Menor geração de vagas nos EUA traz alívio, mas analistas alertam para nova alta nos salários

Mercado de trabalho americano continua aquecido e economistas dizem que Fed deve elevar os juros em 0,25 p.p. na próxima reunião

Roberto de Lira

Bandeira dos EUA (Foto: Shutterstock)
Bandeira dos EUA (Foto: Shutterstock)

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O dado do Payroll de junho divulgado nesta sexta-feira (7) pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos foi considerado misto pelos economistas em termos de leituras positivas e negativas quando ao impacto inflacionário do mercado de trabalho. Por um lado, foi visto com alívio o fato de as 209 mil novas vagas anunciadas terem ficado abaixo das projeções pela primeira vez em mais de um ano. Do outro, há preocupação com a persistência da taxa de desemprego praticamente no mesmo patamar e pelo fato de o salário médio ainda em estar em trajetória de alta.

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, destacou sem sua análise que a média de criação de vagas nos primeiros seis meses de 2023 ficou em 273.000, sofrendo uma redução significativa ante o desempenho de 2022, quando foram criados 379.000 novos empregos por mês no mesmo período.

Mas ele não acredita que que essa surpresa positiva seja uma condição suficiente para alterar os rumos atuais da política monetária dos EUA.

“Apesar de representar, de fato, um arrefecimento expressivo frente à variação do mês anterior, algo que certamente será levado em consideração pelos membros do Fomc no momento de tomada de decisão de política monetária na próxima reunião, o relatório trouxe aspectos ainda muito negativos caso o objetivo seja iniciar uma discussão sobre queda de juros no país”, ponderou Pizzani

Entre esses aspectos, ele citou a taxa de desemprego, que se manteve estável em 3,6%. Para o economista, isso sinaliza que as empresas, mesmo reduzindo o volume de novas contratações, estão cada vez mais concentradas em mão-de-obra especializada. A explicação é que a recomposição recente da força de trabalho foi construída a duras penas e as empresas temem perder isso.

O outro fato listado foi o crescimento, na margem, no nível de renda dos trabalhadores formais, que alcançou 4,4% em 12 meses. “A manutenção da trajetória de alta do indicador implica que o desaquecimento demandado pelo FED em termos de mercado de trabalho ainda não está perto de ser alcançado, uma vez que o comportamento atual dos ganhos segue sugerindo manutenção das pressões inflacionárias, especialmente sobre o setor de serviços”, comentou.

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Já Lucas Serra, da Toro Investimentos, viu no dado de hoje um viés positivo do ponto de vista da desaceleração do mercado de trabalho local. Ele ponderou que o emprego continua muito forte, comprovado própria taxa de desemprego, que permanece próxima da taxa chamada friccional da economia, aquela considerada natural enquanto durante o período que as pessoas estão buscando uma vaga.

Serra também não viu motivos para o Federal Reserve mudar sua política a partir dos dados do Payroll. A previsão da Toro é que aconteça uma alta de 25 pontos-base nos juros na reunião de junho e de outro aumento no mesmo nível em setembro.

Mas Ariane Benedito tem uma opinião diferente sobre a condução do Fed na próxima reunião. “A expectativa agora é que o Fed suavize a sua comunicação sobre a condução de política monetária, com maior probabilidade de tornar remota as suas altas de 0,25 ponto percentual para as próximas reuniões”, afirmou.

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Ela lembrou que os dados de desemprego vieram em linha com as projeções e, marginalmente, abaixo do dado imediatamente anterior. E que os dados de renda e ganho médio, surpreenderam as expectativas, mas apresentaram arrefecimento frente ao mês de maio, o que ajuda na melhora do qualitativo da inflação, uma vez que esses dados refletem melhor impacto no consumo.

Payroll traz alívio após o ADP

André Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, disse que o mercado recebeu os dados do Payroll com alívio, após a má recepção do relatório ADP de ontem, que mostrou a forte criação de 497 mil empregos, ante um consenso de 228 mil vagas.

“Com os dados de ontem, a probabilidade de o Fed elevar mais duas vezes os juros por lá aumentou, mas com os dados de hoje as ‘apostas’ ficam divididas entre uma alta ou duas. Quem ontem reajustou a posição na moeda americana para 2 altas de juros no ano, deve reduzir essa posição. E isso traz alívio para o mercado, com bolsas subindo e dólar perdendo força”, justificou.

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Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, no entanto, alertou que o número de 209 mil vagas abertas ainda é alto, apesar de ter sido o menor desde 2021, e que ele continua acima da média de 2019, período pré-pandemia, quando estava em 164 mil.

