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O governo federal acumula, desde 2023, despesas que somam mais de R$ 170 bilhões e não estão “visíveis” na contabilidade oficial. A manobra coloca gastos fora da regra que busca traçar limites entre a arrecadação e as despesas, chamada de arcabouço fiscal. O resultado é a perda da credibilidade, que coloca em dúvida a sustentabilidade das contas do país.
O diagnóstico está no Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF 107), publicado nesta quinta-feira (18) pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.
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Credibilidade em xeque
De acordo com os diretores da IFI, Marcus Pestana e Alexandre Andrade, isso coloca em xeque a credibilidade do país em pagar as contas, já que há mudanças frequentes nas regras e uso excessivo de exceções, aplicado não somente em despesas imprevisíveis, mas também naquelas que daria para incluir no planejamento.
O IFI se refere às regras do arcabouço fiscal, que deve garantir que o governo mantenha o equilíbrio entre o que arrecada (impostos) e o que gasta, assegurando que a dívida pública permaneça em níveis controláveis, mas sem “congelar” os investimentos.
Pela regra, as despesas do governo são limitadas a 70% do que arrecada. Assim, a cada R$ 100 que entram, ele só pode gastar R$ 70. Se não cumprir essa regra, no ano seguinte o limite cai para 50%.
Mas, ao colocar gastos fora da regra, o limite dos 70% passa a ser fictício, e as despesas reais sobem mais do que seria seguro para garantir o pagamento das contas públicas e fazer o país continuar crescendo.
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Lista de exceções
O montante superior a R$ 170 bilhões que o governo gastou fora das regras fiscais nos primeiros anos do novo arcabouço (2023 a 2025) é composto por uma lista variada de exceções.
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Entre os principais “abatimentos legais” que permitem gastar sem ferir formalmente o limite, estão os precatórios, que são dívidas do governo vindas de decisões judiciais definitivas das quais não se pode mais recorrer; gastos específicos com as Forças Armadas; auxílio a empresas para compensar setores afetados pelo “tarifaço” imposto pelo governo americano; investimentos em estatais com aportes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a reestruturação dos Correios.
Para a IFI, essa prática compromete a função principal de qualquer regra fiscal: disciplinar os gastos e ancorar expectativas. O relatório aponta que a distância entre o que o governo gasta efetivamente e o que ele reporta legalmente tem feito com que investidores ignorem as metas oficiais para focar apenas na dívida pública.
Dívida crescente e juro alto
A sustentabilidade das contas públicas enfrenta o desafio dos juros elevados. Atualmente, a taxa Selic — o principal instrumento do Banco Central para controlar a inflação — está em 15% ao ano. Embora a IFI projete uma queda para 12% até o final de 2026, o custo para o governo manter a dívida continua alto.
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Para estabilizar a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a IFI elevou a estimativa do esforço necessário. Agora, seria preciso um superávit primário — quando o governo arrecada mais do que gasta, antes de pagar os juros da dívida — de 2,3% do PIB.
No entanto, a realidade projetada pela instituição é oposta: a previsão é de um déficit de R$ 90,6 bilhões (0,7% do PIB) em 2026.
Insustentabilidade
Os diretores da IFI afirmam no relatório que os dados “revelam inequivocamente a insustentabilidade do atual regime fiscal”.
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Eles destacam que o governo tem tentado equilibrar as contas apenas pelo aumento de impostos, mas essa estratégia encontra resistência, já que o Brasil já possui uma das maiores cargas tributárias entre os países emergentes.
“A estratégia de ajuste fiscal pelo incremento da receita esbarra no fato de o Brasil, hoje, ser líder em termos de carga tributária entre os países latino-americanos”, aponta o documento. Sem o controle das despesas obrigatórias — aquelas que o governo é obrigado por lei a pagar, como salários e aposentadorias —, a IFI alerta que o país terá que promover um ajuste fiscal “de maior fôlego” no futuro para garantir o desenvolvimento sustentado.