Crescem na Argentina as críticas sobre a constitucionalidade do megadecreto de Milei

Formato escolhido de decreto emergencial e abrangência das medidas podem levar à judicialização, dizem especialistas

Roberto de Lira

O presidente da Argentina, Javier Milei cumprimenta  apoiadores (Marcos Brindicci/Getty Images)
O presidente da Argentina, Javier Milei cumprimenta apoiadores (Marcos Brindicci/Getty Images)

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O megadecreto com cerca de 300 medidas de desregulamentação da economia da Argentina publicado na quinta-feira (21) no Diário Oficial do país continua gerando polêmicas, não só por sua abrangência, mas sobretudo por sua constitucionalidade. Para especialistas citados pela imprensa local, o mecanismo utilizado pelo governo tende a gerar judicialização.

Com 80 página e mais de 300 artigos, o decreto abrange diversas áreas e atua em centenas de leis promulgadas pelo Congresso nas últimas décadas.

Ontem, o novo presidente da União Cívica Radical (UCR), Martín Lousteau, foi à rede social “X” para criticar o mecanismo usado por Milei. Ele sugeriu trocar o decreto de necessidade e urgência (DNU) por uma “lei espelho”, que possa ser votada por capítulos.

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Com isso, acredita que as reformas positivas passarão rapidamente pelo Congresso, enquanto as que trazem problemas seriam evitadas.

A UCR era oposição ao governo de orientação peronista de Alberto Fernandez e estava na coligação Juntos pela Mudança, que apoiou Patricia Bullrich no primeiro turno das eleições. Mas a agremiação não seguiu o apoio a Milei no segundo turno, optando pela neutralidade.

O site Infobae lembra que o DNU não especifica uma data de entrada em vigor para as mudanças, o que o torna efetivo após o oitavo dia da sua publicação no diário oficial, no caso 29 de dezembro.

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Pra ser votado, o decreto precisa ser enviado à Comissão Bicameral Permanente de Processo Legislativo do Congresso, órgão formado por oito deputados e oito senadores, que deve então emitir um parecer sobre o teor e a forma do decreto, para posterior análise pelas duas Casas legislativas.

Mas ocorre que essa sequer foi formada após a troca de comando no país. Como o Executivo também não convocou sessões extraordinárias, os parlamentares não se reuniram desde o fim do período ordinário, em 9 de dezembro.

O site reuniu as opiniões de vários e renomados advogados constitucionais, que se manifestaram na mesma linha de Lousteau.

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Um deles foi Daniel Sabsay, que apesar de apoiar o presidente e concordar com várias das mudanças, alertou para a ilegalidade do DNU em entrevista ao canal LN+. Segundo o especialista, de acordo com a Constituição, “o presidente não pode editar disposições de natureza legislativa, salvo quando circunstâncias excepcionais impeçam o procedimento normal para a promulgação de leis”.

Ele lembrou que quatro matérias jamais poderão ser objeto de DNU: penal, fiscal, partidos políticos e eleitorais.  E que a Suprema Corte do país já definiu que “circunstâncias excepcionais” são fenômenos súbitos da natureza, como um terremoto ou um tsunami. “Ou uma situação tão grave na economia que exija uma medida rápida por parte de um poder que está sempre reunido, que é o Executivo, que é evitar através de um mal menor, um mal maior.”

Nos detalhes, ele citou que o DNU de Milei quebra, em matéria fiscal, o Código Aduaneiro, que são os impostos externos de exportação. “Embora digam que é uma parte, que é processual, um código é um todo, não pode ser quebrado para fazer o que eu quero”.

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Da mesma forma, Andrés Gil Domíguez, concordou que o DNU não é constitucional. “A divisão de poderes é baseada em uma fórmula muito simples: o Poder Legislativo promulga leis, o Executivo administra e o Poder Judiciário resolve os casos. Tudo sob a regência da força normativa da Constituição e dos tratados de direitos humanos”, explicou em sua conta no “X”.

Ele alertou que o Poder Executivo não pode exercer funções legislativas sob pena de nulidade absoluta e irremediável porque viola a separação de poderes expressa no artigo 99 da Constituição. “Ou seja, se o fizer, a norma legislativa é considerada inexistente”, escreveu.

Eduardo Barcesat, um advogado constitucionalista próximo ao kirchnerismo, também disse que o DNU emitido pelo governo não é legal. Durante entrevista à Rádio 10, ele lembrou o mesmo marco legal de seus colegas, embora tenha ido além e dito que se tratava de um “golpe de Estado constitucional”.

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Por sua vez, o constitucionalista Felix Lonigro disse que o decreto pode se tornar constitucional, embora o tenha chamado de “institucionalmente imoral”. “O DNU é constitucional na medida em que o presidente tem o poder de exercer poderes legislativos. O que podemos discutir é se há uma necessidade e urgência efetivas”, argumentou.

Enquanto isso, o presidente, Javier Milei, achou tempo para zombar das pessoas que promoveram um “panelaço” contra as medidas, durante seu discurso em cadeia nacional de rádio e TV. Na rede social Instagram, o presidente postou uma imagem em que um homem é visto protestando dentro de uma cela, com Milei fechando a porta.