“A pesquisa também mostrou que os ganhos por hora trabalhada continuam elevados, em 4,4% nos doze meses até junho, mantendo a aceleração do mês anterior, e mostrando que a pressão de salários sobre a inflação segue alta. A taxa de desemprego recuou de 3,7% para 3,6% no mesmo período e continua baixa, próxima ao mínimo da série nos últimos 40 anos”, destacou Claudia.

Ela lembrou de outro dado divulgado ontem, a pesquisa Jolts, que também mostrou sinais de um mercado de trabalho aquecido, com o número de vagas por desempregado permanecendo elevado, em 1,6.

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Para ele, essa desaceleração lenta do mercado de trabalho deve manter a inflação persistente. “Nossa expectativa continua sendo que o Fed eleve a taxa de juros nas próximas reuniões, chegando a um intervalo de 5,5% a 5,75% ao ano até o fim de 2023. Mantemos nossa visão que os juros permanecerão elevados por um longo tempo. Não prevemos cortes nos juros até meados de 2024”, afirmou.

Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, disse ter visto uma tendência um pouco mais clara de rebalanceamento do mercado de trabalho para patamares mais sustentáveis, tanto pelo dado de junho quanto pela revisões para baixo dos meses anteriores. “Chama a atenção a métrica do setor privado, cuja surpresa negativa foi ainda maior, e teve a menor leitura no mundo pós pandemia, de 150 mil”, destacou.

Ele também comentou que os salários seguem aquecidos, o que mostra que a missão do Fed não está cumprida. “Não é um relatório que o desvia do curso de subir os juros em julho”, definiu.

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Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, foi outro analista a observar as duas leituras no mês. Para ele, a visão de curto prazo é que realmente o mercado enfraqueceu, criando menos vagas que o esperado, com a taxa de desemprego caindo na margem.

Mas na leitura de médio e longo prazo, os salários continuaram subindo e surpreenderam para cima. “Era esperado que caísse de 4,4% para 4,2% ou 4,1%, mas se manteve, e o ganho médio mensal ficou em 0,4%. Isso segue mostrando que a gente ainda vai ter uma pressão em negociações alta”, previu

Cruz destacou que a poupança acumulada durante a pandemia cresceu e que isso tem dado mais poder de barganha para o trabalhador. Não é exclusivo dos EUA. Na Europa e no Japão isso está sendo verificado. É uma pressão desafiadora. Se os salários continuarem subindo nesse nível, a gente vai ver um Fed com muita dificuldade em garantir que parou de subir os juros”, previu.

Salários e renda

Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos, citou, além da surpresa para cima dos salários, o dado que apontou para a massa de renda do trabalho crescendo 0,78% no mês, o que é forte e deve seguir dando suporte ao consumo.

Para ele, no geral, o Payroll tira o risco de emprego acelerando novamente, o que os dados recentes relacionados ao emprego pareciam indicar, como o ADP, Jolts e emprego do ISM. “O dado segue indicando uma economia resiliente e condiz com o Fed subir na reunião de julho, mas sem se comprometer com a próxima alta”, comentou.

Eduardo Moutinho, analista de mercado da Ebury, também considerou o relatório de emprego dos EUA como misto entre os aspectos positivos da geração de vagas menor que a esperada e os salário ainda em alta.

“Ainda não estamos vendo evidências da temida espiral de salários-inflação, embora o crescimento teimosamente elevado dos lucros possa ser uma preocupação para os membros do Fed e uma justificativa clara para adiar os cortes nas taxas de juros para 2024”, comentou.

Para Moutinho, no entanto, os dados de hoje não são capazes de mudar muito o posicionamento do Fed para a próxima reunião. “Ainda parece provável que haja um aumento de 25 pontos-base em julho, mas apertos adicionais após essa data serão determinados pelos próximos dados de inflação”, afirmo.

Andressa Durão, economista da ASA Investments, disse acreditar que o resultado de junho e as revisões mostram ritmo mais fraco de crescimento do emprego, diminuindo as chances de uma segunda alta pelo Fed.

“A revisão altista do dado de salário é relevante e pode incomodar, mas a tendência ainda é de desaceleração. O Fed deve entregar alta de julho e deixar bem em aberto próximas decisões, gerando ainda mais dúvidas sobre a decisão seguinte, principalmente se tivermos um dado fraco do CPI na semana que vem”, explicou.

Já Diogo Saraiva, sócio e economista da Blueline, disse que os números recentes de atividade, inflação e mercado de trabalho refletem uma economia aquecida, o que demanda mais trabalho do Fed. “Esperamos mais duas altas até fim do ano.”