Copom tenta segurar precificação de juros futuros e reduz possibilidade de acelerar cortes, dizem analistas

Comitê até admite hipótese de cortes maiores, mas eleva a "barra" de condições para que isso aconteça, o que torna a decisão improvável

Roberto de Lira

(Shutterstock)

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A Ata do Copom divulgada nesta terça-feira (8) utilizou uma linguagem mais dura para compensar a decisão de iniciar o ciclo de cortes em ritmo mais ousado, de 0,50 ponto percentual, na opinião de economistas. Essa percepção fica clara, segundo eles, não só na indicação que a velocidade de 50 pontos-base seria a mais adequada nas próxima reuniões, mas porque o Comitê elevou a “barra” de condições para que uma intensificação de ritmo possa ser cogitada.

Os analistas destacaram especialmente o trecho do parágrafo 18 do documento, que cita a necessidade de “surpresas positivas substanciais” para elevar ainda mais a confiança na dinâmica desinflacionária como um desse condicionantes. Entre essas “surpresas”, são citadas uma reancoragem bem mais sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma dinâmica mais benigna do que a esperada da inflação de serviços.

Para Marco Caruso, economista-chefe do Pic Pay, esse tom “hawkish” do documento já era esperado porque o Copom precisa  segura a curva futura de juros “na unha ou no gogó” após o início de flexibilização mais agressivo. “O ponto importante que foi dito é que o travessão para acelerar o ritmo de cortes é alto”, define.

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“A preocupação do Copom é evitar que o mercado precifique chances muito grandes de ele acelerar o ritmo de cortes, para 0,75 p.p. ou acima disso. O que ele quer desenhar é que o cenário básico é de vários cortes de 50 pontos-base, manter esse ritmo e que o travessão para ele acelerar é bastante alto”, comenta o economista.

Ao listar explicitamente as condições que poderiam levar a uma aceleração do ritmo, Caruso acredita que o Copom quis deixar claro que não será qualquer surpresa de inflação menor que o fará mudar o plano de voo.

“Dá interpretar que (o BC) precisa que as expectativas de inflação, que hoje estão desancoradas, voltem a se reancorar no entorno da meta de 3% (hoje estão em 3,5%). Isso é o que ele tentou vender. Nos parágrafos finais, tenta qualificar o cenário básico com expressões bem fortes, como falar que precisa de surpresas substanciais da inflação, ou de mudanças importantes nos fundamentos da economia para que opte por acelerar o ritmo de corte”, explica.

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Caruso prevê que o BC deve conseguir reancorar os cortes precificados para mais perto de 50 pontos-base nas duas próximas reuniões do Copom, mas adverte que, a partir da virada do ano, o mercado vai colocar um viés de aceleração. “Porque 0,50 p.p. é piso. Claro que precisaria de um cenário básico de inflação muito menor mas, uma vez que largou com 50 pb, é natural colocar uma probabilidade de 75pb”, diz.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, segue o mesmo raciocínio. Para ela, a Ata do Copom trouxe um tom mais duro para reforçar o cenário de cautela, mesmo com a escolha do corte de 0,50 p.p.

“Na avaliação dos riscos que impactam as expectativas de inflação mais longas, que ainda estão acima da meta, o Copom volta a mencionar o ajuste fiscal, ainda incerto, e possíveis políticas parafiscais, como crédito direcionado, que podem manter a atual desancoragem parcial”, alerta.

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A economista do Iter cita ainda que a influência política na composição do Copom também foi mencionada como potencial detrator de credibilidade do BC e que o Copom reforçou a importância do trabalho independente do colegiado nesse sentido.

Ela também destaca o fato de documento ter considerado o corte de 0,50 p.p, como parcimonioso no atual cenário, o que permite que a política monetária continue contracionista por um período ainda longo, garantindo a convergência da inflação para a meta até 2025.

“De fato, com a Selic no atual patamar, nesse ritmo de cortes teríamos 10 reuniões até chegar a uma taxa próxima de 9%, no segundo semestre de 2024, quando o ritmo poderia ser então reduzido, ou mesmo pausado”, analisa Rafaela.

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Portanto, ele também acredita que a Ata afasta expectativas de aceleração dos cortes nas próximas reuniões, como está precificado na curva de juros. “Por outro lado, o cenário externo também é de cautela e pode impactar a expectativa de piso para a Selic nesse primeiro momento do ajuste, com a taxa terminal mais próxima de 9%”, prevê.

