Governo abre mão de R$ 110 bi de arrecadação em 2022; analistas veem risco para o próximo governo

Maior parte das iniciativas foram adotadas neste ano eleitoral sob justificativa de que ações emergenciais são necessárias para reduzir a inflação

Reuters

Palácio do Planalto (Foto: Anderson Riedel/PR)

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A implementação de uma série de medidas que envolvem cortes de tributos significa uma perda de receita de ao menos R$ 110 bilhões para os cofres federais em 2022, com a maior parte das iniciativas adotadas neste ano eleitoral sob justificativa de que ações emergenciais são necessárias para reduzir a inflação.

Especialistas alertam, no entanto, que: o movimento do governo embute riscos fiscais que geram pressões inflacionárias a médio prazo; a reversão de medidas temporárias a partir de janeiro empurra parte da inflação para o próximo governo; e mesmo neste ano os cortes de tributos podem não ser repassados integralmente ao consumidor.

O levantamento das perdas reúne as medidas implementadas nos últimos meses e listadas pelo Tesouro Nacional por gerarem renúncia de receita. Inclui também o pacote anunciado e articulado pelo governo para baixar preços de combustíveis (que ainda depende de aprovação do Congresso e representa o maior custo estimado: R$ 64,8 bilhões apenas para a União em 2022).

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A maior parte das ações vale apenas até dezembro, logo após a eleição em que o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), vai tentar a reeleição.

Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional que deixou o cargo em 2021, após o governo sinalizar que driblaria o teto de gastos para reforçar programas sociais, diz que a maior preocupação é com o efeito que será produzido pelas medidas em 2023, quando mais da metade dessas renúncias perderá a validade.

“Vamos ter o seguinte dilema no ano que vem: ou teremos uma inflação maior do que o projetado para 2023 [com a reversão dos cortes de tributos] ou teremos um fiscal pior do que o projetado para manter desonerações”, afirma Bittencourt, que hoje é economista da ASA Investments. Ele estima que 0,9 ponto percentual de inflação será empurrado deste ano para 2023 devido às medidas adotadas.

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O custo das medidas

O governo federal já havia zerado alíquotas de PIS/Cofins sobre diesel e gás de cozinha até dezembro, a um custo de R$ 14,9 bilhões. Agora, por mais R$ 17 bilhões, decidiu zerar também tributos sobre a gasolina (medida criticada pela equipe econômica por beneficiar famílias de classes média e alta).

O relator da proposta do Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), ainda incluiu no texto uma isenção sobre etanol e álcool anidro (usado na mistura da gasolina) até 2027, ao custo de R$ 3,3 bilhões só neste ano.

O pacote está em análise pelos parlamentares e ainda pode ser alterado. Ele também vai além ao definir, em outra medida, um repasse de até R$ 29,6 bilhões da União aos governos estaduais que aceitarem zerar cobranças de ICMS sobre diesel e gás de cozinha até dezembro, com o pagamento sendo feito por fora da regra do teto de gastos (que já está no limite).

Na lista de medidas com maior perda de arrecadação para a União está ainda o corte permanente de 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que já está em vigor e tem renúncia estimada em R$ 23,4 bilhões neste ano.

Outra iniciativa tratada como emergencial pelo governo para segurar a inflação foi o corte linear das tarifas de importação, reduzidas em 20% de maneira unilateral pelo Brasil (e sem o aval dos membros do Mercosul). Com ela, o Tesouro estima que deixará de arrecadar R$ 6 bilhões em Imposto de Importação neste ano.

Impacto nos juros

Bittencourt diz que, com o novo cenário, cresce a pressão para que o Banco Central mantenha a Selic elevada por mais tempo, considerando os efeitos inflacionários a médio prazo, pois a autoridade monetária já está inteiramente focada na inflação de 2023 (especialistas dizem que uma alteração na taxa de juros leva cerca de três trimestres para fazer efeito na economia).

