Para analistas, piora nas projeções de juros e inflação completou “recado duro” do Fed

Gráfico de pontos, divulgado trimestralmente, trouxe estimativas piores dos integrantes do banco central americano para 2023

Roberto de Lira

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Com o Federal Reserve (Fed) tendo entregue exatamente o esperado na reunião desta quarta-feira (14) – uma desaceleração da alta de juros para 50 pontos-base, após quatro altas de 75bps – e com o presidente do Banco Central americano, Jerome Powell, reforçando o discurso de que o ciclo será mantido “até que o trabalho esteja feito”, coube ao gráfico de pontos (“dot plot”, em inglês) cumprir a missão de endurecer o recado dos integrantes da autoridade monetária.

O gráfico é publicado a cada três meses e mostra as opiniões dos diferentes membros do colegiado sobre as perspectivas para a trajetória das taxas de juro, PIB, desemprego e inflação do país. E desta vez, veio num tom até mais pessimista do que os discursos que os integrantes do Fed têm feito nas últimas semanas.

A projeção da taxa básica de juros para 2023 passou de 4,6%, estimada em setembro, para 5,1%. Para 2024, saiu de 3,9% para 4,1%. As projeções de crescimento econômico para 2022 aumentaram (de 0,2% para 0,5%) e diminuíram para 2023 (de 1,2% para 0,5%).

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Enquanto isso, a mediana da taxa de desemprego prevista para este ano caiu de 3,8% para 3,7%, e, para 2023, aumentou de 4,4% para 4,6%.

Por fim, a projeção de inflação do núcleo do PCE para 2022 aumentou de 4,5% para 4,8% , para 2023, de 3,1% para 3,5%.

“Essas revisões duras não são consistentes com os últimos dados de inflação e acreditamos que o Fed acabará não cumprindo as projeções dos pontos”, afirma Francisco Nobre, economista da XP.

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“O que assustou o mercado e ninguém esperava é que os membros disseram acreditar que a taxa deve ficar acima de 5,125% no ano que vem quando o esperado era 4,9%”, comenta Fabio Fares, especialista em análise macro da Quantzed.

“Em setembro, nenhum dos 19 membros do Fed esperava que as taxas atingissem 5% no próximo ano. Agora são 17”, compara Beto Saadia, economista e sócio da BRA BS.

Apesar de reconhecer que as projeções de 2023 refletiram a necessidade dos membros do Fomc de parecerem mais “hawkish”, Nobre, da XP, listou as inconsistência das estimativas. Para ele, como a taxa básica de juros aumentou 425 bps desde o início do ciclo de aperto, movendo-se para níveis suficientemente altos para conter a demanda agregada e dado que o efeito defasado da política monetária sobre a economia agregada ainda não se evidenciou, aumentos adicionais podem elevar o risco de aperto excessivo. “Ao mesmo tempo em que forneceriam pouco ou nenhum alívio adicional à inflação”.

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Por último, diz Nobre, as duas últimas impressões do CPI, em outubro e novembro, ficaram bem abaixo das expectativas, sugerindo que o processo desinflacionário começou a ganhar terreno. “Estamos prevendo que a impressão do núcleo do CPI de dezembro chegará muito perto de 0% na comparação mensal, reforçando esse cenário. Acreditamos que a combinação dos fatores acima mencionados fará o truque para forçar uma pausa do Fed em 4,5%”, prevê

Para ele, o Fed manterá as taxas no nível atual e encontrará espaço para começar a cortar no quarto trimestre de 2023, devido ao progresso do processo desinflacionário e à economia dos EUA tendo entrado em uma leve recessão naquele momento. “Esperamos que o Fomc reduza as taxas em cerca de 75-100bps no final de 2023”, estima.

Para Fares, da Quantzed, agora o mercado deve projetar uma taxa terminal entre 5% e 5,5%. Ele analisou também o discurso que Powell proferiu após a decisão e disse ter sentido o chairman do Fed um pouco nervoso a cada pergunta feita. “Foi duro, porém sinalizou que o comitê possui vontade de diminuir ritmo de alta de juros cada vez mais. Disse que não há pressa em subir rapidamente os juros, o que é positivo”, afirma.

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O analista também lembrou que Powell citou que o mercado de trabalho nos EUA continua muito aquecido e que a inflação de produtos diminuiu porque a cadeia de produção voltou ao normal. Mas alertou que o grande problema é a inflação de serviços, que continua pressionada com o risco de subir mais por conta do mercado de trabalho extremamente aquecido.

“Então, ele afirmou a necessidade de continuar apertando as condições monetárias até a gente ter o balizamento de tudo trazendo a inflação para a meta”, avalia.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, também observa que os materiais de projeção da autoridade monetária em conjunto com a fala de Powell trouxeram um tom mais “hawkish” para o Banco Central.

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“O Fed reduziu suas projeções de crescimento para o ano que vem na mesma medida que reajustou para cima suas expectativas de taxa de juros ao final de 2023. A taxa ficou ligeiramente acima dos 5%, mostrando que ainda teremos elevações dos juros no ano que vem”, diz.

“Além disso, na distribuição de frequência, os famosos dots, havia mais peso para taxas terminais ainda mais altas. Na fala, em sequência, o presidente do Fed garantiu que o foco ainda é o controle da inflação em um ambiente em que as pressões altistas ainda existem, especialmente no aquecido mercado de trabalho nos EUA.”

Saadia, da BRA B, acredita que há chances de que a inflação americana possa cair sem um aumento substancial na taxa de desemprego. “Mas se o Fed continuar sinalizando que isso não é possível, então a desaceleração da inflação, sem aumento do desemprego, não é um motivo para prevermos que a taxa de juros vai parar de subir ou cair tão cedo”, alerta

Para Carlos Vaz, CEO e fundador da Conti Capital, apesar desse afrouxamento na decisão de hoje, a resiliência do mercado de trabalho americano pode levar o Fed a manter o ciclo de aperto monetário acima do previsto, pelo menos até meados de 2023, podendo seguir até 2024.

“Acho que os EUA poderão vivenciar um período de desaceleração econômica, porém com um menor indicativo de risco de recessão, como o mercado especula. Caso aconteça, será uma fase atravessada sem grandes prejuízos, justamente em razão da força do mercado de trabalho americano e desenvolvimento econômico conquistado até aqui”, pondera.

Tasso Lago, gestor de fundos privados em criptomoedas e fundador da Financial Move, com a estabilização dos juros, 2023 e 2024 serão levemente mais positivos para os mercados. “Acredito que uma nova onda de alta, uma nova recuperação e novos topos históricos possam vir em 2025 e 2026, apenas. Os próximos anos serão para evitar uma possível recessão econômica, que seria pior”, comenta

Rafael Marques, CEO da Philos Invest, o Fed reforçou que o trabalho duro que precisa ser feito, e que ainda não mostrou resultado (na inflação), principalmente na área de serviços. “O aumento das projeções serve principalmente para acompanhar a piora das expectativas para a inflação. O núcleo do deflator do gasto de consumo pessoal, o PCE, que é um índice que exclui alimentos, passou de 4.50 para 4.80”, destaca.