Aperto monetário e alto endividamento continuam a pressionar o varejo, dizem analistas

Desinflação ajuda no desempenho de alimentos, enquantovarejo ampliado se favoreceu de incentivos, mas cenários ainda é de estagnação

Roberto de Lira

(Shutterstock)

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Mesmo com parte dos analistas destacando uma surpresa positiva com os dados das vendas no varejo de junho – o IBGE divulgou hoje que o volume ficou estável após a queda de maio -, a expectativa para o ano ainda é de um desempenho modesto, tanto por conta do atual nível de endividamento das famílias quando pelo patamar contracionista da taxa de juros. A previsão é que os efeitos do início da flexibilização monetária pelo Banco Central só apareçam em 2024.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, destacou que, no trimestre encerrado em junho, o setor acumulou queda de -0,3%, isso apesar da queda da inflação e da melhora nos dados de emprego e renda. “O setor varejista segue ainda impactado pelo aperto monetário e pela menor oferta de crédito observada no início do ano”, comentou.

A economista ponderou ainda o dado positivo do varejo ampliado – que mostrou crescimento de 1,2% no mês – não deve se repetir, uma vez que foi impulsionado pelos incentivos federais na venda de veículos.

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“A expectativa para o segundo semestre é de um baixo crescimento do comércio, apesar do início da redução dos juros. O comprometimento de renda das famílias ainda está elevado e a concessão de crédito só deve reagir ao cenário de queda dos juros a partir de 2024”.

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, também avaliou que, apesar da surpresa positiva em termos quantitativos, o resultado qualitativo da Pesquisa Mensal do Comércio não aponta para um cenário animador em termos de atividade econômica. “Algo preocupante tendo em vista a relevância do comércio tanto em termos de PIB quanto para o mercado de trabalho”, disse.

Ele explicou que, no caso do índice restrito, os movimentos que permitiram a interrupção de duas quedas consecutivas do indicador foram motivados ou pelo reflexo alguma correção ou por impactos de fatores sazonais. “No primeiro caso, destaque para a alta de 1,3% no grupo de hiper e supermercados, que ainda assim foi incapaz de reverter integralmente a queda de 3,3% observada em maio”, comparou.

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A venda de móveis e eletrodomésticos – que tem sido severamente afetada pelo efeito defasado da política monetária – foi outro exemplo citado e um possível respiro momentâneo, uma vez que teve alta de 0,8% no mês, interrompendo as duas quedas consecutivas, mas ainda seguiu negativo em 1,9% nos últimos doze meses.

Já crescimento de 1,4% do grupo de tecidos, vestuário e calçados, teve como explicação o fator sazonal, com o setor sendo afetado pela mudança de estação e a subsequente renovação das peças pelas lojas do setor.

Sobre a alta de 1,2% no varejo ampliado, puxada pelo crescimento de 8,5% do grupo de veículos, motocicletas, partes e peças, Pizzani também citou o reflexo direto da política de incentivos ao setor automobilístico. No entanto, esse incentivo não beneficiou a indústria, como pôde ser verificado nos dados da PIM de junho.

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“Tendo em vista este contraste, fica claro que a política de incentivo setorial feita pelo governo para tentar dinamizar o conjunto da economia não logrou o sucesso desejado, uma vez que a indústria, que possui maior relevância no PIB, mais encadeamento e gera melhores empregos, pouco foi afetada”, comentou.

Demanda enfraquecida

A XP Investimentos, por sua vez, destacou em junho tanto o desempenho das categorias de Veículos como o Atacado de Alimentos, Bebidas e Fumo. No primeiro caso, a análise é que houve impacto evidente do programa governamental de subsídios às compras de automóveis. Na segunda atividade, a leitura é que ela apresentou uma dinâmica própria no 1º semestre, pelo recuo da inflação de alimentos e a expansão da renda disponível às famílias.

“Os resultados dos demais segmentos varejistas corroboram nosso cenário de enfraquecimento da demanda doméstica, em linha com o mercado de crédito apertado e certa acomodação nas condições do mercado de trabalho” avaliou a XP.

