IPCA-15 confirma que preços de serviços e núcleos mantêm desaceleração lenta, dizem analistas

Prévia da inflação oficial trouxe notícias positivas, mas detalhamento do indicador também mostrou alguns sinais preocupantes para o BC

Roberto de Lira

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A variação de 0,57% do IPCA-15 em abril, divulgada nesta quarta-feira (26) pelo IBGE e a abertura mais detalhada dos dados confirmam uma tendência que os analistas têm apontado nos últimos meses: há um processo de desinflação no País, mas a velocidade dessa queda está abaixo da necessária para que o Banco Central possa dar algum alívio imediato em sua política monetária restritiva. O motivo é que os preços dos serviços e alguns núcleos ainda oferecem alguma resistência.

A média dos núcleos calculada pela XP Investimentos ilustra essa preocupação. Após uma variação forte de 0,67% em fevereiro, essa leitura recuou para 0,41% em março, mas teve um repique para 0,45% em abril.

A inflação de serviços adjacentes teve um comportamento semelhante, com alta de 0,57% em fevereiro, recuo para 0,32% em março e nova alta de 0,52% em abril.

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Alexandre Maluf, estrategista Macro da XP, destaca que a média móvel de 3 meses anualizada dos núcleos acelerou de 5,8% para 6,2%. Similarmente, a medida dos serviços subjacentes nessa mesma comparação saltou de 4,6% para 6,2% no mês passado.

Mas ele adverte que esses números devem ser observados com cautela. “Captamos algum efeito base nas séries dessazonalizadas dos principais itens, como aluguéis e componentes de alimentação fora do domicílio. Apesar de as métricas chamarem atenção, os principais indicadores de atividade econômica sustentam nossa visão de que a inflação de serviços arrefecerá de forma muito gradual, mas não deverá acelerar no curto prazo”, comenta.

Sobre o índice cheio de abril divulgado hoje, Maluf lembrou que a inflação de 4,16% em 12 meses é a menor leitura desde outubro de 2020.

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O principal desvio de alta em relação à projeção da XP no mês veio dos preços de medicamentos, que refletiram reajustes mais velozes do que o esperado. No lado das baixas, as surpresas vieram dos itens “veículo próprio”, “carnes” e “gasolina”.

Já os preços industriais subiram 0,23% e vieram praticamente em linha com a projeção, reforçando a tendência de queda. Para o ano, a estimativa desses preços está em 2,6%.

Um dos componentes que mais contribuiu para a desaceleração do IPCA-15 em abril foi “alimentação no domicílio”, principalmente por conta dos preços das carnes, “que vêm apresentando sinais positivos nas últimas leituras”, segundo o economista da XP.

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“Com relação aos preços monitorados, conforme apontamos acima, os preços da gasolina vieram abaixo de nossas expectativas em abril (-3,0bps), enquanto os medicamentos surpreenderam positivamente (+2,2bps)”, comenta.

A XP espera que o IPCA atinja seu nível mais baixo do ano em junho, as que volte a acelerar a partir de julho

Alerta amarelo para os núcleos

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, também viu um índice cheio em linha com as expectativas, mas alerta que a composição foi menos benigna do que se esperava. “Teve uma surpresa para baixo em administrados e uma surpresa para cima em livres”, analisou.

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Ela adverte que sobre a ligeira perda de qualidade do indicador em abril na margem, principalmente nos núcleos mais relevantes para o BC. Mirella destaca que abril foi o segundo mês no qual essa divulgação veio um pouco pior que a expectativa, mas que magnitude dessas surpresas é pequena, portanto insuficiente para gerar algum gatilho de revisões de projeções. “Mas acende um luzinha amarela, de um contínuo acompanhamento, cauteloso, em relação aos núcleos”, afirma.

Ela ainda vê pouco espaço para o BC ao menos sinalizar um corte na taxa de juros. “Nossa expectativa é que o BC ainda não tenha espaço para alívios em seus comentários em relação á inflação. Portanto, a janela de oportunidade para algum alívio nos comentários de inflação e, principalmente, de núcleos, aparece a partir de junho ou julho. Nossa expectativa é de início de corte de juros em agosto”, afirma

Laíz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, também lembra que, em janeiro e fevereiro, os serviços e os núcleos estavam rodando na casa do 0,65%, caindo para a casa do 0,30% em março. “Era uma expectativa grande verificar se essa desaceleração das medidas de núcleos, principalmente dos serviços subjacentes, ia continuar. E teve um leve repique neste mês”, comenta.

