Joe Biden presidente: suas principais propostas e os possíveis impactos para a economia global e o Brasil

Uma de suas pautas centrais é elevar a tributação para as empresas

Rodrigo Tolotti

Joe Biden (Foto: Drew Angerer/Getty Images)

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SÃO PAULO – O democrata Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos e, apesar das tensões sobre recontagem e processos de Donald Trump, as atenções agora se voltam para as propostas e os impactos que o novo líder americano terá na economia global.

Com uma postura bastante diferente do republicano, Biden é considerado um liberal de centro e visto como um conciliador, que busca conversar e usar as instituições oficiais para fazer anúncios e informar decisões oficiais do governo (e não as redes sociais).

Mesmo com propostas como aumento de impostos, ele não é mal visto pelo mercado. Uma de suas principais pautas é elevar a taxação para empresas, de 21% para 28%, revertendo uma medida de Trump, que cortou as taxas no início de seu governo. Ainda assim, o percentual seria inferior aos 35% praticados no governo de Barack Obama.

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Além disso, Biden defende uma taxa mínima sobre lucros estrangeiros de 21%, acima dos atuais 10,5%, e também pretende oferecer um incentivo fiscal de até 10% para certos investimentos na produção nacional.

Com a maior arrecadação, Biden tem planos de adotar um programa de gastos públicos na tentativa de recuperar a economia americana da atual crise provocada pela pandemia do coronavírus. Vale lembrar que o pacote de estímulos debatido no Congresso nas últimas semanas foi uma iniciativa democrata.

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Iniciativas em saúde e meio ambiente também estão entre as prioridades. O candidato tem um plano de investimentos verdes de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para o incentivo à produção de energias renováveis. Biden ainda quer retomar o programa de saúde pública, conhecido como Obamacare, com um custo que ainda não foi divulgado.

Para a consultoria Capital Economics, a proposta de “opção pública” de tratamento feita por Biden provavelmente terá um impacto modesto sobre o consumo de cuidados médicos e inflação. Mesmo assim, a consultoria alerta para um risco de isso ser um “trampolim para um programa mais radical”, no estilo “cuidados de saúde para todos”, sob um futuro presidente democrata.

Neste sentido, porém, as atenções se voltam para a eleição no Congresso, que segue aberta. Caso os republicanos consigam manter a maioria no Senado, a expectativa é de que as pautas um pouco mais radicais sejam brecadas, amenizando a tensão do mercado financeiro sobre novas medidas. P

Já os analistas do BB Investimentos citam ainda a postura mais conciliadora do democrata nas relações exteriores, em especial com a China. Ele também é crítico do gigante asiático, assim como Trump, mas defende usar meios oficiais e um debate maior para trabalhar com os chineses.

“A retomada de acordos multilaterais também poderia beneficiar o setor de tecnologia chinês, a Europa e ativos de mercados emergentes com economias mais abertas, como México e Coréia do Sul. Por outro lado, os incentivos à economia de energia limpa e renovável e o fim dos subsídios para combustíveis fósseis poderiam prejudicar o desempenho de empresas ligadas a cadeia de petróleo”, avaliam os analistas.

Principais propostas de Joe Biden

Setor Propostas
Economia – Aumento de impostos para empresas, de 21% para 28%.
– Taxa mínima sobre lucros estrangeiros de 21%, acima dos atuais 10,5%.
– Incentivo fiscal de até 10% para certos investimentos na produção nacional.
Saúde – Retomada do programa de saúde pública conhecido como Obamacare (custo não divulgado).
Relações exteriores – Restauração da associação dos EUA com a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan).
– Retirada da “grande maioria” dos soldados americanos no Afeganistão e foco no combate à Al-Qaeda e Estado Islâmico.
– Retomada do acordo nuclear com o Irã se “o Teerã voltar a cumprir o pacto”, além de uma campanha de desnuclearização da Coreia do Norte.
Imigração – Fim da construção do muro na fronteira com o México.
– Reversão das políticas de Trump que separaram famílias de imigrantes.
– Criação de propostas no Congresso buscando uma reforma migratória e facilitação de vistos de trabalho em setores com escassez de mão de obra local.
Meio Ambiente – Investimento de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para o incentivo a energias renováveis.
– Retorno do país ao Acordo de Paris.

E como fica o Brasil?

