Após recado ‘hawkish’ do Copom, mercado ajusta rota e projeções sobre manutenção da Selic

Projeções são de que ainda é possível iniciar cortes em setembro, mas que ritmo deve ser menor do que o esperado anteriormente

Roberto de Lira

(Getty Images)

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O recado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira (1), logo após ter anunciado a manutenção da taxa básica de juros em 13,75% ao ano, está levando a um ajuste de rota de várias casas de investimentos. Pelas avaliações, a Selic estacionar por mais tempo no atual patamar saiu do campo da probabilidade para uma possibilidade mais concreta. Quem não alterou suas projeções é porque já estava com uma leitura mais conservadora do que o consenso.

Os pontos do comunicado do colegiado mais destacados pelos analistas foram a piora nas expectativas de inflação para 2023 e 2024 e a inclusão de um cenário alternativo no qual a Selic é mantida até 2024, para trazer o IPCA para próximo da meta de 3%.

As projeções de inflação do Copom para 2023 em seu cenário de referência passaram de 5,0% para 5,6% entre as reuniões de dezembro e fevereiro, enquanto a variação de preços para 2024 saiu de 3% para 3,4% na mesma comparação. O comitê também informou que optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, referente ao terceiro trimestre de 2024, cuja projeção de inflação acumulada em doze meses situou-se em 3,6%.

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No novo cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante, as projeções de inflação ficam em 5,5% para 2023 e 3,1% para o terceiro trimestre de 2024 – para o ano de 2024, a estimativa é de 2,8%. E a diretora do BC ainda completou o comunicado dizendo que incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual.

Segundo o UBS BB, com essa mudança de projeções e metas, se a ata da reunião na semana que vem vier com a mesma mensagem “hawkish”, a Selic para o final de 2023 pode ficar em 12,25% ao invés da projeção original do banco, dede 11,25%. Para 2024, passará dos 9,0% projetados anteriormente para 9,5% (de 9,0% anteriormente).

“Só esperamos que eles cortem (os juros) porque temos uma projeção de inflação bem abaixo da pesquisa Focus. A gente espera que essa surpresa reduza as expectativas de inflação”, comentou em relatório. Por enquanto, o UBS BB ainda avaliar que o melhor ponto de partida do corte de juros é setembro.

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O Itaú também avalia que a revisão para cima da inflação em 2024, para 3,4%, veio um pouco maior do que o esperado. O banco elogiou o comunicado pelo fato de o comitê não ter se esquivado de sinalizar sobre a continuidade da incerteza sobre a política fiscal. E também o aviso que isso, somando à piora das expectativas de inflação em horizontes mais longos, exige uma política monetária mais atenta e implica um processo de desinflação mais custoso.

“Por enquanto, mantemos nossa projeção de Selic para o final do ano em 12,50%., mas a reunião traz incertezas adicionais sobre a viabilidade de cortes de juros neste ano”, ponderou o Itaú no relatório assinado pelo economista chefe Mario Mesquita.

A XP Investimentos disse que não alterou sua projeção para a Selic porque desde dezembro já trabalha com um cenário de manutenção dos atuais 13,75% até o início de 2024. O relatório XP Macro também classificou a declaração pós-reunião como “mais hawkish” do que o esperado.

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“Primeiro, as projeções de inflação do Copom subiram de 5,0% para 5,6% para 2023 e de 3,0% para 3,4% para 2024, em seu cenário de referência. Além disso, o Copom acrescentou um cenário alternativo em que a taxa Selic permanece estável ao longo de todo o horizonte relevante”, comentou.

Corte em setembro?

Para o Bank of America, a decisão e a comunicação do Copom vieram em linha a expectativa do banco de a Selic seria mantida um período mais longo. “Esperamos que o ciclo de cortes comece no segundo semestre, com uma sequência de cortes de 50 pontos-base desde a reunião de agosto, levando a taxa Selic para 11,75% ao final do ano”, previu.

Para o Bradesco, embora o tom do comunicado tenha seja inequivocamente de maior preocupação com a ancoragem das expectativas de inflação, a comunicação foi compatível com o cenário do banco de que a Selic permanecerá no atual patamar pela maior parte do ano, com redução gradual para 12,25% até o final de 2023.

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Segundo o banco, a estimativa incorpora também um contexto de desaceleração da atividade econômica e da inflação. “A consolidação desse cenário, no entanto, dependerá dos debates estruturais em curso, principalmente das sinalizações sobre o novo arcabouço fiscal e a sobre a meta de inflação”, argumentou em relatório.

Para o economista chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, o recado de manutenção de juros básicos mais altos por um período maior visa garantir a estabilidade dos preços, mas também mostra que o BC optou por cumprir não apenas seu papel no curto prazo, mas também mais a longo prazo. “O Banco Central colocou na mesa que a discussão é entre o cenário de referência e a Selic estável por um intervalo de tempo maior”, explicou Cardoso.

Por conta disso, a Daycoval Asset reviu suas projeções sobre o começo dos cortes na taxa Selic. Esse início de ciclo agora passou de agosto para setembro. “Nossa projeção atualizada é de que o ciclo inicie somente em setembro e em ritmo mais moderado, com 0,25 ponto e encerrar o ano em 12,5%”, disse Cardoso.

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Segundo ele, antes a Daycoval vai o ciclo se aprofundando em 2024 com 0,75 ponto. “Agora, nós projetamos somente 0,50 ponto de ritmo ao longo de 2024, chegando a 9%. Mas considerando a sinalização do BC no comunicado de hoje os cortes poderiam demorar ainda mais”, ponderou.

Sobre o IPCA, Cardoso destacou que a expectativa da Daycoval Asset é que a inflação feche 2023 próxima de 6%, desacelerando para 3,6% em 2024.

No Bradesco BBI, o cenário-base para a taxa Selic passou de 11,75% para 12,75% ao final de 2023, e de 8,5% para 9,5% em 2024. “A nosso ver, este comunicado trouxe uma postura bem mais ‘hawkish’, mostrando que, na visão do Copom, as atuais expectativas da pesquisa Focus foram insuficientes para a inflação convergir para suas metas. Portanto, sugerindo uma postura mais cautelosa”, comentou.

Para o Goldman Sachs, a orientação futura foi ajustada, com o Copom observando a tendência ascendente das expectativas de inflação de longo prazo desde a reunião de dezembro, ao mesmo tempo em que alertou que o atual cenário fiscal incerto e as expectativas de médio prazo se afastando da meta exigem mais atenção na calibração da política monetária.

Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, escreveu ontem na sequência da decisão do Copom que a ata da semana que vem deve lançar mais luz sobre a avaliação do cenário feita pelo BC, os riscos percebidos e a estratégia de política monetária. Mas, julgar pelo tom do comunicado, o BC vislumbra agora uma estratégia de manter a taxa de juros estável por mais tempo, dados os riscos fiscais e as repercussões de todo o debate de política econômica nas expectativas de inflação.

No cenário do banco, a projeção da Selic já estava acima do consenso, em 12,0% ao final de 2023. “Mas há poucas dúvidas de que as chances são de que os cortes nas taxas iniciais demorem ainda mais e que todo o eventual processo de flexibilização se desenrole muito mais lentamente à frente.”