Maior evento político da China começa nesta sexta – e dará sinais importantes sobre futuro do gigante asiático

País buscará mostrar liderança na atuação contra o coronavírus, em reação às acusações que demorou a agir; questões de longo prazo também estão no radar

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Tradicionalmente, a meta de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é o assunto a ser acompanhado mais de perto pelos investidores durante o Congresso Nacional do Povo, que terá início na sexta-feira (22) na China e durará até a próxima semana, sendo o evento político mais importante do país.

Contudo, com a realização do evento com dois meses de atraso por conta da pandemia de coronavírus e com sinais reforçados de que a atividade da segunda maior economia do mundo registrará um crescimento bem abaixo dos anos anteriores, outros assuntos também serão observados de perto pelos investidores.

As questões de saúde pública podem ficar no centro das atenções, em um cenário em que o Partido Comunista Chinês deve voltar seus esforços a responder às acusações cada vez mais recorrentes de que a China acobertou a gravidade da crise. Além disso, o país buscará passar um sinal de liderança e de competência no combate ao coronavírus.

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A realização do Congresso, por si só, já passa a ideia de que a China teria conseguido controlar o coronavírus em seu território. Mas, claro, com as devidas precauções, uma vez que um possível novo surto poderia ser desastroso a partir dessa reunião seria bastante negativo para a imagem do país.

Os quase 3 mil deputados do maior Legislativo do mundo participarão da reuniões, mas grande parte delas será realizada por videoconferência, enquanto o número de delegados foi reduzido. Enquanto isso, mesmo sem ter mortes por coronavírus em mais de um mês, a China segue em alerta máximo, preocupada com uma possível segunda onda de infecções, levando as autoridades a manterem restrições em diversas localidades do país.

“Será interessante ver o que sairá dessas reuniões em termos de política externa, política para Hong Kong e Taiwan e política econômica para amenizar os golpes na atividade por conta da pandemia de coronavírus”, afirma a equipe de análise do Julius Baer.

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Os analistas apontam que será de particular interesse acompanhar se a China atribuirá uma meta de crescimento numérico do PIB para o ano atual, como tem sido tradição no Congresso Nacional do Povo desde 1995. “Isso tem relevância para o mundo inteiro, uma vez que no ano passado a China foi responsável por cerca de um terço do crescimento global, mais do que o dobro dos Estados Unidos”, apontam.

Para cumprir a meta de duplicar o PIB entre 2010 e 2020, seria necessária uma taxa de crescimento de 5,6% para este ano, o que parece inatingível em meio ao coronavírus e à queda de 6,8% no primeiro trimestre. No entanto, nenhuma província alterou suas altas metas ainda, ao mesmo tempo em que o governo central também não deu nenhum sinal.

O Global Times, porta-voz do governo, publicou ontem uma pesquisa com ex-funcionários, estatísticos e economistas que pode dar pistas sobre o que esperar: onze disseram que não esperavam meta de crescimento numérico para 2020, enquanto sete entrevistados ainda esperavam uma.

Ainda assim, o estímulo quase certamente será elevado. As vias possíveis para isso incluem elevar a taxa de déficit fiscal como proporção do PIB de 3,0% para 3,5% (ou superior), emitir títulos ‘especiais’ do governo central e local para financiar projetos de infraestrutura, entre outros. “Tudo isso corroboraria o que agora já é entendido, de que a desalavancagem não faz mais parte do programa econômico”, afirma o Julius Baer.

Na avaliação do Itaú BBA, o Congresso fixará meta de crescimento para 2020 entre 2 e 3% o que, segundo a equipe econômica do banco, também deve reduzir a incerteza sobre o tamanho do estímulo governamental.

Inovação tecnológica: um ponto para se atentar

De maior significado geopolítico e de longo prazo, ainda haverá orientações sobre inovação tecnológica, afirma a Julius Baer. Algumas indicações sobre o tema foram dadas recentemente.