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Para ela, isso demonstra que os dados de inflação corrente devem ser olhados com bastante cautela porque a desaceleração está acontecendo, mas de maneira muito lenta. Nos serviços subjacentes, por exemplo, a comparação anual continua a cair, mas ainda está na casa dos 7,5%, o mesmo acontecendo com as medidas de núcleo do BC.

A economista do BNP Paribas classifica que o IPCA-15 de abril não foi ruim, mas mostra que inflação de serviços continua persistente e a gente isso precisa ser observado com atenção.

A projeção do banco para o IPCA foi mantida em 6,5% em 2023 e 5% em 2024.

Na análise do Santander Brasil, as surpresas baixistas do IPCA-15 em abril se concentraram em itens não essenciais, como alimentos e preços monitorados, mas as medidas qualitativas pioraram na margem. “Em geral, as claras melhorias marginais que vimos durante o segundo semestre de 2022 são muito mais mistas no primeiro semestre de 2023, deixando claro que estamos em uma parte mais difícil do processo de desinflação”, alerta.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, cita que todos os nove grupos de produtos e serviços pesquisados registraram alta em abril, com destaque para o grupo de “Saúde e cuidados pessoais”, que avançou no mês 1,04%.  Nesse grupo, a maior contribuição veio de produtos farmacêuticos, por conta de um reajuste de até 5,60% nos preços dos medicamentos a partir de 31 de março.

“O índice de difusão, que mostra o porcentual de itens que aumentaram de preços no mês, subiu marginalmente, de 61% para 63%. O dado é ruim, mas não é alarmante”, comenta.

Sobre os núcleos e serviços adjacentes, Sung prefere observar os sinais positivos nas comparação anual. “Ambos continuam elevados, mas nos parece haver sinais de arrefecimento”, afirma.

A avaliação geral do economista-chefe da Suno é que os dados de inflação em abril podem ajudar positivamente o cenário do Banco Central, mas ainda é cedo para afirmar que essa será uma nova tendência.

“Teremos a reunião do Copom na semana que vem e, apesar dos dados de inflação melhores do que o esperado, acreditamos que a autoridade monetária tem adotado uma estratégia acertada e não deve alterar a taxa de juros nesse primeiro semestre. Mas, abre-se uma janela para o BC começar a discutir possíveis cortes em breve. A nossa expectativa é de cortes apenas no terceiro trimestre”, prevê.

Ele alerta, no entanto, que o desenrolar da questão fiscal e os seus impactos sobre as expectativas de inflação e câmbio, além da curva de juros, são os principais vetores para a trajetória da taxa de juros. “Ela determinará se caminharemos para o nosso cenário base, otimista ou pessimista”, afirma.

Para André Fernandes, responsável por renda variável e sócio da A7 Capital, o Banco Central deve manter o discurso de não cortar os juros tão cedo, por conta da aceleração dos núcleos. Mas ele destaca que isso pode trazer ainda mais impactos negativos nos balanços das empresas, que estão com queda em suas margens, aumento no endividamento, e dificuldades para conseguir manter suas atividades por conta do custo alto de crédito.

Luis Menon, economista da Garde, também alerta para o critério qualitativo do indicador, em especial para a pequena alta nos núcleos, quando considerados os dados dessazonalizados. “Não dá para dizer que está acelerando, mas os números estão estáveis na margem. Se anualizar o número, é equivalente a 6%, ainda bem distante do que seria o adequado para BC cortar juros”, diz.

Voláteis x persistentes

Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, faz uma leitura mista dos resultados de abril na comparação com as projeções, com a alimentação em deflação, desaceleração nos bens industriais e serviços ainda com inflação pressionada.

Ele lembra, no entanto, que a surpresa de serviços esteve muito concentrada nos preços das passagens aéreas, para os quais se esperava deflação e veio uma lata superior a 11%.

