Copom foi sutil ao citar risco fiscal e completou recado com projeções ligeiramente mais altas, dizem analistas

Comunicado do comitê diz que incerteza fiscal é "elevada" e reviu para cima inflação de 2022, 2023 e 2024, destacaram os especialistas

Roberto de Lira

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A sutileza foi a estratégia adotada hoje pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em seu comunicado para explicar a decisão de manter a taxa Selic em 13,75%, segundo a avaliação de analistas e economistas. A introdução da palavra “elevada” ao citar a incerteza em relação ao novo arcabouço fiscal e os estímulos fiscais adicionais pelo novo governo e uma ligeira piora nas projeções de inflação para 2022, 2023 e 2024, foram as “novidades” citadas.

Adriana Dupita, economista para Brasil e Argentina da Bloomberg Economics, disse que esperava alguma recado até mais duro do Banco Central sobre a questão fiscal, levando em consideração os últimos comentários públicos do presidente Roberto Campos Neto. “A referência foi até sutil”, disse a economista.

Ela também não viu na elevação das projeções de inflação pelo colegiado do BC motivo suficiente para afirmar que uma alta de juros está por vir. Ela ainda acredita que os juros devem começar a cair no início do segundo semestre de 2023 e fechar o ano por volta de 11%. Isso se não acontecerem novas surpresas no campo fiscal, como uma elevação do crédito subsidiado.

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Fabiano Zimmermann, gestor de renda fixa da ASA, também esperava um comunicado mais duro. Para ele, o BC poderia se comunicar elevando suas projeções de inflação ou na avaliação de seu balanço de riscos. Como não havia motivo técnico suficiente para mandar esse recado via projeções, uma vez que o petróleo e o câmbio atuais não permitiam tal mudança, “sobrou para o balanço de riscos”, disse em entrevista ao vivo no canal do InfoMoney no Youtube.

Ainda assim, o Copom optou por um balanço “simétrico”, colocando um número igual de riscos tanto de alta como de baixa da inflação.

Fabio Akira, economista chefe da gestora Blueline, também convidado do programa, concorda que o BC passou um recado sutil, muito porque há dúvidas sobre o tamanho da expansão fiscal que o próximo governo vai conseguir aprovar no Congresso.

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Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, viu uma tentativa do Copom de fazer uma composição entre o recado de risco fiscal e as projeções de inflação. Ela lembra que a estimativa subiu de 5,8% para 6% em 2022, de 4,8% para 5% em 2023 e de 2,9% para 3% em 2024. “Tem uma projeção em todo o seu horizonte mais elevada, o que é uma mensagem somada ao comentário fiscal mais “hawkish””, afirmou.

Para Mirella, o BC se mostrou cauteloso, esperando o efeito da elevação dos gastos nos ativos para depois se manifestar de forma mais enfática.

Segundo Vitor Martello, economista chefe da Parcitas Investimentos, ao se referirem à incerteza fiscal como “elevada”, o BC mostra que risco parece ter aumentado. “O BC mudou pouco a cabeça com relação à convergência da inflação em seu cenário base, mas o risco hoje parece maior e os próximos passos dependerão do quanto a discussão fiscal contaminará as expectativas”, disse.

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Para a XP Investimentos, por ora, ainda é cedo para o Copom alterar a postura da política monetária. “Acreditamos que o Copom permanecerá no modo “esperar para ver” até que haja sinais mais claros sobre o próximo quadro fiscal”, afirmou em relatório.

“A nosso ver, a estratégia do banco central parece estar funcionando. A taxa Selic em patamar contracionista está esfriando a demanda doméstica e as expectativas de inflação de curto prazo; e a desinflação global está se tornando mais clara”, disse a XP.

Para o Goldman Sachs, o cenário mais provável é que o Copom seja estável e paciente e mantenha a taxa básica de juros na atual posição monetária significativamente restritiva por algum tempo. “Consequentemente, esperamos que o Copom espere até o final do segundo trimestre de 2023, ou possivelmente o terceiro trimestre, para começar a cortar as taxas”, afirmou o banco de investimentos em relatório.

