Gustavo Franco: “A lição amarga é que nada foi resolvido com a pandemia”

Ao mexer com a noção de tempo, a pandemia "criou uma imensa metáfora da procrastinação" brasileira, afirma o ex-presidente do Banco Central

Estadão Conteúdo

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Uma lição “amarga” que a crise da covid-19 já deixou para a economia brasileira é que os “velhos problemas” continuam, diz o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da gestora Rio Bravo Investimentos.

Ao mexer com a noção de tempo, a pandemia “criou uma imensa metáfora da procrastinação” brasileira, sempre deixando para depois as reformas necessárias para deslanchar o desenvolvimento, explica Franco.

A reflexão faz parte do novo livro do economista, Lições Amargas (História Real, selo da editora Intrínseca), que chega às livrarias no próximo dia 26, tomando a crise de 2020 como partida para abordar temas como reformas, tamanho do Estado e privatização.

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A seguir, os principais trechos da entrevista:

O sr. escreve que parece que 2020 não terminou. Quando a economia brasileira deixará a pandemia para trás?

A observação do livro tem a ver com as noções de tempo que a pandemia destruiu em todos nós. Não apenas do tempo vago, que cada um de nós fica no computador, em casa, confinado, uma espécie de tempo roubado. Cada um de nós achava que ia demorar menos o sacrifício do confinamento. Isso criou uma imensa metáfora da procrastinação que tem sido o Brasil nos últimos anos. Toda essa fase de reformas e consertos do Brasil era para já ter acabado, mas, não, continua a encrenca. Essa sensação de tempo desperdiçado, esticado, permite dizer que 2020 virou uma década perdida. E 2021 não começou ainda, vai começar em 2025.

Qual a principal lição amarga da pandemia?

É o desconforto de perceber que essa procrastinação permanente do nosso destino de glórias vai continuar. Os velhos temas continuam todos aí. A grande lição amarga é que nada foi resolvido com a pandemia. Tudo continua como estava. A pandemia não resolveu as grandes guerras ideológicas e controvérsias. Continuamos, portanto, encalhados no mesmo banco de areia de antes.

O Brasil continuará sendo o País do futuro que nunca chega?

Já era visível, antes da pandemia, que estávamos terminando a quarta década perdida em matéria de crescimento. Falamos de década perdida nos anos 80 do século passado, mas, desde então, não tivemos nenhuma década que não fosse perdida. Estamos caminhando para trás, por causa dessa nossa indecisão crônica. As possibilidades (de desenvolvimento) continuam aí, mas a nossa incapacidade de executar as reformas que efetivamente promovam prosperidade econômica só fez se acentuar com o tempo.

Como reformar a ideia de reforma, como o sr. propõe no livro?

A ideia de reforma ocupa hoje no imaginário brasileiro o lugar que, antigamente, ocupava aquela noção mítica de desenvolvimento. Ninguém sabe o que são direito a reformas, mas, quando vierem, tudo será resolvido. Só que não é assim. Não apenas é muito difícil passar esse tipo de reforma, como nem sei se elas existem. Podemos pegar qualquer uma das reformas e começar a quebrá-la em pequenas coisas que têm de acontecer todo dia. Precisa crescer a produtividade, é um esforço de todo dia, não é uma reforma que vai resolver. É outro conceito, um tanto diferente da noção de que vai haver uma solução mágica para resolver o nosso problema.

Há chance de essa lição ser aplicada ainda no atual governo?

Possível é, mas será fortuito. O presidente não é o Paulo Guedes, o presidente é Jair Bolsonaro. O que for proposto ao Congresso Nacional será já uma matéria que é meio caminho entre o presidente e o ministro. E ainda vai, no Congresso, sofrer as negociações que são próprias do Parlamento. Pode acontecer qualquer coisa, inclusive aprovar coisas muito interessantes, como o marco do saneamento. Quer dizer, algumas reformas importantíssimas acabam acontecendo quando as pessoas estão distraídas fazendo outros planos. Não é que o presidente esteja convencido daquilo. Quando a política está focada nos objetivos corretos na economia, os riscos são maiores de acertar. Não é o que temos agora. Temos a pandemia ainda em operação, e um governo muito dividido sobre o que fazer. Sem contar as encrencas que o governo arruma. É difícil ser otimista com o governo.

Qual a lição da pandemia para a responsabilidade fiscal?

A responsabilidade fiscal é comparável, em importância, à defesa do meio ambiente. Se ocorre uma urgência, como uma guerra ou uma pandemia, não significa que, agora, não importa mais a responsabilidade fiscal, ou a defesa do meio ambiente. Outros países que lutaram guerras tiveram de encontrar equações de financiamento para a guerra consistentes com a responsabilidade fiscal, com a sustentabilidade financeira do país a médio prazo. É uma tolice completa dizer que isso não é importante. O cálculo (das contas públicas) é sempre limitado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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