Mirella Hirakawa, economista da Az Quest, diz que o texto da Ata tem o mérito de explicar que motivos levaram o BC a optar por uma velocidade inicial maior no início de corte de juros, uma vez que havia unanimidade a respeito do início da flexibilização da política monetária. “A reancoragem das expectativas, vindo principalmente da confirmação da meta de inflação, assim como a dinâmica da inflação, propiciaram esse início de corte”, comenta.

Ela elogia também a transparência sobre a função de reação tanto do grupo mais cauteloso de diretores, que voto por um corte de 0,25 p.p., como a do grupo que é lido como mais “dovish” e que acabou definindo o corte de 50 pontos-base.

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Segundo a Ata, diz Mirella, o grupo da parcimônia deixou muito claro que, entre uma reunião e outra, não houve grandes eventos que justificariam alteração do que foi sinalizado na reunião de junho, de início de cortes cauteloso. os outros diretores, no entanto, entendiam que havia espaço para acelerar, com as justificativas da taxa alta de partida e a dinâmica recente da inflação.

Na visão da economista da Az Quest, esse grupo colocou mais peso em sua avaliação na surpresa positiva do IPCA-15 de julho, que teve uma composição mais benigna, após a surpresa negativa do IPCA cheio de junho, que mostrou piora na inflação de serviços subjacentes.

Ainda que o BC tenha apontado que a probabilidade da intensificação adicional do ritmo de ajuste é pouco provável e que o cenário base da AZ Quest seja de cortes de 50 bps na reuniões seguintes, Mirella afirma que há um “risco” de aceleração do ritmo, uma vez que o BC colocou as condições para isso.

Sobre a taxa do final do ciclo, a economista diz que o BC se comprometeu com a linha adotada de necessidade de cautela e serenidade, com a taxa de juros contracionista pelo horizonte relevante. “Na nossa expectativa, pela comunicação que ele traz, parece que 9% é uma taxa de juros compatível com o final de ciclo no primeiro trimestre de 2025”, prevê.

Risco fiscal

A XP Investimentos também vê uma intenção do BC de reforçar os pontos de análise tom mais duro durante a reunião. O documento abre algum espaço aparentemente improvável para uma aceleração dos cortes, segundo a análise da XP, ao descrever as condições necessárias para que isso aconteça.

Essas condições são a reancoragem mais sólida das expectativas, a ampliação acentuada do hiato do produto ou uma dinâmica de inflação de serviços substancialmente mais benigna do que o esperado. Segundo a XP, o Copom poderia simplesmente ter dito que isso não irá acontecer.

“A Ata reforça nosso cenário de cortes de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões, com a taxa Selic encerrando 2023 em 11,75%. Vemos a política fiscal expansionista como uma restrição para um afrouxamento monetário muito mais profundo em 2024, se o Copom pretender atingir a meta de 3,0%”, comenta a XP

Outro ponto destacado no documento foi a análise de que o panorama internacional é incerto, embora a Ata aponte que “a sincronização da política monetária contracionista pode ter um impacto maior do que o esperado no hiato do produto global e no processo de desinflação”, diz a XP.

Para o Brasil, o Comitê vê moderação da atividade econômica, mas o hiato do produto pode ser “mais apertado do que o previsto no cenário de referência”. Sobre a inflação, a primeira etapa do processo desinflacionário “se mostrou mais profunda do que o esperado”, mas não necessariamente ajuda na segunda etapa, devido à volatilidade de alimentos e bens industriais.

André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, também destaca que a Ata trouxe questões mais estruturais sobre o hiato do produto, sobre dinâmica do mercado de trabalho e dos fatores que fazem as expetativas ficarem desancoradas.

“De maneira geral, a Ata veio em linha com o que esperávamos, visto que houve um detalhamento do porquê a evolução do cenário desde a última reunião permitiu acumular a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual (-0,50 p.p.), e não parcimonioso (-0,25 p.p.), de flexibilização da política monetária”, afirma.

Ele cita o ponto do documento no qual é descrito que o grupo de diretores que votou na redução em 0,50 p.p., observou que a redução das expectativas de inflação reduz o custo da desinflação e também tem impacto sobre o juro real ex ante. “Além disso, para esse grupo, houve clara melhora nos índices de inflação cheia e, apesar da inflação de serviços seguir elevada, ela segue desacelerando na margem”, destaca.