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Para o curto prazo, entre 4 e 5 meses, o risco de que a Selic tenha que subir ainda mais é baixo, segundo o banco, “mas uma postura conservadora é justificada devido aos serviços ainda intensos e pressões inflacionárias centrais, atividade real sólida e dinâmica do mercado de trabalho alta incerteza em torno da postura fiscal e sinalização do Fomc de um ciclo de aperto mais longo”, listou o Goldman Sachs.

Evitando o ‘ruído’

Para Laura Moraes, economista da Neo Investimentos, o BC indicou os principais canais para o impacto do risco fiscal para a política monetária: preços de ativos e expectativas de inflação. “Outro ponto importante é que o BC não alterou o balanço de riscos, isto é, ainda considera que existem riscos para ambos os lados. Para nós, sinalizar qualquer atitude agora em decorrência da PEC de Transição poderia gerar ainda mais ruído em torno do tema”, ponderou.

Marcos Caruso, economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, foi outro analista que viu na sutileza do comunicado um indício de que uma alta de juros não está no horizonte. Ele acredita que o BC apenas acenou que vai perseverar no atual patamar da Selic para avaliara melhor se a desinflação esperada vai mesmo acontecer.

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“Não é mudança de alguém que está pensando em fazer alteração na sua estratégia e também está em compasso de espera sobre a postura fiscal. (BC) Só seria reativo se a piora nos ativos ou nas expectativas fosse muito grande”, disse.

Com esse quadro Carlos Lopes, economista do Banco BV, disse que as projeções mostram uma – ainda ligeira – piora, o que reforça a cautela do BC. Para o banco, a Selic deve permanecer no atual patamar até a segunda metade do ano que vem, quando deve começar um ciclo de queda, até fechar em 12% no final do ano. Ou seja, será uma queda de juros tardia e lenta. “O risco é se tiver gestão (fiscal) pior e aí pode não ter queda no ano que vem”, advertiu.

Alta não está descartada

Gustavo Berttotti, economista chefe da Messem, não descarta um cenário pior em 2023 e disse que o comunicado do Copom deixou porta aberta para aumento residual dos juros, caso necessário. “O comunicado da autoridade monetária mostrou um viés de preocupação com a ancoragem fiscal no Brasil, além de um balanço de riscos sobre o mercado internacional”, alertou.

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Já Patrícia Pereira, estrategista-chefe da MAG Investimentos disse que confirmação da política econômica do próximo governo será crucial para definir os próximos passos da política monetária. “Se confirmadas as recentes sinalizações de expansão fiscal, o Banco Central deve voltar a aumentar as taxas de juros, para evitar maior desancoragem da inflação e das suas expectativas”, afirmou.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, avalia que o BC ainda espera cortar os juros no segundo semestre do ano que vem, mas que dificilmente vai conseguir. “Nosso cenário é de manutenção durante todo o ano porque ainda não seu viu a precificação (da expansão fiscal) nos ativos”, disse.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, também acredita que o Copom deixou claro que há espaço para novos ajustes caso os integrantes do comitê entendam que expectativas inflacionárias estão desencorando.

“Um ponto que chamou atenção é que eles dão atenção especial ao desenrolar dos eventos futuros por conta da política fiscal. Esse é um ponto muito preocupante. Apesar do tom neutro, o comitê fez questão de enfatizar sua preocupação com os efeitos que pode ter sobre os preços e expectativas de inflação no futuro”, destacou.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, viu no comunicado um tom de bastante ressalva e cautela. “A palavra de ordem, sem dúvida alguma, é vigilância para não deixar a inflação sair do controle, pois a maioria das variáveis pode mudar rapidamente o cenário base do Copom”, afirmou.

“O Comitê resolveu alongar o período de estabilização do processo inflacionário de 2023, estendendo até 2024, já sinalizando que o inverno no mercado de renda fixa poderá perdurar por mais tempo”, previu.