BC surpreende ao sinalizar que ciclo de corte de juros pode ter chegado ao fim

Autoridade monetária reduziu a taxa ontem de 4,25% para 3,75% ao ano, seu menor patamar histórico

Anderson Figo

SÃO PAULO — O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) cortou ontem a taxa básica de juros brasileira em 0,5 ponto percentual, levando a Selic a 3,75% ao ano, seu menor patamar histórico.

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A decisão já era esperada por 18 dos 36 economistas consultados pela Bloomberg antes da reunião da autoridade monetária. Três esperavam manutenção dos juros, 12 previam uma redução mais amena, de 0,25 ponto percentual, e três viam um afrouxamento de 0,75 ponto.

O que surpreendeu, no entanto, foi o tom adotado pelo BC no comunicado de sua decisão. Segundo economistas, a autoridade demonstrou estar preocupada com a inflação no próximo ano, sinalizando que o ciclo de cortes da Selic pode ter acabado.

“O Banco Central reconhece a deterioração das perspectivas de crescimento impulsionadas pela pandemia da Covid-19 e sua previsão de inflação condicional mostra uma perspectiva ainda relativamente confortável para a inflação em 2021 em relação à meta de 3,75%, assumindo uma taxa de câmbio na casa de R$ 4,75”, disse Alberto Ramos, do Goldman Sachs.

Segundo o economista, a reação do BC agora será muito mais sensível à inflação projetada para 2021 do que a projetada para 2020. Ramos ressaltou que o comunicado do Copom trouxe um apelo mais explícito a um progresso adicional na frente de reformas e alertou que a falta desse progresso e na agenda de consolidação fiscal pode resultar em taxas estruturais mais altas.

“Neste caso, uma flexibilização monetária adicional pode ser contraproducente e resultar em condições financeiras mais restritas”, avaliou. “De maneira geral, o Copom afirmou que o ambiente atual exige cautela na condução da política monetária, e orientações futuras sugerem que o corte na taxa de 50 pontos base é possivelmente uma ação pontual.”

Ou seja, na avaliação de Ramos, o Copom não está inclinado a cortar ainda mais a Selic, mas ao mesmo tempo permanece com a mente aberta para agir novamente se os dados recebidos sugerirem e apoiarem isso.

“Apesar das orientações hawkish, existe uma probabilidade razoável de que o Copom acabe cortando ainda mais, pois esperamos que a economia enfraqueça significativamente em 2020 (a previsão de crescimento do PIB real foi rebaixada para -0,9%), condições financeiras domésticas aumentaram acentuadamente, o já grande hiato do produto deve aumentar ainda mais, as expectativas de inflação permanecem bem ancoradas, as previsões de inflação condicional permanecem confortáveis ​​(principalmente para o núcleo) e temos assistido a uma mudança significativa em direção à acomodação monetária adicional nas economias de desenvolvidas e emergentes”, concluiu o economista.

Em linha, o economista Marcos Ross, da XP, afirmou que a decisão do BC parece colocar mais peso em um possível estancamento das reformas e em um possível excesso de estímulo fiscal no curto prazo do que no quadro geral de desaceleração.

Segundo ele, o descontrole fiscal poderia agravar ainda mais as condições financeiras da economia. “Assim, o BC parece devolver ao congresso e ao executivo a responsabilidade que lhe foi imposta de agir como protagonista contra a crise”, disse.

A deterioração econômica deve seguir em curso e o comitê, apesar da cautela, seguirá sendo testado pelas condições econômicas, na visão de Ross. “A chance do crescimento do PIB em 2020 ser negativo é grande. Além disso, o ambiente de incerteza global seguirá pressionando o câmbio e o choque negativo de oferta ainda precisa ser melhor entendido.”

A XP revisou sua projeção para a Selic ao final de 2020 de 2,75% para para 3,25% ao ano. A corretora acredita que o BC cortará mais 0,50 ponto percentual até a próxima reunião do Copom. “Uma reunião emerencial em abril, apesar de menos provável, ainda segue no radar. Para 2021, mantemos a Selic em 4,75% ao ano.”

