Inflação dos EUA em dezembro eleva incerteza sobre estratégia do Fed, dizem economistas

CPI veio mais alto que o esperado, mas variação mensal teve forte componente sazonal; avaliação é que corte de juros em março é possível, mas ficou mais difícil

Roberto de Lira

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A divulgação da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de dezembro nos Estados Unidos mais “quente” que o esperado acrescentou doses de incerteza sobre a estratégia de curto prazo na política monetária que o Federal Reserve deve adotar. Os economistas e analistas de mercado não têm dúvidas de que o próximo movimento será de corte nos juros, mas a data de início desse novo ciclo ainda é uma incógnita.

O CPI de dezembro foi de 0,3%, ante projeção de 0,2%, e acima da variação de 0,1% observada em novembro. Já taxa anual ficou em 3,4%, ante estimativa de 3,2% e variação de 3,1% um mês antes.

Mesmo com essa surpresa de alta, ainda permanece como majoritária a projeção de que os diretores do Fed poderiam começar os cortes de taxas na reunião de março. A plataforma FEDWatch, do CME Group, por exemplo, mostra uma probabilidade de flexibilização em março de 69%, taxa maior até que os 64,7% de ontem, antes da divulgação do CPI.

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Há uma expectativa que os dados da inflação ao produtor (PPI) amanhã tragam mais pistas sobre o comportamento da inflação do consumo (PCE), que será divulgada no dia 26, na semana anterior à reunião do Fomc.

O Itaú, por exemplo, tem uma expectativa de que o núcleo do PCE tende a desacelerar no primeiro trimestre, atingindo 0,2%, o que deve manter o Fed no caminho para iniciar o ciclo de cortes em março.

A manutenção da visão ainda benigna sobre os juros também pode ter a ver com a leitura de que os números de dezembro mostraram mais força em itens sazonais, que não apontariam uma reversão da tendência de queda na inflação americana.

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Os preços de habitação, por exemplo, subiram 0,5% em dezembro ante 0,4% em novembro, mas esse grupo acabou sendo impactado indiretamente pelo avanço dos preços de energia elétrica durante o período.

Em serviços, os seguros automotivos subiram 1,5%, dando prosseguimento ao forte crescimento observado em novembro (+1,0%). Outros serviços que avançaram de maneira expressiva no último mês de 2023 foram os de recreação, educação e passagens aéreas.

Excesso de otimismo

Mas o economista Matheus Pizzani, da CM Capital, acredita que a perspectiva de queda juros em março continua sendo excessivamente otimista. “A contenção do avanço e estabelecimento de uma trajetória positiva para o nível de preços do setor de serviços ainda demandará a manutenção do aperto monetário praticado até aqui por algum tempo”, comenta

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Para ele, a taxa de juros deve se manter no patamar atual até pelo menos a transição do primeiro para o segundo semestre de 2024.

Outro economista que coloca dúvidas sobre a flexibilização antecipada na política é Danilo Igliori, da Nomad. Para ele, a inflação girando ainda perto dos 4%, em conjunto com os fortes indicadores do mercado de trabalho divulgados na semana passada, possivelmente fará com que que alguns revisem suas expectativas de cortes para o final do semestre ou para a segunda metade do ano.

“Depois de uma maior convicção de que os juros estavam prestes a começar a cair, a realidade é que iniciamos o ano com as possibilidades em aberto. Os mercados devem se ajustar e a volatilidade permanecerá elevada”, avalia.

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Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, alerta que a composição do índice divulgado hoje veio ruim e que a inflação do setor de serviços, principal responsável por manter os números elevados, está se estabilizando em um patamar elevado, por conta do mercado de trabalho aquecido.

“A inflação americana deve se estabilizar em um patamar acima da meta. O dado veio em linha com a nossa visão de que o ciclo de cortes só deve começar em meados de 2024, e não no primeiro trimestre do ano.”

Enzo Pacheco, analista de mercados internacionais da Empiricus Research, aponta ainda um fator do calendário de divulgações para corroborar essa visão de que o Fomc vai esperar um pouco mais para iniciar os cortes. “Até a reunião de março do Fomc, só vai ter um número de inflação (CPI), que é o de fevereiro. Não imagino uma melhoria tão substancial para ter um corte agora de juros”, destaca.

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Morgane Delledonne, diretora de research da Global X ETFs, define os dados de hoje do CPI como mistos, dada a desaceleração do núcleo da inflação e a recuperação dos números principais. “A desfasagem entre o Fed e os mercados quanto às perspectivas de taxas poderá persistir durante o primeiro trimestre, uma vez que ambos aguardam a confirmação dos dados”, comenta.