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O ressurgimento da proposta de criação de uma moeda comum (ou moeda local) a ser adotada por Brasil e Argentina, que antecedeu a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país vizinho – em sua primeira viagem internacional após a posse – foi cercada por falhas de comunicação, críticas e desconfianças.
Defendida por economistas mais à esquerda, a iniciativa é vista como um movimento para tentar reduzir a dependência do uso do dólar nas transações, algo de difícil viabilização, segundo especialistas. Representantes do setor de comércio exterior, no entanto, dizem que novas discussões representam uma oportunidade de destravar o comércio do Brasil com um de seus principais parceiros comerciais, que tem sofrido com a falta de dólares.
A primeira falha na reapresentação da ideia parece ter sido de comunicação. O jornal Financial Times informou no final de semana, citando como fonte o ministro argentino da Economia Sergio Massa, que o desenvolvimento de uma moeda comum, o “sur” (sul), para trocas comerciais, seria um primeiro passado para um movimento que poderia eventualmente criar o segundo maior bloco de moeda única do mundo – isso incluindo todo o Mercosul.
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Essa mesma discussão ocorreu em 2019, quando o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, trouxe à tona a ideia de criar um moeda chamada “peso-real”. A notícia também alarmou economistas na ocasião, mas foi abandonada após o Banco Central do Brasil ter divulgado nota negando qualquer projeto ou estudo visando uma união monetária com a Argentina.
Ontem, o jornal Clarin informou que o ministro da Economia na época, Nicolás Dujovne, propôs a ideia a Guedes, para quem a iniciativa pareceu “excelente”. Com o aval do ex-presidente Maurici Macri, Dujovne viajou ao Rio de Janeiro e se reuniu com o colega brasileiro, chegando a um acordo para fazer o anúncio em Brasília. No entanto, segundo o diário argentino, o anúncio foi cancelado porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto, teria ameaçado pedir demissão se o projeto fosse adiante.
Ideia antiga
A iniciativa de uma moeda comum é antiga. Em 1987, os governos de José Sarney e Raul Alfonsín chegaram a batizar uma moeda escritural a ser criada de “gaúcho”, mas ela nunca foi além do memorando inicial. O próprio Lula também propôs algo similar em 2002, quando foi eleito para seu primeiro mandato. Na época, a iniciativa era partir de uma “moeda verde” que abarcasse apenas os produtos agrícolas e fosse o primeiro passo para uma moeda comum.
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No ano passado, Fernando Haddad e Gabriel Galípolo, que hoje ocupam os cargos de ministro da Fazenda e de secretário-executivo da Pasta, voltaram ao assunto assinando artigo na Folha de S. Paulo, afirmando que uma moeda sul-americana poderia impulsionar o processo de integração regional e fortalecer a soberania monetária dos países da América do Sul, que enfrentam limitações econômicas decorrentes da fragilidade internacional de suas moedas.
Mas o anúncio da medida como um passo inicial de uma integração mais ampla no futuro – negada pelo governo brasileiro – gerou críticas e até piadas de economistas durante o domingo. “Isso é insano”, escreveu no Twitter o economista Olivier Blanchard, que foi economista chefe do FMI entre 2008 e 2015.
“A caminho do SUR REAL…”, brincou o ex-diretor do BC, Alexandre Schwartsman, na mesma rede social. No ano passado, em artigo no InfoMoney, ele definiu sugestões do tipo como reflexos de um “antiamericanismo juvenil”.
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A tese “antiamericana” foi novamente lembrada em 2022, quando numa viagem para a Rússia, Jair Bolsonaro ouviu do presidente Vladimir Putin a ideia da criação de uma moeda dos BRICs.
Nesta segunda-feira (23), Galípolo negou na Argentina que a proposta tenha alguma relação com moeda nacional, numa tentativa de ciar algo como o euro. Segundo ele, o ponto principal da discussão é a dificuldade de aceitação do peso no mercado internacional e o fato de que a restrição de dólares pode afetar o comércio entre os dois países. “A China tem ocupado o espaço que antes era do Brasil com a Argentina (de maior parceiro comercial. A ideia é criar uma espécie de clearing”, afirmou.
Reativar o CCR
Embora reconheça a importância e a urgência de viabilizar o avanço do comércio entre Brasil e Argentina, o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, não acredita que existam condições para se criar uma moeda transacional alternativa ao dólar. “A China tentou e não conseguiu”, lembrou.
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O problema é que a Argentina precisa de dinheiro para alavancar seu comércio com o Brasil e isso está em falta. As reservas internacionais do parceiro comercial mala chegara a US$ 43 bilhões no ano passado. Para efeito de comparação, o Brasil, por exemplo, fechou ano passado com US$ 324,7 bilhões em reservas.
Castro acredita que o Brasil deveria retornar ao Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), que abandonou em 2019, no início do governo Bolsonaro. O BC disse na ocasião que o CCR apresentava um conjunto de ineficiências e não atendia mais aos interesses do País. Pelo sistema internacional de pagamento, as operações de comércio eram liquidadas pelos bancos centrais dos países membros.
Na época, o estoque de operações do Brasil no CCR era de US$ 1,7 bilhão, com vencimentos até 2026. Dentro do montante, a Venezuela (com US$ 636,16 milhões) e a Argentina (com US$ 568,15 milhões) possuíam os maiores valores para liquidação ante o Brasil, que não aceitava novas operações venezuelanas desde 2017, por falta de pagamento.
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Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra) também defendeu a reativação da CCR, que operou como um “moeda local” durante anos. “Exportar hoje para a Argentina está complicado porque eles não conseguem fechar o câmbio”, explicou. Ele disse acreditar que as conversas retomadas na atual viagem presidencial podem trazer alguma solução de curto ou médio prazo para essa situação.
Hoje, existe um sistema de pagamentos em moeda local chamado de SML, mas movimenta poucos recursos. Segundo dados do BC, entre operações de exportação e importação, o SML movimentou cerca de R$ 4 bilhões em 2021 e em 2022, com pouco mais de 10 mil operações em cada ano.
Por esse sistema, pagamentos e recebimentos são efetuados diretamente em reais, sem a necessidade de moeda intermediária, como o dólar, dispensando contrato de câmbio. Ou seja, exportadores e importadores dos países conveniados realizam as operações de compra e venda usando suas moedas locais, sendo o próprio SML encarregado de efetivar a conversão, a partir de uma taxa pré-estabelecida.
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), no acumulado de janeiro a dezembro 2022, as vendas do Brasil para a Argentina cresceram 29,2% ante 2021 e atingiram US$ 15,35 bilhões. Já importações cresceram 9,6% e chegaram US$ 13,10 bilhões. Com isso, a balança comercial com o país apresentou saldo positivo de US$ 2,25 bilhões. A corrente de comércio expandiu em 19,4% totalizando US$ 28,45 bilhões.
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