Economistas dizem que tendência da inflação inspira cautela, mas divergem sobre juros

Especialistas fazem leitura similar sobre preços de serviços resilientes em patamar alto, mas nem todos estão convencidos de que o BC começará a elevar a Selic na reunião de setembro

Roberto de Lira

Notas de R$ 200 -  (Foto: Adriano Machado/Reuters)
Notas de R$ 200 - (Foto: Adriano Machado/Reuters)

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A tendência para a inflação no Basil ainda inspira cautela por parte do Banco Central, embora o IPCA-15 de agosto tenha novamente mostrado uma desaceleração na comparação mensal – o dado veio em +0,19% no mês, após alta de 0,30% em julho e de 0,39% em junho.

Os economistas alertam, no entanto, que as medidas de 12 meses e as trimestrais anualizadas apontam para uma inflação de 2024 bem acima da meta. As divergências de opinião desses especialistas são sobre a necessidade ou não de uma alta de juros na reunião de setembro do Copom.

Para Alexandre Maluf, economista da XP, a leitura divulgada hoje foi marcada pela forte deflação na alimentação no domicílio. Ele lembra que o primeiro semestre teve alta intensa de preços como os itens in natura, como reflexo das condições climáticas mais adversas (bolhas de calor em algumas regiões e chuvas intensas no Sul do país).

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O movimento agora, é de devolução, como mostra a últimas leituras do IPCA-15 e do IPCA cheio. Itens como tomate, bata inglesa, cebola, cenoura, hortaliças e verduras e, mais recentemente, do arroz, estão mostrando esse comportamento.

Mas outas leituras de preços menos voláteis apontam uma inflação persistente e resiliente, adverte Maluf. As média dos núcleos, uma leitura que o BC acompanha com lupa, estão em torno de 4,2% na métrica de 3 meses anualizada. “Isso mostra que os núcleos de inflação têm rodado acima da meta de 3% e isso deve continuar adiante. Dá um pouco de suporte de que o BC tem de reagir a esse cenário”, destaca o economista.

Outra media citada pelo economista da XP são os serviços subjacentes – aqueles que não flutuam devido a choques momentâneos – que têm rodado em torno de 5,0% nessa leitura dos trimestres anualizada.

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Maluf destaca que que os bens industriais pararam de contribuir para a desinflação, o que ajuda a manter o indicador cheio de inflação desancorado em relação a meta do BC. “No curto prazo, industriais voltaram a acelerar (4,7%). Já é um forte desvio em relação à meta”, explica.

Por conta dessa avaliação de tendência, a XP aposta numa inflação de 4,4% no final de 2024 e que esse quadro deve levar o BC a iniciar já em setembro um ciclo de aperto monetário que pode chegar a 150 pontos base, com uma alta de 0,25 p.p. em setembro, duas de 0,50 p.p. em novembro e dezembro e um reajuste residual de 0,25 p.p. em janeiro. Isso levaria a Selic para 12% no início de 2025.  

Atenção e cautela

Mirella Hirakawa, coordenadora de pesquisa da Buysidebrazil, por sua vez, também destaca a estagnação do processo de desinflação de serviços. “Nossas médias de núcleos de serviços tiveram uma aceleração em 12 meses, com uma alta de 4,54%, vindo de 4,47%, diz, lembrando que, mesmo onde foi possível ver uma descompressão na margem, ainda permaneceu em patamares elevados.

A economista argumenta que o BC deve manter atenção e cautela após esses números e lembra que as medidas trimestrais dessazonalizadas que o BC trouxe em seu relatório de inflação em junho, tanto para o headline, quanto para os serviços subjacentes estavam em patamares bem abaixo do que os atuais.

“Então, apesar dessa leve melhora na margem, se mantém em patamares acima do que o BC tinha mostrado no último RTI, mostrando esse momento de maior atenção e cautela em relação ao número de serviços”, diz Mirella.

