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A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 15% nesta quarta-feira (10) não trouxe surpresas, mas fez com que o mercado pegasse uma lupa para ler e analisar o comunicado que embasa a decisão. E o texto pode ter sido um “banho de água fria” para quem estimava um início do ciclo de cortes na próxima reunião, marcada para 27 e 28 de janeiro.
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No comunicado, o Copom reafirmou a necessidade de “cautela” diante de um cenário de “elevada incerteza”. Os dirigentes mantiveram a estratégia de juros altos “por período bastante prolongado” a fim de convergir a inflação à meta. De acordo com o Copom, ainda há riscos para a inflação, como a desancoragem das expectativas, a resiliência da inflação de serviços, a conjunção das políticas econômicas interna e externa.
Comunicado ‘ligeiramente’ hawkish
Danilo Passos, economista da WHG, destaca que o Banco Central (BC) até reconhece um cenário de inflação um pouco melhor, mas opta por não alterar a comunicação sobre os próximos passos. “Para um mercado que já precifica início de cortes entre janeiro e março de 2026 e um ciclo total em torno de 250 bps, a decisão de repetir o recado de higher for longer tende a ser interpretada como ligeiramente hawkish, por não preparar explicitamente o terreno para o início do afrouxamento”, diz.
A escolha das expressões usadas no comunicado levaram a uma análise de tom mais suavizado, na avaliação de Leonardo Costa, economista do ASA. Na interpretação da frase “a estratégia em curso, de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado, é adequada”, a inclusão de “em curso” pode indicar que o Banco Central avalia que a estratégia já está em execução e vem produzindo os efeitos esperados, “tornando a ênfase menos prescritiva e mais descritiva do quadro atual”. Para ele, o comunicado está “neutro para levemente hawkish”, com potencial de esvaziar parte da aposta do mercado de corte já na reunião de janeiro de 2026.
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José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, destaca “nuancer importantes” no comunicado. Ele cita a substituição do termo “suficiente” por “adequada”, io que “não é trivial”. “Na reunião anterior, o Comitê entendia que 15% era suficiente. Agora, considera que este é o nível que deve ser mantido — o patamar adequado — sem sugerir a necessidade de elevação adicional”, avalia.
Ian Lima, gestor de renda fixa da Inter Asset, avalia que o comunicado veio duro e pode afetar os contratos de juros com vencimentos mais curtos, até 12 meses.
Inflação, riscos e PIB
A projeção da inflação para o horizonte relevante (segundo trimestre de 2027), apontada pelo Copom, recuou de 3,3% para 3,2%, aproximando-se um pouco mais da meta, de 3%.
Para Bruno Perri, economista-chefe e sócio-fundador da Forum Investimentos, o reforço da referência à meta de 3% é “um banho de água fria no mercado que entendia que, por conta da inflação corrente estar abaixo do teto da meta e que a atividade estava mais fraca, de que ele poderia dar uma certa suavizada” indicando corte de juros no curto prazo.
Costa, do ASA, avalia que o balanço de riscos foi mantido como equilibrado, mas o Copom reforçou que eles seguem mais elevados do que o usual.
Gustavo Assis, CEO da Asset Bank, afirma que a combinação de juro doméstico elevado e câmbio pressionado encarece insumos importados e obriga produtores rurais a revisarem planejamento financeiro.
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Volnei Eyng, CEO da Multiplike, afirma que a decisão do Copom indica prudência, já que o comitê preferiu observar a evolução da inflação e das incertezas políticas antes de iniciar o ciclo de cortes.
Indústria e construção sentem o peso dos juros
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu comunicado criticando a decisão do Copom. Segundo o presidente da CNI, Ricardo Alban, a desaceleração econômica, a queda da inflação e a perda de ritmo do mercado de trabalho já seriam motivos suficientes para o início do ciclo de corte de juros. “A manutenção dos juros nesse patamar tão elevado é excessiva e prejudicial, uma vez que intensifica a perda de ritmo da atividade econômica, encarece muito o crédito, inibe o investimento e penaliza a competitividade da indústria”, afirma Alban.
Para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a manutenção da Selic em 15% é “consequência direta de uma política fiscal considerada desequilibrada, marcada por sucessivas expansões de gastos públicos.” O presidente da federação, Flávio Roscoe, destaca que os juros altos inibem a atividade produtiva.
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A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) citou que a decisão trouxe “apreensão” para o setor. “Uma taxa de juros alta desestimula investimentos de longo prazo, que são a base dos projetos habitacionais e de infraestrutura”, disse Renato Correia, presidente da CBIC.
Projeções
A XP, o ASA e a WHG mantêm a projeção de início de ciclo de corte em março, com reduções de 50 bps por reunião até chegar a 12% em novembro de 2026. Gustavo Rostelato, economista da Armor Capital; Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos; Lima, da Inter Asset; e Rafael Cardoso, economista-chefe do Daycoval, também seguem no coro de cortes ao fim do primeiro trimestre do ano que vem.