No caso da relação com o Brasil, muitos investidores se preocupam com o fato de o democrata ter uma linha ideológica bem diferente do presidente Jair Bolsonaro, o que pode prejudicar a relação entre os dois países. Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, porém, o impacto não deve ser tão grande.

Por Biden ser considerado centrista, o risco de propostas mais duras é visto como baixo. Durante evento recente realizado pela gestora BlackRock, Roberta Jacobson, ex-embaixadora dos Estados Unidos no México (2016-2018), avaliou que, com uma vitória do democrata, a relação entre EUA e Brasil não deve ser prejudicada, uma vez que Biden tende a se relacionar bem com diferentes líderes e costuma “se colocar no lugar do outro”.

“Uma das maiores habilidades dele é a comunicação interpessoal. Mas isso não significa um passe livre, ou seja, que ele vá ignorar questões como meio ambiente e direitos trabalhistas. Ele vai ser duro quando precisar”, disse ela.

Sobre estas questões que devem pesar mais, Sol Azcune, analista política da XP Investimentos, destaca que Biden citou o Brasil no primeiro debate contra Trump, citando os problemas de desmatamento na Amazônia.

Durante o debate, Biden propôs que países se reúnam para fornecer US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia e disse que o Brasil enfrentará “consequências econômicas significativas”, caso o país não pare a destruição da floresta.

“Dado que o Brasil já está enfrentando uma pressão nesta questão ambiental, em especial da Europa, provavelmente devemos ver uma ampliação dessa pressão com Biden se unindo nessa pauta contra o Brasil”, avalia Sol.

Apesar desta questão ambiental e alguns outros pontos específicos que possam gerar maiores discussões entre os dois governos, a relação diplomática e os acordos já realizados devem se manter.

Michael López Stewart, diretor da Arko Advice, consultoria especializada em política, destaca que existem “dois níveis da diplomacia”. “Temos a diplomacia em nível de narrativa, aquela de Twitter, da amizade pessoal, e temos a diplomacia técnica, que funciona dentro do Itamaraty com talvez um dos grupos mais preparados de diplomatas do mundo que o Brasil dispõe hoje”, afirmou ele em live no InfoMoney.

Segundo Stewart, o impacto de uma vitória de Biden seria no nível da macronarrativa, com mudança na aliança pessoal dos governantes, enquanto a cooperação técnica entre as duas nações, por ser mais profunda, deve se manter. “Nas reais relações entre os dois países, a mudança não seria tão brusca assim”.

Já Sol destaca ainda que, mesmo durante o governo Trump, o Brasil não conseguiu tantos benefícios como aliado. “Então a tendência é que não seja um impacto muito significativo ou muito duradouro, e que a comunicação entre os países continue”, afirma a analista, lembrando que integrantes do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão, já falaram que não teriam problemas em trabalhar ao lado de um governo Biden.

Entre os temas que devem ser foco da nova relação entre Brasil e EUA, está um amplo acordo de livre comércio, algo que Bolsonaro tem dito buscar desde que assumiu o poder, em 2019. Apesar de os dois países não terem conseguido uma parceria como essa, recentemente foi fechado um Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC, na sigla em inglês) que prevê, entre outras medidas, a facilitação do comércio e o combate à corrupção.

Com Biden, não há expectativa de uma mudança neste sentido. Contudo, é a partir daí que temas como meio ambiente, direitos humanos e direitos trabalhistas podem pesar, com maiores dificuldades para o Brasil caso o democrata queira colocar pautas do tipo nas conversas.

Na mesma linha, a tão sonhada entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também é um assunto que pode ficar mais complicado. Apesar de nunca ter se manifestado sobre isso, o democrata pode aproveitar a discussão sobre o assunto para tentar impor outras pautas de sua agenda.

Tecnologia é outro tema que deverá ser bastante observado com um novo governo americano, principalmente por conta do crescimento chinês nesta área. Recentemente, por exemplo, os EUA têm lutado para que a Huawei não consiga participar do leilão de 5G no Brasil.

Neste sentido, Biden tem um pensamento mais parecido com Trump, criticando a China, apesar de uma postura um pouco diferente quanto ao enfrentamento da situação. Mesmo assim, com o democrata no poder, a expectativa é que se mantenham as pressões para limitar o crescimento tecnológico chinês.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.