“Quando olhamos o número geral, está em linha e confirma que o processo de desinflação está acontecendo, mas ele é mais centrado em alimentação e industriais. A ‘big picture’ é a mesma dos últimos meses: desinflação mais rápida dos voláteis e mais lenta dos persistentes, que é a parte de serviços”, explica.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, também afirma que o IPCA-15 de abril reforça as preocupações com as medidas subjacentes do indicador. “Ao contrário do que foi visto no IPCA fechado de março, os serviços e a média dos núcleos voltaram a acelerar, indicando que há resistência dos preços mais persistentes e que o processo iniciado em março pode ainda não ter se consolidado”, comenta.

Além disso, Mercadante pondera que a variação anual, que segue caindo, tem de ser interpretada com cautela em virtude do efeito da desoneração de impostos no ano passado, que fará com que a inflação volte a acelerar a partir de julho.

Para o Goldman Sachs, esses efeitos de base elevados estão contribuindo para a moderação das medidas anuais de inflação, mas há sinais de que na margem a intensidade das pressões inflacionárias ascendentes começa a diminuir gradualmente.

“A dinâmica da inflação subjacente ainda é desafiadora – a inflação entre bens e serviços com preços livremente determinados ainda está em alta de 6,85%, com núcleo em 7,49% – e as pressões inflacionárias são generalizadas em um cenário de mercado de trabalho ainda apertado e a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e micro, incluindo uma considerável expansão fiscal e parafiscal em 2023 e nos próximos anos”, comenta o banco em relatório.

Os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, do Banco Original, observam que os números do IPCA-15 de abril foi bastante influenciado pelas variações de preços da gasolina e da energia elétrica, mas que isso começa a perder o ímpeto e deve ficar ainda mais evidente na leitura do IPCA cheio de abril.

Pelo lado positivo, os economistas do Original destacam o comportamento mais controlado dos preços de alimentos e bebidas, o grupo com maior peso no índice, que sofre influência da desvalorização das commodities e uma relativa apreciação do real frente ao dólar.

“Além disso, é resultado das boas safras de grãos, do desaquecimento da atividade econômica global e da redução dos efeitos da guerra entre Rússia-Ucrânia”, afirmam, destacando ainda o bom momento para os bens industriais, em um cenário de normalização das cadeias produtivas pós-pandemia.

Mas o grande desafio permanece sendo os preços de serviços e demais núcleos. “Serviços, por exemplo, subiu de 0,29% para 0,53%, valores incompatíveis com a meta do BC. Nos demais núcleos, olhando para a média móvel de 3 meses já livre de efeitos sazonais, o que se vê é uma inflação anualizada estacionada em altos 6,0%”, calculam

Para o Original, o esse comportamento dos serviços e dos núcleos vai continuar a demandar cautela, ao mesmo tempo em que as commodities em reais e, consequentemente, a inflação ao produtor indicam novas rodadas de descompressão do IPCA cheio.

Sendo assim, segue válida a estimativa feita pelo banco, de que a dinâmica de desinflação do IPCA se dará em dois atos em 2023, arrefecendo até o 1º semestre, mas voltando a subir no segundo 2º semestre, em direção a 6,1% no fechamento do ano.

Para o Itaú, o processo de desinflação lenta vai exigir paciência. “A leitura do IPCA-15 de abril corrobora o cenário de desinflação em curso, embora as medidas de núcleo continuem acima da faixa da meta de inflação. Na margem, com dados dessazonalizados e anualizados, a inflação industrial subjacente segue em ritmo de 7,7%, enquanto o núcleo de serviços está próximo de 6%, este último com alguma aceleração recente”, comenta o banco em relatório.

“Nas próximas leituras, apesar da pressão sobre os preços monitorados, principalmente remédios e loterias, devemos continuar vendo queda da inflação acumulada em 12 meses para cerca de 4,0%, influenciada pelo efeito base dos cortes de impostos do ano passado”, afirma o texto.

No entanto, o Itaú alerta que a inflação deve voltar a subir nessa base de comparação a partir do terceiro trimestre do ano. “Projetamos IPCA em 6,1% no final do ano e em 4,5% em 2024.”