Professor Lu Feng, vice-reitor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim e diretor do seu Centro de Pesquisa Econômica da China, publicou uma coluna promovendo seu novo livro. No artigo, ele destaca que objetivo original da China de desenvolver tecnologia indígena – instituída em 2006 – foi prejudicado pela crise financeira global e pela pressão dos Estados Unidos. Hoje, ele argumenta, a China deve confiar em si mesma para desenvolver tecnologia para inovar sua economia, em vez de introduzir mais tecnologia estrangeira.

Já na segunda-feira, foi lançada uma diretriz de reforma que enfatiza fortemente o desenvolvimento de planos para criar um novo sistema nacional de tecnologias indígenas.

“Se o desenvolvimento da tecnologia indígena também for resultado do Congresso Nacional do Povo, será verificado que o mundo está realmente se separando em dois blocos distintos, um americano e um chinês. Isso também significa que quase todas as empresas de tecnologia fora desses dois países terão que, em algum momento, escolher a qual bloco pertencem”, avalia o banco suíço.

Nesse sentido, a equipe do banco destaca que vale a pena observar, a esse respeito, que a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company – provavelmente o melhor fabricante de semicondutores do mundo – há dois dias interrompeu novos pedidos da Huawei Technology, seguindo as restrições dos EUA. A empresa também anunciou planos para construir uma fábrica de chips avançada de US$ 12 bilhões no Arizona – apesar dos custos operacionais mais altos e da enorme separação geográfica do restante da cadeia de suprimentos de eletrônicos, que fica na Ásia. “Aqui não existem apenas implicações tecnológicas, mas também geopolíticas, pois a China vê Taiwan como uma província rebelde”, aponta.

Futuro das relações entre EUA e China

O que deve ser do futuro das relações entre EUA e China também ganha força em meio ao atual cenário de elevação das tensões entre os dois países.

Nos primeiros meses da pandemia, quando o vírus circulava só na China, o cenário configurava uma das piores crises enfrentada pelo líder chinês Xi Jinping. Contudo, as notícias de sucesso na contenção da crise melhoraram a percepção sobre o modelo de governança do país.

E, em meio às acusações de Trump sobre a demora na reação à doença, Xi prometeu compartilhar uma eventual vacina e alocar US$ 2 bilhões para a luta global contra a covid-19 durante Assembleia Mundial da Saúde. “A China trabalhará com os membros do G20 para implementar a iniciativa de alívio da dívida para os países mais pobres”, explicou.

Xi ainda assegurou que seu país “sempre” mostrou “transparência” e “responsabilidade” diante da pandemia, compartilhando informações com a OMS e outros países em tempo hábil. Pequim também denunciou o que seria uma “politização” da questão, enfatizando regularmente que o “paciente zero” da Covid-19 não foi encontrado e que “não é necessariamente” chinês.

A China também afirmou que cinco vacinas experimentais já começaram a ser testadas em seres humanos e que qualquer eventual vacina desenvolvida no país se tornará um “bem público global”.

Desta forma, o gigante asiático tem respondido às acusações com uma espécie de “diplomacia sanitária” em escala global, mas enfrenta desconfiança sobre a sua atuação no início da crise. Enquanto isso, os EUA não lideram uma resposta mundial à crise, apontando a culpa para a OMS e para os chineses.

Com isso, as declarações de Xi Jinping durante o Congresso Nacional do Povo podem dar novas indicações sobre quais as estratégias do país no exterior, enquanto também enfrenta desafios internos. Ele tem sido pressionando a restaurar a agenda pré-pandêmica, incluindo sua promessa de erradicar a pobreza extrema até este ano, enquanto há alertas contra a complacência que pode permitir a propagação de uma segunda onda de infecções. Desta forma, como ele reagirá tanto em relação a questões externas quanto internas será um ponto a ser observado de perto pelos mercados.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.