Marcelo Bolzan, planejador financeiro e sócio da The Hill Capital, também estima que a reunião de janeiro deve manter a Selic em 15%. Para ele, o “tom duro joga para março” a possibilidade de corte.
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Perri, da Forum Investimentos, diz que o corte em janeiro ficou “on hold”(em espera, em tradução livre). “Eu estava esperando muito algo que sinalizasse um corte em janeiro. Eu acho que isso ficou um pouquinho on hold agora, talvez a ata na semana que vem traga mais detalhamento e a gente possa recalibrar as expectativas”, avalia.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, está ainda mais conservador na leitura da postura do Copom. Ele afirma que o início do afrouxamento monetário deverá ocorrer somente em abril, “uma vez que a autoridade busca construir sua credibilidade”, avalia.
Luis Felipe Vital, Cecilia Mazzoni e Thais Borges, da Warren, afirmam que a falta de sinalização do Copom sobre o início do ciclo de cortes pode ter ocorrido porque o comitê ainda não decidiu. “”A velocidade de reancoragem é lenta e a resposta do mercado de trabalho, embora mostre os primeiros sinais de inflexão, ainda é incipiente. Nesse contexto, o Comitê pode entender que não faz sentido assumir um compromisso mais explícito com corte já na próxima reunião”, dizem. Além disso, eles citam que, por mais que o Copom conte com “alto nível de governança e institucionalidade, um comprometimento explícito às vésperas da saída de dois diretores poderia gerar uma situação indesejada para os novos entrantes. Assim, a decisão permanece em aberto para discussão em janeiro.”
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Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter, está projetando corte em janeiro, desde que condicionada a nova evolução positiva de cenário. “Projetamos nova queda da inflação nos próximos meses, com a atividade desacelerando o que deve resultar em novas revisões de baixa das expectativas e abrir espaço para o início dos cortes no começo de 2026”, diz.
Vitória destaca que o risco político-fiscal pode ter impacto negativo na expectativa de queda da Selic em 2026. “As medidas de aumento de gastos, incluindo a isenção de IR em 2026 e medidas de expansão no crédito direcionado, podem reaquecer a demanda e resultar em uma reaceleração da inflação, adiando o início dos cortes de juros pelo Banco Central. Além disso, um aumento na percepção de risco pode também elevar o câmbio e manter a inflação acima da meta, também resultando em um prolongamento do aperto monetário por parte do Copom”, afirma.
Segundo a XP, este movimento de cortes da Selic em 2026 levaria a taxa de juro real para algo em torno de 7,5%, acima do que é considerado um nível neutro (5,5%), o que reflete “os desafios fiscais esperados para o próximo mandato presidencial”.
Veja abaixo o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central após reunião de política monetária:
“O ambiente externo ainda se mantém incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos, com reflexos nas condições financeiras globais. Tal cenário exige cautela por parte de países emergentes em ambiente marcado por tensão geopolítica.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores segue apresentando, conforme esperado, trajetória de moderação no crescimento da atividade econômica, como observado na última divulgação do PIB, enquanto o mercado de trabalho mostra resiliência. Nas divulgações mais recentes, a inflação cheia e as medidas subjacentes seguiram apresentando algum arrefecimento, mas mantiveram-se acima da meta para a inflação.
As expectativas de inflação para 2025 e 2026 apuradas pela pesquisa Focus permanecem em valores acima da meta, situando-se em 4,4% e 4,2%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o segundo trimestre de 2027, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,2% no cenário de referência.
Os riscos para a inflação, tanto de alta quanto de baixa, seguem mais elevados do que o usual. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais positivo; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário maior que o esperado, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma eventual desaceleração da atividade econômica doméstica mais acentuada do que a projetada, tendo impactos sobre o cenário de inflação; (ii) uma desaceleração global mais pronunciada decorrente do choque de comércio e de um cenário de maior incerteza; e (iii) uma redução nos preços das commodities com efeitos desinflacionários.
O Comitê segue acompanhando os anúncios referentes à imposição de tarifas comerciais pelos EUA ao Brasil, e como os desenvolvimentos da política fiscal doméstica impactam a política monetária e os ativos financeiros, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza. O cenário segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho. Para assegurar a convergência da inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas, exige-se uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado.
O Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 15,00% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
O cenário atual, marcado por elevada incerteza, exige cautela na condução da política monetária. O Comitê avalia que a estratégia em curso, de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado, é adequada para assegurar a convergência da inflação à meta. O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que, como usual, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Gabriel Muricca Galípolo (presidente), Ailton de Aquino Santos, Diogo Abry Guillen, Gilneu Francisco Astolfi Vivan, Izabela Moreira Correa, Nilton José Schneider David, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.”