Mudança de tom

O economista-chefe do UBS, Tony Volpon, destacou a mudança de tom no comunicado da decisão de ontem do BC em relação ao anúncio da reunião anterior.

Antes, o comitê ainda via “um ambiente relativamente favorável para economias emergentes”, apesar do fato de que o surto de coronavírus já estava acontecendo, principalmente em China. Agora, o Copom vê “uma desaceleração global significativa” e um “ambiente desafiador” para economias emergentes.

Para Volpon, o fato de o BC estar mais atento às projeções de inflação para 2021 do que para as de 2020 ao tomar sua decisão não pode ser a única coisa a ser avaliada para decretar o fim do ciclo de cortes da Selic neste ano.

“Previsões semelhantes indicavam a falta de espaço para cortes adicionais na taxa durante o ciclo que levou a Selic de 6,50% aos níveis atuais”, disse. O economista afirmou que os riscos para as perspectivas de inflação permanecem bilaterais.

“Por um lado, o nível de afrouxamento poderia levar a inflação abaixo das previsões, algo que poderia ser feito pior pelo surto de coronavírus. Por outro lado, o aumento da potência da política monetária, a deterioração com o cenário externo ou a frustração com as reformas podem elevar a inflação. Apesar de a probabilidade crescente de uma recessão global, o Copom não deixou claro qual é, para ele, o conjunto de riscos preponderante.”

Para Volpon, a surpresa no tom do Copom é que, segundo ele, o comitê ainda parece tratar o cenário econômico e a incerteza colocada pelo surto de coronavírus como apenas um fator entre muitos outros. “Temos uma visão muito diferente e, apesar do nosso erro em prever a decisão de ontem, mantemos nossa expectativa de que a Selic caia para 3,0% ao ano [em 2020].”

Novas projeções

O Credit Suisse era um dos bancos que previa a manutenção da Selic na reunião do Copom na reunião de ontem. Os economistas do banco Leonardo Fonseca e Lucas Vilela disseram que a decisão do BC surpreendeu, e eles mudaram sua visão para os juros neste ano.

“No geral, o comunicado divulgado após a reunião sugere que o Banco Central será mais sensível à evolução do cenário macroeconômico em suas próximas reuniões. No ambiente atual, o principal objetivo da autoridade monetária deve ser o de garantir a estabilidade do mercado financeiro, pois o impacto da redução da taxa de juros na atividade econômica deve ser menor do que usual e menos eficaz para compensar os efeitos negativos da crise do Covid-19”, disseram.

“Com mercados financeiros mais calmos, vemos alguns espaço para maior acomodação da política monetária como resultado da alta probabilidade de deterioração dos indicadores de atividade econômica próximos meses. Como resultado, esperamos agora que o Copom reduza a Selic em 50 pontos base, com a taxa caindo para 3,25% ao ano, ficando assim até meados de 2021.”

Para o economista-chefe do Itaú BBA, Mario Mesquita, ainda há espaço para um corte adicional na Selic, apesar de o BC ter indicado que o atual nível da Selic é adequado, mesmo tendo afirmado em seu comunicado que está lidando com um cenário incerto.

“Acreditamos que a Selic encerrará 2020 em 3,25% ao ano, uma vez que o pior do estresse do mercado financeiro relacionado ao coronavírus diminui [com o corte da Selic], mas não necessariamente ocorrerá o mesmo na próxima reunião de política [monetária do BC]. Saberemos mais sobre a estratégia do comitê com a divulgação da ata da reunião de ontem na terça-feira (24)”, disse.

Um pouco mais conservador, Dalton Gardimam, do Bradesco BBI, disse que não vê uma flexibilização monetária mais forte como a solução definitiva para a atual crise, devido às suas características de choque de oferta e demanda ao mesmo tempo.

“Por enquanto, apesar do cenário muito incerto, ainda esperamos uma taxa Selic no fim de 2020 de 3,75% ao ano — embora acreditemos que até a próxima reunião do Copom, o cenário precisará ser avaliado diariamente, principalmente dependendo da evolução do número de casos de Covid-19 e o desenvolvimento de ferramentas para combater o vírus.”

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.