Ata do Copom reforça que não há relação mecânica entre a política monetária e o novo arcabouço fiscal

Segundo a Ata, expectativas de inflação seguem desancoradas, em parte devido ao debate sobre uma possível alteração das metas de inflação

Roberto de Lira

(Getty Images)

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A Ata da Reunião do Copom realizada entre os dias 2 e 3 de maio, que decidiu mais uma vez pela manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano, reforça o entendimento pela autoridade monetária de que de que não há relação mecânica entre a política do BC e o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo governo.

Segundo o documento, isso é ilustrado pelo fato de que, entre as duas últimas reuniões do Copom, a probabilidade de os cenários mais extremos de trajetória da dívida pública se reduziu, mas não houve mudança relevante nas projeções de inflação, uma vez que as expectativas não se alteraram de forma significativa.

Apesar de ainda ter mantido em seu balanço de riscos a incerteza sobre o desenho final do acabouço que será aprovado pelo Congresso Nacional, o Copom avalia que a apresentação de uma proposta de novas regras fiscais reduziu parte das dúvidas advindas da política fiscal.

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“A materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia, o prêmio de risco associado aos ativos domésticos e, consequentemente, as projeções do Comitê.”

Expectativas ainda desancoradas

Para o BC, com relação à inflação de serviços e aos núcleos de inflação, observa-se maior resiliência e menor velocidade da desinflação nas últimas divulgações, em linha com o processo não linear que o Comitê já antecipava.

“Além disso, as expectativas de inflação seguem desancoradas, em parte relacionado ao questionamento sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras.”

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Segundo a Ata, o Copom enfatizou que a execução da política monetária, neste momento, requer serenidade e paciência para incorporar as defasagens inerentes ao controle da inflação através da taxa de juros e, assim, atingir os objetivos no horizonte relevante de política monetária.

“Nesse sentido, o Comitê avaliou que os cenários que poderiam requerer a retomada do ciclo de aperto monetário se tornaram menos prováveis.”

O Comitê diz que segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. Também informa que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.

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“O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.”

Processo de desinflação

Segundo a Ata, o Comitê avalia que a dinâmica da desinflação segue caracterizada por um processo com dois estágios distintos. No primeiro estágio, já encerrado, a velocidade de desinflação foi maior, com maior efeito sobre preços administrados e efeito indireto nos preços livres através de menor inércia.

No segundo estágio, que se observa atualmente, a velocidade de desinflação é menor e os núcleos de inflação, que respondem mais à demanda agregada e à política de juros, se reduzem em menor velocidade, respondendo ao hiato do produto e às expectativas de inflação futura.

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“Os dados inflacionários mais recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento, em linha com a visão de uma inflação movida por excessos de demanda, em particular no segmento de serviços”, diz a Ata.

Para o Copom, o processo desinflacionário em seu atual estágio demanda serenidade e paciência na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas.

Ainda na discussão sobre o comportamento inflacionário, os integrantes do colegiado enfatizaram na reunião o comportamento benigno recente nos preços de atacado, tanto na parte de alimentos quanto na parte de industriais, em linha com a visão do Comitê.

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Além disso, em função de um cenário hídrico confortável para este ano, adotou-se bandeira verde para dezembro de 2023.

“Ademais, buscando evitar que a hipótese sobre bandeiras tarifárias de energia, que inerentemente são envolvidas em bastante incerteza para horizontes mais longos, provoque um impacto excessivo nas projeções, com possíveis repercussões na condução da política monetária, optou-se por utilizar bandeira neutra, ou seja, verde para dezembro de 2024, inclusive em linha com a visão majoritária dos analistas explicitada no questionário pré-Copom.”

Em termos de trajetória de inflação ao consumidor ao longo de 2023, os diretores do BC ressaltam que se espera uma queda relevante na inflação acumulada em doze meses ao longo deste segundo trimestre em função do efeito base do ano anterior.

“No segundo semestre de 2023, como os efeitos das medidas tributárias que reduziram o nível de preços no terceiro trimestre de 2022 não estão mais incluídos na inflação acumulada em doze meses e ainda se terá a inclusão dos efeitos das medidas tributárias deste ano, se observará elevação do mesmo indicador.”

O Copom, portanto, enfatiza que tal comportamento não reflete a dinâmica inflacionária subjacente e nem altera a visão sobre as perspectivas futuras.

O Comitê também diz que segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta. “Ressaltou-se novamente que o comportamento das expectativas é um aspecto fundamental do processo inflacionário, uma vez que serve de guia para a definição de reajustes de preços e salários presentes e futuros”, diz a Ata.

“Assim, com a elevação de expectativas, há uma maior elevação de preços no período corrente e o processo inflacionário é alimentado por essas expectativas.”

Também foi ressaltado que a ancoragem de expectativas é um elemento essencial para a estabilidade de preços. “Neste contexto, o Comitê reforça que decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuiriam para um processo desinflacionário mais célere e menos custoso.”

Crédito

Sobre o cenário de concessão de crédito doméstico, o BC comenta na Ata do Copom que o comportamento parece compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária, ainda que persista uma diminuição mais acentuada da oferta de crédito em modalidades específicas.

“O Comitê antecipa uma moderação na concessão do crédito ao longo dos próximos meses, mas em linha com o que se observou em ciclos anteriores de aperto de política monetária. O Comitê reforça que o Banco Central possui os instrumentos de liquidez apropriados e necessários, ligados à política macroprudencial, para tratar das fricções relevantes localizadas no sistema, caso ocorram.”

Cenário externo

Ao analisar o ambiente externo, o Copom comenta que o baixo grau de ociosidade do mercado de trabalho em algumas economias e uma inflação corrente persistentemente elevada e disseminada no setor de serviços sugerem que pressões inflacionárias devem demorar a se dissipar.

“Nesse contexto, a redução das pressões inflacionárias continua a requerer o compromisso e a determinação dos bancos centrais com o controle da inflação, através da manutenção de um aperto de condições financeiras mais prolongado”, diz a Ata da reunião de maio.

Para o Comitê, tal determinação, ainda que com possível impacto sobre preços de ativos no curto prazo, aliado a uma desaceleração do crédito nas principais economias, contribui para um processo desinflacionário global mais “crível e duradouro”.

Segundo Copom, a despeito do limitado contágio da recente instabilidade financeira no setor bancário norte-americano, observa-se um maior aperto das condições de crédito naquele país.

Assim, ainda que a probabilidade de um cenário de disrupção no mercado de crédito tenha se reduzido, prevalece um cenário com maior restrição na oferta de crédito e, consequentemente, menor crescimento econômico.

“O Comitê seguirá acompanhando essa situação, analisando os possíveis canais de transmissão, mas avalia que o impacto direto sobre o sistema financeiro doméstico é limitado.”

O Comitê reforça no texto que a melhor contribuição da política monetária é no combate a pressões inflacionárias e na suavização de flutuações econômicas e ressalta novamente a separação de instrumentos entre os objetivos de controle da inflação e de estabilidade financeira.