Por que o impasse do teto da dívida nos EUA preocupa o mundo?

Falta de acordo entre governo dos EUA e Congresso poderia antecipar uma recessão, com fortes consequências para a economia global

Roberto de Lira

(Robert Alexander/Getty Images)

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Os deputados da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos voltam do feriado do Memorial Day nesta terça-feira (30) com a missão de discutir e votar o acordo provisório para aumentar o teto da dívida dos EUA até 2025, confirmado neste final de semana tanto pelo presidente Joe Biden como pelo porta-voz da maioria republicana na Casa, o deputado Kevin McCarthy. Se vencer as resistências das alas mais radicais dos Partidos Democrata e Republicano, o texto vai para o Senado.

A possibilidade de uma solução bipartidária para o impasse que quase levou à inédita situação de a nação mais rica do mundo ficar sem recursos para financiar sua dívida – e a passar a fazer escolhas sobre no que gastar durante algumas semanas ou até meses – trouxe um viés de alívio para os mercados globais. Mas por que um risco, ainda que reduzido, de default norte-americano tira o sono do resto mundo?

Adriano Cantreva, socio da Portofino Multi Family Office, diz que tudo se justifica pelo próprio tamanho da economia dos EUA e pela interdependência entre os mercados. “Os EUA são o vagão-chefe da economia mundial. Se tivesse essa catástrofe de não passar o acordo, teria forte implicação em taxas de juros. E no dólar, que voltou a se fortalecer, mas agora deve dar uma enfraquecida”, listou.

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Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro Capital, por sua vez, destaca que o grande impacto global seria o de aversão ao risco, com tendência de afetar fortemente países emergentes, como o Brasil. Ele lembra do impasse semelhante, em 2011, quando um acordo só foi aprovado pelo Congresso dos EUA a dois dias da data limite para a Tesouro ficar sem recursos.

Segundo um estudo recente do Goldman Sachs, o possível default na década passada teve impacto importante nos mercados. O índice S&P 500, por exemplo, caiu 16,7% entre dias 22 de julho de 10 agosto, o auge das negociações sobre o teto da dívida entre governo e Congresso. “Houve uma aversão ao risco globalmente, as commodities caíram e a moeda brasileira perdeu valor”, diz Barbosa. Ele destaca que o real se desvalorizou 3,7%, quanto os preços do petróleo recuaram 16,6% e o cobre perdeu 11,1%.

Cantreva diz não ver um risco de depreciação cambial à frente, uma vez que a relação dólar x real é balizada pela diferencial da taxa de juros. Assim enquanto a taxa do Brasil seguir nos atuais níveis, o dólar tende a seguir mais comportado. Claro que um inesperado atraso nas negociações na Câmara e no Senado pode contribuir para alguma volatilidade. “Mas nenhum político vai querer isso”, afirma.

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Barbosa, por sua vez chama a atenção para a reação diferenciada que os mercados têm quando há uma crise de dívida nos EUA e em países com economia menos consolidada. “Se um país como o Brasil ou outro emergente arrisca dar um default, as pessoas têm desconfiança sobre a trajetória da dívida. O impacto é que gera uma abertura na curva de juros, porque as pessoas não ficariam atraídas pelo bônus desses países”, explica.

Mas em 2011, relembra o economista da Kínitro, quando isso ocorreu nos EUA, as taxas de juros fecharam. “O mercado respondeu mais ao riscos de crescimento econômico do que em relação a um default em si”, afirma. É desse temor sobre queda na atividade, explica Barbosa, que viria o impacto na curva de juros dos EUA.

E isso num momento no qual os últimos dados dos EUA têm vindo bem fortes, embora o mercado esteja debatendo riscos de recessão. “Um choque desses (de default) poderia levar a uma queda do PIB e aumentar esse risco de recessão ao longo dos próximos meses. É a maior economia do mundo, com US$ 25 trilhões”, ressalta.

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Recessão telegrafada

Mesmo com essa ameaça pairando, Cantreva, da Portofino, brinca que essa recessão americana, é a “mais telegrafada da história”, assim como a inflação de 2022 também tinha sido. “Obviamente, deve vir, mas com esse nível de atividade, não no curto prazo”, afirma. Ele lembra que vários economistas têm puxado suas previsões para o pouso da economia dos EUA para a frente. “Agora é o quarto trimestre. Dificilmente uma economia aquecida e com baixo desemprego cai de uma hora para outra. Minha hipótese é de talvez uma desaceleração”, diz.

Barbosa e Cantreva concordam que o estresse com o impasse sobre a elevação do teto da dívida não trouxe efeitos ao mercado de renda variável, que tem sofrido influência de outros fatores, como inflação, taxa de juros, risco de queda de atividade, a força das ações de tecnologia e mesmo de um temporada de balanços melhor que o esperado.

“Os outros ativos estão mostrando uma dinâmica separada do debate do teto porque há outras questões que estão dominando o mercado”, afirma Barbosa. “Tem outros fatores. Muito a ver com o ciclo econômico americano. Quando três bancos tiveram problemas, a expectativa era que o crédito ia cair fortemente, mas o pior cenário não se configurou”, lembra Cantreva.

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A discussão sobre o teto teve mais efeito em outros mercados. Barbosa cita os Money Market Funds (MMF), fundos mútuos de investimento do mercado monetário dos EUA. “A taxa de juros curta está operando bem acima dos Fed Funds, perto de 7%”, diz.

Atualmente, há uma distorção na curva. Como muitos fundos no Money Market não podem de ter “duration” longa na carteira, os títulos estão com taxas altas em vencimentos mais próximos à data-limite do Tesouro (5 de junho) e com taxas mais baixas nas datas ao redor desse prazo.

O mercado de Credit Default Swaps (CDS) também está pressionado, ainda que o risco esteja baixo com o avanço das negociações.