André Valério, economista sênior do Inter, também pondera que o núcleo da inflação desacelerou na margem, recuando de 0,34% em julho para 0,28% em agosto, mas que manteve a média móvel de 3 meses praticamente inalterada em 0,32%, sugerindo que algumas pressões observadas nos últimos meses ainda persistem.

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“Apesar da desaceleração da inflação de serviços em agosto, no acumulado em 12 meses a tendência ainda é de alta, alcançando 5,14%, enquanto a de subjacentes subiu para 4,97%. O resultado de agosto traz um certo alívio ante o mau resultado do IPCA de julho, mas amplamente influenciado pelo comportamento dos alimentos, itens mais voláteis”, destaca.

Para Valério, a tendência de desaceleração da inflação de serviços deve continuar, mas de modo mais lento, considerando a política monetária mais restritiva e o fim do impulso fiscal mais significativo do primeiro semestre.

“O dado de hoje contribui para não aumentar ainda mais a pressão sobre os juros, com parte do mercado precificando alta de 150 pontos base até o início do próximo ano. Com a expectativa de um IPCA menor em agosto e o início do ciclo de cortes nos juros americanos, mantemos a expectativa de Selic constante pelo futuro próximo”, prevê.

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A opinião de Carla Argenta, economista chefe da CM Capital, é que a divulgação de hoje, quando dissipadas as correções e movimentos pontuais, não fornece motivos tanto para uma visão mais pessimista, de elevações na Selic nesse momento.

A opinião de Leonardo Costa, economista do ASA, é parecida. Ele diz que o qualitativo do indicador veio modestamente melhor em agosto, com devolução de parte da alta dos serviços de veículos, que foi bastante elevada em julho.

Mas ele também chama a atenção para a aceleração do núcleo de serviços na medida trimestral, o que ajuda a alimentar o discurso de cautela do BC. “Nos bens industrializados temos aceleração  na margem, o que parece associado a alta recente dos IGPs, passando o momento mais benigno após a normalização das cadeias produtivas”, comenta.

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A projeção de Costa é que o IPCA feche 2024 em 4,4%, perdendo um pouco de força em 2025, para 4,1%.

Alívio com alimentos

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, também destaca no mês o alívio vindo do grupo alimentação no domicílio, que teve uma deflação de 1,30%, mas repete a leitura de cuidado com os preços dos serviços.

“Apesar da inflação de serviços subjacentes ter vindo um pouco melhor do que a gente previa, deve seguir rodando em patamares elevados. Em 12 meses, a alta acumulada é de 5%. Com o mercado de trabalho aquecido, os salários tendem a ser reajustados acima dos ganhos de produtividade, pressionando para cima a inflação de serviços”, explica.

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Para a economista, a inflação deve voltar a subir até o final do ano. “Como não enxergamos trégua na inflação de serviços e acreditamos na volta da inflação de bens industriais, projetamos que o IPCA feche o ano em 4,7%. Para 2025, prevemos 5%.” 

Mesmo com essa projeção mais salgada, Claudia espera que a Selic deva ser mantida em 10,5% até o final do ano. “Por ora, acreditamos que os fundamentos observados pelo Banco Central não indicam a necessidade de um aperto adicional na política monetária. Para 2025, nossa projeção é que a taxa básica de juros termine o ano em 9%.”

Para o Itaú, o IPCA-15 de agosto ficou em linha com as expectativas e mostrou uma desagregação ligeiramente melhor do que a esperada, especialmente devido à desaceleração mensal dos serviços subjacentes. “Olhando para o futuro, esperamos que o componente de serviços permaneça sob pressão, refletindo o mercado de trabalho apertado”, diz o banco em relatório.

Já o Bradesco acredita que a surpresa no número do IPCA-15 de agosto não indica uma trajetória muito diferente da inflação à frente. “O câmbio relativamente mais depreciado coloca alguma pressão sobre os preços, mas nossa Pesquisa Empresarial sugere repasses similares ao padrão histórico. Esperamos que o IPCA termine o ano com alta de 4,3%.”