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A política monetária suou em 2025 para trazer a inflação próxima à margem de tolerância da meta de 3%, e em 2026 a expectativa é que o “remédio amargo” da Selic alta continue fazendo efeito, embora a dose possa ser diminuída aos poucos com o corte de juro. Porém, relatórios econômicos recentes e especialistas apontam que, embora a inflação corrente tenha surpreendido positivamente em alguns momentos deste ano, 2026 reserva desafios específicos, especialmente na alimentação e no setor de serviços.
O Boletim Focus vem reduzindo a projeção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2026 há quatro semanas, chegando ao patamar de 4,10% na mais recente divulgação. A projeção da XP Investimentos e do Itaú Unibanco convergem para um IPCA de 4,2% ao final de 2026, enquanto o Bank of America (BofA) estima em 4% – variações que, em última análise, mostram uma inflação menor do que a de 2025, estimada em 4,36%. Já a Fundação Getúlio Vargas (FGV) projeta uma inflação de 4,6%.
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“O problema de fazer projeção é que a gente erra”, brinca David Becker, chefe de economia para Brasil e estratégia para América Latina do BofA. Ele lembra que, em 2025, houve um momento em que a projeção do IPCA passou de 5,5% para perto de 7%, mas ela foi reduzindo conforme diversos fatores foram atuando sobre a economia, resultando em um percentual bem abaixo do esperado – sorte nossa.
Na avaliação de Beker, os principais fatores de risco para as projeções de inflação são o dólar globalmente fraco, que valorizou moedas emergentes, e a China, que está exportando produtos manufaturados e pressionando os preços para baixo. No campo doméstico, Beker destaca o impacto do mercado de trabalho aquecido.
Aumento moderado em alimentos
Mas, há indícios que podem ser precificados nessa projeção de inflação. Para Alexandre Maluf, economista da XP, o cenário benigno de 2025 para a mesa dos brasileiros tem data para acabar. “Preços de alimentos [ficaram] historicamente baixos em 2025; e vemos aumento moderado em 2026”, afirma, em relatório. Isso porque a inflação teve uma ajuda das safras recordes e do câmbio (com a valorização do dólar), cenário que possivelmente não irá se repetir ipsis litteris no ano que vem.
Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, afirma que, em 2026, é esperado um ligeiro recuo na inflação dos preços livres, de 4,4% para 4,2%, e a descompressão da indução de serviços devido à recuperação do mercado de trabalho. “Os riscos para a inflação são baixos, com possíveis reduções nos preços de produtos industriais e gasolina, mas com a persistência da pressão sobre o preço do petróleo como um risco de alta”, avalia.
A instituição projeta que a inflação de alimentação no domicílio saltará de 1,5% neste ano para 4,5% em 2026. “Projetamos elevação nos preços de proteínas, sobretudo a partir do segundo semestre, puxada pela inversão do ciclo da pecuária”, explica o economista, ressaltando ainda que os preços de itens in natura podem acelerar caso o fenômeno El Niño se confirme no final do ano.
A análise do Itaú corrobora essa visão de “reaceleração” da comida, projetando uma alta ainda maior para o grupo alimentação: 5,1% em 2026, contra 2,7% estimados para 2025.
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O desafio persistente dos Serviços
Enquanto os alimentos mudam de direção, o setor de serviços continua sendo uma fonte de pressão constante, alimentada por um mercado de trabalho que está em quase pleno emprego, e com a taxa de desocupação chegando em mínimas históricas.
A equipe de análise macroeconômica da XP alerta que “a inflação de serviços e de bens não duráveis permanece elevada, refletindo o aperto nos fatores de produção”. A projeção da casa é de que a inflação de serviços fique em 5,3% em 2026. “Vemos espaço limitado para desinflação adicional no ano que vem”, pontua o relatório da instituição.
O Itaú é ainda mais cauteloso quanto a este componente, estimando uma inflação de serviços de 5,5% para o próximo ano. O banco destaca que a desinflação em 2025 foi muito auxiliada por alimentos e câmbio, mas que o “mercado de trabalho dificulta inflação [abaixo de] 4%”.
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Bens industriais e monitorados
Se por um lado serviços e alimentos preocupam, os bens industriais podem oferecer algum contrapeso. O Itaú projeta uma inflação de apenas 1,4% para os industriais em 2026, citando estoques elevados e um câmbio médio projetado de R$ 5,40. Já a XP estima uma alta de 2,6% para bens industrializados no ano que vem.
Para os preços monitorados (como energia e combustíveis), a XP assume a premissa de “bandeira amarela” para o final de 2026, projetando uma alta de 3,8% para o grupo. O Itaú trabalha com uma projeção de 4,2% para os administrados.
Gastos do governo e a desconfiança
Além da dinâmica de oferta e demanda, o cenário fiscal (gastos do governo) permanece como um fator de risco relevante para as expectativas de inflação.
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Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre, afirma que, para 2026, a expectativa é de um novo impulso de gastos, com reajuste real do salário mínimo que cubra a inflação, mais um percentual de 2,5%, e de programas governamentais, o que pode gerar pressões inflacionárias.
“Termina 2025 e o mercado de trabalho entra em 2026 ainda resistente, e nós vamos ter aumento de renda por conta do reajuste do salário mínimo, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, de programas de distribuição de renda, além dos gastos impulsionados pela inflação. Então, se você me perguntar, tem muito mais risco [de o governo] gastar mais do que gastar menos”, afirma.
O economista Gesner Oliveira, sócio da GO Advogados e ex-presidente do Cade, adverte sobre o ciclo vicioso gerado pelo endividamento público e o impacto na inflação.
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“O que acontece é que começa a haver uma desconfiança na capacidade de pagamento do Estado”, explica Oliveira acrescentando que, quando há essa desconfiança, os agentes buscam proteção em ativos como o dólar: “Quando eu vou para ativos denominados em dólar, a taxa de câmbio cresce e impacta a inflação”.
Oliveira é enfático sobre a necessidade de medidas para conter a dívida, que segundo ele pode se aproximar de 100% do PIB se nada for feito. “Não dá para um país viver vários anos com déficits recorrentes, sem fazer nada. Então, é preciso realmente fazer um ajuste”, alerta.
A XP também vê os gastos do governo como um ponto de atenção para a política monetária: “Sem tais medidas [reformas fiscais], a trajetória de aumento da dívida pública pode reacender o debate sobre dominância fiscal”, aponta o relatório da corretora.