“Claro que, se a gente joga uma inflação imprevista de 2022 para 2023, com todos os custos de inércia [inflacionária], o Banco Central vai ter que começar a se preocupar e colocar isso na mesa para tomar suas decisões”, afirmou o economista da ASA Investments.

O BC já vem implementando um agressivo ciclo de aperto monetário na tentativa de domar a inflação, que está acima de dois dígitos, e nesta quarta-feira (15), a autoridade monetária vai definir o novo patamar da Selic e sinalizar passos futuros. A taxa básica de juros da economia já está em 12,75% ao ano, e a previsão do mercado é que ela suba para 13,25%.

Risco fiscal

Tatiana Nogueira, economista da XP, afirma que o governo deve conseguir um efeito de baixa da inflação neste ano, mas que o movimento pode se inverter em 2023, após a retomada da cobrança de tributos que serão reduzidos temporariamente. “Você resolve um problema em 2022, mas encomenda um problema maior em 2023. Além disso, em um segundo momento, aumenta o risco fiscal”.

Relatório publicado pelo Santander na quinta-feira (9) afirma que as medidas de desoneração para conter preços de bens e serviços podem distorcer tendências inflacionárias. O banco espera que as iniciativas reduzam a inflação deste ano entre 1,4 e 3,1 pontos percentuais, mas já vê uma pressão de alta do IPCA de 0,6 ponto em 2023.

Avaliação feita pela agência de classificação de risco Moody’s na semana passada, após os anúncios do governo sobre combustíveis, apontou que a aprovação do pacote, com pagamentos fora do teto, seria negativa para o crédito do Brasil.

“Controlar os gastos para cumprir o teto ajudou o governo a desenvolver força fiscal; exceções diminuem sua capacidade de controlar os gastos e preservar a credibilidade fiscal, especialmente antes das eleições de outubro”, escreveu a Moody’s.

Repasse ao consumidor

Nogueira diz que a expectativa é que, mesmo neste ano, o corte de tributos chegará ao consumidor final apenas parcialmente (com uma fatia das reduções sendo internalizada pelas cadeias do mercado). No caso de combustíveis, a XP estima que o repasse ficará entre 60% e 80%.

Em um exemplo dessa dificuldade, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mencionou na semana passada que o corte de Imposto de Importação de alimentos feito pelo governo, com o objetivo de baixar preços, não será sentido de imediato pelo consumidor.

Nogueira destaca que, no caso dos combustíveis, há ainda o fator adicional da defasagem nos preços praticados pela Petrobras (PETR3;PETR4) em relação ao mercado internacional. Dados desta quarta-feira (18) da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) apontam defasagem de 18% no preço do diesel e de 14% no da gasolina, por isso eventuais reajuste de preços pela estatal poderiam anular os efeitos do corte de tributos.

Outras desonerações

Procurado, o Ministério da Economia não respondeu à reportagem. A equipe econômica tem argumentado que o governo está registrando recordes de arrecadação (e que os excessos de receita são em parte estruturais, por isso ser convertidos em corte de tributação). Tem dito também que o cenário atípico, com resquícios da pandemia e a guerra na Ucrânia, exige medidas emergenciais.

Para 2022, o governo também contabiliza renúncias não relacionadas a situações emergenciais e que têm cifras de menor impacto, como a renovação da desoneração da folha salarial para alguns setores (R$ 9 bilhões), o regime especial de tributação para clubes de futebol (R$ 2,3 bilhões) e a prorrogação de benefício tributário para a compra de veículos por pessoa com deficiência (R$ 1,3 bilhão).

O número do levantamento não considera o custo que será arcado por Estados e municípios com o projeto que estabelece um teto permanente de 17% a 18% para a cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia, comunicação e transporte coletivo (a Consultoria de Orçamentos do Senado estimou que esse impacto deve ficar em até R$ 26,8 bilhões para governadores e prefeitos só em 2022).

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