Evidências mostram que Ucrânia estaria por trás de sabotagem nos gasodutos Nord Stream, diz revista

Reportagem da Der Spiegel diz que operação secreta causou explosões em setembro de 2022; Zelensnky nega participação na sabotagem

Roberto de Lira

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Evidências de uma investigação oficial apontam que a Ucrânia teria sido responsável pelos atentados que danificaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 no ano passado, informou a revista alemã Der Spiegel, numa reportagem que contou com a colaboração da emissora de TV pública ZDF . Segundo a publicação, os investigadores têm certeza de que os sabotadores estavam na Ucrânia antes e depois do ataque.

Os gasodutos Nord Stream 1 e 2 foram abalados por explosões subaquáticas em 26 de setembro, tornando-os inúteis e cortando uma fonte potencial de bilhões de dólares em ganhos para a Rússia.

A revista diz que os possíveis motivos também parecem claros para os círculos de segurança internacionais: privar o regime de Moscou de uma importante fonte de receitas para financiar a guerra contra a Ucrânia. E, ao mesmo tempo, tirar de Vladimir Putin de uma vez por todas do seu mais importante instrumento de “chantagem” contra o governo alemão, o fornecimento de gás.

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O Nord Stream 1 se estende da cidade russa de Vyborg, atravessa o Golfo da Finlândia e o Mar Báltico até chegar à cidade alemã de Lubmin. Tem 1.224 quilômetros de extensão e consiste em 200 mil segmentos individuais e entrou em operação em 2012, enviando para a Alemanha quase 60 bilhões de metros cúbicos de gás natural dos campos russos Yuzhno-Russkoye e Shtokman.

O preço  total do projeto foi estimado em 7,4 bilhões de euros, tendo a maior parte sido paga, direta ou indiretamente, pela Rússia. Em 2018, o gasoduto representou 16% de todas as importações de gás natural da União Europeia.

O Nord Stream 2 começou a ser instalado em 2018 e foi concluído em setembro de 2021, mas nunca entrou em operação. Ele surgiu em meio a um imenso debate político porque, embora a população da Alemanha apoiasse sua construção, o projeto recebeu críticas por favorecer a força do regime de Vladimir Putin.

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Esse gasoduto fica localizado um pouco mais ao sul, na cidade de Ust-Luga, sendo que a maior parte corre paralelamente ao primeiro projeto. Ele foi planejado transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural russo por ano para a Alemanha, mas a invasão russa na Ucrânia em fevereiro de 2022 colocou um fim à polêmica sobre sua utilização.

A partir de então, a Alemanha passou a buscar alternativas para se libertar da dependência das importações de energia da Rússia o mais rapidamente possível.

Segundo a Der Spiegel, a operação secreta ucraniana pretendia infligir “danos duradouros à funcionalidade do Estado e às suas instalações. Neste sentido, trata-se de um ataque à segurança interna do Estado.” Mas a revista destacou que, embora a Alemanha “não pudesse simplesmente ignorar um crime tão grave, suspender o apoio à Ucrânia na sua guerra contra a Rússia também não seria uma opção”.

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Como um filme de espionagem

A revista cita que a operação se desenvolveu como um thriller de espionagem: um comando secreto ucraniano explodiu os oleodutos no Mar Báltico utilizando o Andromeda, um velho saveiro com amassados e arranhões em sua lateral e com o piloto automático quebrado. Ou seja, seria mais dos muitos navios fretados em avançado estado de desgaste a trafegar pela região.

Mas esse navio insuspeito abrigava um comando de mergulhadores e especialistas em explosivos que conseguiu em 26 de setembro de 2022 abrir buracos em três tubos. pertencentes aos gasodutos Nord Stream 1 e Nord Stream 2. O ataque foi catastrófico ao abastecimento de energia da Alemanha.

A revista lembra que, às 2h03 da manhã de 26 de setembro, uma onda de choque percorreu o leito do Mar Báltico, suficientemente poderosa para ser registada por sismógrafos suecos a centenas de quilómetros de distância. Segundo investigações, a costura soldada entre dois segmentos do tubo A do Nord Stream 2 foi triturada, num ataque preciso e para o qual foi necessária uma quantidade relativamente pequena de material explosivo.