Nunes também lembra que o outro grupo, mais conservador, defendeu que a própria comunicação do Comitê já apontava para cautela e parcimônia, mesmo com o cenário mais benigno e que, por isso, não havia elementos que justificassem uma reavaliação dessa sinalização. “Ou seja, apesar desse grupo mais parcimonioso entender que o cenário atual é benigno, não o é a ponto de iniciar o ciclo de flexibilização de forma mais intensa”, comenta

Para Nunes, a ponderação do Copom sobre a necessidade “surpresas substanciais” para acelerar o ritmo deve proporcionar uma maior confiança para a previsão do mercado de uma taxa Selic em 11,75% no final do ano.

André Fernandes, sócio da A7 Capital, a Ata deixa claro que é consenso não aumentar o ritmo dos cortes, esvaziando, portanto, pequenas apostas do mercado de um corte de -0,75 p.p. ainda esse ano. “Isso não deve acontecer, pelo menos ainda nesse ano. Citaram uma reancoragem das expectativas da inflação, que ajudaram na decisão de corte na Selic, além de inflação de serviços que estava persistente, mas segue desacelerando, mesmo que em um ritmo mais lento, o que de alguma forma é positivo.”

João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro, também classifica a linguagem da Ata como mais dura (“hawkish”) pelo conteúdo do parágrafo em que o Copom discorre sobre os próximos passos da política monetária. “Nesse trecho, não fecha a porta, mas coloca a ‘barra’ bastante alta para uma intensificação no ritmo de cortes de juros”, afirma.

“Ao julgar como pouco provável, detalha e qualifica os condicionantes para esse movimento de intensificação dos cortes, atestando que eles exigiriam surpresas positivas substanciais, capazes de alterar de forma significativa os fundamentos da desinflação atual. Isto é, envolveriam uma reancoragem bem mais sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma dinâmica substancialmente mais benigna do que a esperada da inflação de serviços.”

Ritmo adequado?

Na análise do Itaú, o Comitê, de modo geral, parece convencido de que o ritmo de 0,50 ponto percentual estabelecido na semana passada é o adequado.

“O texto estabelece uma barra relativamente alta para a aceleração do processo de flexibilização, o que exigiria uma reancoragem mais forte das expectativas, uma ampliação mais acentuada do hiato do produto ou uma inflação de preços de serviços substancialmente menor. Deixando implícito que, se qualquer uma dessas condições for atendidas, a situação pode mudar”, diz o banco.

Para o Itaú, com base nesta comunicação e no fluxo de dados esperado, a projeção é que a Selic encerrará o ano em 11,75% a.a. “Mas não podemos descartar uma flexibilização mais rápida, principalmente no final do ano. O comitê também indica que espera manter a taxa Selic em território contracionista ao longo do ciclo.”

Para o Santander Brasil, discordâncias à parte, a Ata reforça a sinalização do BC de um plano de voo com cortes de 0,50 p.p. adiante, velocidade vista como oportuna em função da necessidade, entendida por todo o Comitê, de manutenção de uma postura monetária contracionista ao longo do horizonte de projeção.

“Nosso entendimento foi que, através da ata do Copom, o BC procurou manter a barra em um patamar elevado para uma eventual aceleração no passo deste processo de flexibilização na taxa de juros. Contudo, a autoridade reserva alguma flexibilidade para alterar o plano de voo de acordo com a evolução do cenário”, diz a análise assinada por Mauricio Oreng e Henrique Danyi.

Adriana Dupita, economista sênior da Bloomberg Economics, analisa que o Copom usou sua Ata enviar dois sinais menos “dovish” sobre a perspectiva da taxa de juros. O primeiro sinal foi que o Comitê estabeleceu um grande obstáculo para maiores cortes nas taxas daqui para frente. Em segundo lugar, sinalizou que a política monetária permanecerá rígida até 2025.

“Isso sugere que os integrantes do Comitê podem diminuir o ritmo dos cortes no próximo ano. O resultado foi consistente com nossas projeções de Selic de 11,75% ao final do ano e 9% ao final de 2024”, afirma Adriana.

A economista diz ainda que o mercado pode ler os comentários sobre um corte maior como “dovish”, mas ele se diz cética de que qualquer uma das condições descritas na Ata será atendida na reunião de 20 de setembro.

“Em nossa opinião, a referência é uma tentativa de definir um padrão tão alto que desencoraja as apostas em uma jogada maior. Apesar da orientação futura na declaração pós-reunião, os mercados precificaram cerca de 20% de chances de um corte maior que 50 pontos-base na próxima reunião”, comenta.