bancário continua resiliente e bem capitalizado. Além disso, Powell reforçou que o Fed vai rever o processo de supervisão e regulação e implementar novas políticas para garantir que o mesmo não aconteça com mais bancos”, destaca.

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Segundo Nobre, essa parte da comunicação foi importante para amenizar, ou ao menos não agravar, as preocupações do mercado, “embora acreditemos que os riscos ainda estão presentes”.

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o Fomc seguiu com seu plano de voo normal ao elevar os juros em 25 bps, mantendo a expectativa de mais uma alta, e sem previsão de cortes esse ano. Mas durante a entrevista, Powell foi ainda mais “dovish”, ao considerando que há grande incerteza no cenário.

“Inclusive uma pausa no ciclo de alta foi considerada e que um e eventual aperto de crédito pode substituir uma alta de juros. Os próximos passos vão depender da evolução do cenário. O ciclo de alta pode ter chegado ao fim caso a crise bancária seja refletida em condições financeiras mais apertadas e a atividade tenha uma desaceleração mais rápida que o esperado”, afirma.

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Segundo a economista, as projeções foram atualizadas com pouca mudança, com destaque para uma expectativa de menor crescimento, mas com inflação mais persistente, o que seria compatível com a manutenção esperada pelo Fomc da taxa em 5% até o final do ano.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, destacou que havia muita incerteza sobre como o Fed trataria o assunto da quebra dos bancos nos EUA.

“No fim, a decisão veio relativamente em linha com o que esperávamos. O Fed seguiu subindo os juros, mas amenizou o tom, reconhecendo que a falência dos bancos pode desacelerar a demanda da economia, apesar de garantir a resiliência do sistema bancário. Ainda assim, a preocupação primária ficou com a inflação, que ainda fica distante da meta do BC americano”, apontou.

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Segundo o economista, outro sinal de que o Fed diminuiu um pouco o tom foi na publicação de suas projeções. A mediana para o Fed Funds de 2023 se manteve estável com relação à publicação de dezembro, mesmo com Powell, nas falas anteriores, vislumbrando a possibilidade de piora. Para os próximos passos, o Fed mudou o guidance para algum endurecimento a mais, indicando que se aproxima do final de ciclo, percepção que havia sumido nas semanas que antecederam o evento com o SVB.