Das ameaças ao fechamento de consulados: a escalada da “guerra fria” entre EUA e China e seus impactos

Relação diplomática entre as duas maiores economias do mundo está cada vez pior e começou a afetar o desempenho das bolsas

Rodrigo Tolotti

Bandeiras da China e EUA (Foto: Getty Images)

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SÃO PAULO – Apesar de terem fechado em janeiro um acordo sobre a guerra comercial, a tranquilidade da relação entre Estados Unidos e China não durou muito. O estouro da pandemia do novo coronavírus fez com que o presidente americano Donald Trump elevasse o tom, chegando a culpar os chineses pela doença, acusando-os de esconder seu surgimento.

Mas a troca de farpas entre as duas nações aumentou na semana passada, chegando a um novo pico de tensão nos últimos dias, derrubando Bolsas de valores pelo mundo em meio ao fechamento de consulados.

No último dia 14, Trump anunciou o fim do tratamento preferencial a Hong Kong por parte dos EUA e assinou uma lei de sanções para penalizar funcionários chineses que aplicarem as novas regras de segurança aprovadas em junho.

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Isto já foi visto como uma retaliação após a China aprovar a controversa lei de segurança nacional que, de acordo com críticos, pode acabar com o status semiautônomo de Hong Kong.

Segundo Pequim, a lei mira em apenas um “pequeno grupo de pessoas” e tem como objetivo combater “separatismos, subversões, terrorismo e interferências estrangeiras”. Já a oposição em Hong Kong afirma que a medida é um golpe nas liberdades políticas no território.

Apesar desta questão, os ânimos se elevaram mesmo na agora chamada “guerra fria” entre EUA e China quando chineses foram vistos fazendo várias fogueiras com pilhas de papel no jardim do consulado do país em Houston, no Texas, logo depois que a China foi formalmente avisada sobre o iminente encerramento das atividades consulares.

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Os bombeiros foram chamados, mas foram proibidos de entrar no local. Diante disso, o governo americano afirmou que suspeita que estes papéis queimados fossem documentos relacionados a ações de espionagem sobre a vacina para o coronavírus que está sendo desenvolvida nos EUA.

Para piorar o cenário, o departamento de Justiça americano acusou Pequim de patrocinar dois hackers chineses que estariam espionando e roubando dados de laboratórios dos EUA e outros 11 países que estão na corrida pela criação da vacina.

Foi então que, no dia 22 de julho, os EUA determinaram o fechamento do consulado da China em Houston. E apesar de não citar as acusações anteriores, o Departamento de Estado afirmou que a medida tem o objetivo de proteger a “propriedade intelectual e as informações privadas dos americanos”.

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O porta-voz do departamento, Morgan Ortagus, afirmou que a Convenção de Viena prevê que os diplomatas devem “respeitar as leis e os regulamentos do Estado receptor” e “têm o dever de não interferir nos assuntos internos desse Estado”. “Os EUA não tolerarão as violações da República Popular da China da nossa soberania e intimidação do nosso povo, assim como não toleramos as práticas comerciais desleais, o roubo de empregos americanos e outros comportamentos”, afirmou Ortagus.

Isto escalou a tensão para níveis não vistos desde o início da guerra comercial. A China afirmou logo em seguida que se via obrigada a retaliar a ação americana e o Ministério das Relações Exteriores chinês disse que a ordem dos EUA causou um prejuízo severo às relações dos dois países.

No mesmo dia, o mesmo ministério afirmou que ameaças de ataque a bomba e de morte foram feitas contra a embaixada da China em Washington e os seus funcionários. “Como resultado do ódio espalhado pelo governo dos EUA, a embaixada chinesa recebeu ameaças de bomba e de morte”, disse na ocasião Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês.

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Até que nesta sexta-feira (24) veio a resposta chinesa, que ordenou o fechamento do consulado americano na cidade de Chengdu, no sudoeste do país.

A decisão é “uma resposta legítima e necessária às medidas irracionais dos EUA”, informou em comunicado o Ministério das Relações Exteriores da China.

O consulado americano de Chengdu, na província de Sichuan, inaugurado em 1985, tem 200 funcionários e cobre o sudoeste da China, incluindo a Região Autônoma do Tibete. Ele era a representação diplomática americana mais próxima de Chongqing, importante centro industrial chinês.

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Apesar da escalada da tensão, especialistas avaliam que não haverá grandes consequências na relação entre os dois países caso os confrontos parem por aí. Porém, no ritmo e no tom que tudo está acontecendo, poucos acreditam que isso tenha terminado.

Reflexo nas eleições

O mundo todo está preocupado e deve ser impactado por esta disputa, mas os americanos devem sentir os reflexos desta tensão também na corrida eleitoral. Aliás, a estratégia do governo dos EUA de elevar o tom contra os chineses pode justamente ter relação com a disputa presidencial.

Afinal, conforme destaca a equipe de analistas da XP Política, o eleitorado americano tem visto a China de forma cada vez mais negativa, independentemente da preferência partidária.

Diante disso, eles projetam que a forma como Trump e Joe Biden irão falar sobre os chineses poderá ser cada vez mais decisivo para as eleições, sendo que principalmente o republicano pode elevar ainda mais o tom também como uma forma de reconquistar eleitorado, já que as pesquisas mostram ele cada vez mais atrás na disputa.

Em entrevista para a CNBC, Jim O’Neill, presidente da Chatham House, um dos think-tanks mais prestigiados da Europa, alertou que a relação entre os dois países preocupa e que isso pode ditar o tom de Trump em sua campanha.

“Dado o grau em que as pesquisas de opinião parecem sugerir o quão atrás está Donald Trump, suspeito que teremos isso [troca de acusações entre EUA e China] de forma recorrente e errática entre agora e as eleições”, afirmou.

“Eu certamente acho que a retórica será repetidamente difícil e assustadora, mas, se será seguida por medidas e ações, não tenho tanta certeza. Espero que não, porque realmente não traria muitos benefícios para os EUA ou o mundo “, finalizou.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.