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Foi exatamente o mesmo explosivo do qual os especialistas forenses mais tarde encontrariam vestígios a bordo do navio Andrômeda. A explosão inicialmente abriu uma lacuna de cerca de 1,5 metro no tubo, mas o gás que jorrou aumentou o vazamento.

Dezessete horas depois, às 19h04, ocorreu outra onda de choque, desta vez 75 quilômetros ao norte. Foi muito mais forte e foi seguida de várias explosões. Acima da água, a explosão abafada pôde ser ouvida a vários quilômetros de distância.

Desta vez, segundo a revista, ambos os tubos pertencentes ao Nord Stream 1 foram destruídos: uma seção de 200 metros do tubo A e um segmento de 290 metros do tubo B. Uma visualização 3-D baseada em imagens de câmeras subaquáticas e leituras de sonar mostrou crateras profundas, pilhas de escombros e pedaços de oleodutos saindo diagonalmente do fundo do mar.

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Não muito longe dos trechos de tubulações destruídas no Nord Stream 1, o duto A do Nord Stream 2 foi atacado pela segunda vez – a mesma linha que já havia sido cortada 17 horas antes, mais ao sul. O tubo se abriu ao longo de aproximadamente 100 metros. Provavelmente, foi usada uma carga diretamente sobre uma junta soldada. Há indícios de que os sabotadores confundiram os canos A e B do Nord Stream 2 na escuridão e atacaram involuntariamente o mesmo cano duas vezes.

A reportagem diz que, inicialmente, ninguém sabia quão dramática era a situação, nem mesmo os operadores dos dois gasodutos. Aa empresas responsáveis pela operação são controladas maioritariamente pela gigante russa do gás natural Gazprom e ela registaram apenas uma queda drástica na pressão dos oleodutos.

Mas os técnicos ficaram preocupados com a possibilidade de algo estar errado, assim como os representantes militares na região. Na manhã de 27 de setembro, um caça F-16 dinamarquês descobriu estranhas bolhas na superfície da água, e os militares dinamarqueses publicaram as primeiras imagens naquela tarde: o gás natural subindo do fundo do Báltico formou círculos de bolhas a 1.000 metros de diâmetro na superfície da água, não muito longe de Bornholm.

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Especialistas

Embora a revista diga que não é possível dizer com total certeza como os sabotadores agiram,  as conclusões da investigação internacional permitem reconstruir muito do que aconteceu. Dados de estações de monitoramento geológico, vídeos e dados de sonar do fundo do mar forneceram as pistas adicionais. Para os especialistas, o grupo era provavelmente composto por seis pessoas (cinco homens e uma mulher), provavelmente um capitão, mergulhadores, assistentes de mergulho e talvez um médico.

Segundo ex-mergulhadores militares e profissionais, a operação foi desafiadora. “Está escuro como breu lá embaixo, há frio e correntes”, diz Tom Kürten, umds entrevistados. Como mergulhador técnico e líder de expedição, ele inspeciona destroços no fundo do Mar Báltico há muitos anos.

Segundo ele, com os equipamentos corretos é possível mergulhar a profundidades de 100 metros ou mais e ele acredita que seria impossível localizar os dutos sem assistência técnica. Na verdade, com um pequeno “downScan”, um dispositivo sonar, seria relativamente simples, diz ele. E uma vez identificado o local, basta, diz ele, lançar ao mar uma “linha de tiro”, uma corda com um peso na ponta que guia os mergulhadores para as profundezas. A conclusão é que a operação não poderia ter sido realizada por mergulhadores amadores.

Repercussão

Após a publicação da reportagem, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, negou em entrevista ao jornal alemão Bild que nunca autorizaria tal ataque, embora tivesse o poder para dar tal ordem. “Acredito que o nosso exército e os nossos serviços de inteligência não fizeram nada disso”, disse acrescentando que gostaria “de ver provas”.

Já jornal Washington Post noticiou na semana passada que uma agência de espionagem europeia disse à CIA que sabia do plano de uma equipe de operações especiais ucraniana para explodir os gasodutos Nord Stream e que a administração Biden foi informada sobre o assunto.