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Após a divulgação da PMC, o Tracker XP do PIB passou a indicar uma elevação de 0,33% no 2º trimestre ante os primeiros três meses de 2023  e de 2,74% ante o segundo trimestre de 2022. “As estimativas anteriores apontavam para altas de 0,27% e 2,66%, respectivamente.” A XP manteve a previsão de crescimento de 2,2% para o PIB de 2023.

João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro, lembrou que, com o resultado de junho, os índice de varejo restrito e ampliado fecharam o 2º trimestre com queda de 0,2% e alta de 1,7%, respectivamente. “O resultado gera também um carry-over de -0,2% e 0,6% para o 3º trimestre e de 1,2% e 5,1% para o ano”, calculou.

Na abertura do dado mensal, citou o melhor desempenho de supermercados, atividade que possui relação direta com a renda das famílias e os preços dos alimentos. Na pesquisa ampliada, ele também citou a forte elevação nas vendas de veículos com o incentivo governamental.

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“Seguimos ressaltando a forte heterogeneidade no desempenho do varejo, com as atividades relacionadas à renda com recuperação e as ligadas ao crédito e não essenciais com dinâmica fraca, reflexo das condições financeiras apertadas e elevado endividamento das famílias”, comentou.

Para o ano, o economista a Kínitro ainda disse ver fatores limitadores para as vendas, como o crédito caro e alto endividamento das famílias, mas também listou outros elementos que podem contrabalançar esses impactos, como o processo de desinflação (especialmente de alimentos e bens industriais) e o mercado de trabalho.

Segundo Savignon, com o dado de hoje, o tracking do PIB do 2º trimestre segue apontando para alta de 0,5% na comparação com o trimestre anterior e de 2,8% na comparação anual.

O PicPay também destacou a surpresa positiva tanto das vendas no conceito restrito como no ampliado, uma vez que as projeções eram de contração nas leitura mensal e anual. Os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, no entanto, veem um cenário ainda desafiador para o restante do ano.

“De um lado, o alto comprometimento de renda das famílias e o encarecimento do crédito devem pesar sobre os itens de maior valor agregado. De outro, o mercado de trabalho resiliente e as transferências de renda em conjunto aos estímulos por parte do governo dão sustentação ao varejo restrito. Para 2023 projetamos uma alta de 0,9% tanto no comércio restrito quanto no ampliado”, analisaram

Ritmo lento

Para Claudia Moreno, economista do C6 Bank, mesmo com a alta no varejo ampliado, a avaliação é de que o comércio deve seguir em ritmo lento até o final do ano, devolvendo parte do crescimento registado no início de 2023. “O o setor segue pressionado pelos juros ainda elevados e pela desaceleração global”, comentou.

A projeção do C6 Bank é que o varejo ampliado feche o ano com crescimento próximo a 6,5% em relação ao ano passado. Já a previsão de crescimento do PIB para 2023 é de 2,5%, com perda de força em 2024, quando deve crescer 1%.

Rafael Perez, economistas da Suno Research, destacou que a estabilidade em junho das vendas varejistas interrompeu as quedas nos dois meses anteriores, o que fez com, no primeiro semestre, o varejo tivesse uma alta de 1,3%.

“Nessa primeira parte do ano, os segmentos de supermercados, alimentos e bebidas e combustíveis, além de combustíveis e lubrificantes foram os principais destaques, com aumentos de 2,6% e 14,5%, respectivamente. A queda na inflação, a melhora do poder de compra das famílias e a diminuição nos preços dos combustíveis ajudam a explicar a expansão desses setores”, comentou.

Segundo ele, no entanto, o resultado indica a tendência de arrefecimento do comércio varejista após o forte crescimento no início do ano e é mais um dado a mostrar uma atividade econômica mais fraca nesse segundo trimestre.

“O cenário doméstico ainda desafiador deve impedir uma retomada mais robusta do setor, já que a perda de dinamismo do mercado de trabalho e o elevado endividamento e da inadimplência tendem a afetar o consumo e a demanda por crédito das famílias”, afirmou. Ele ponderou que o início do ciclo de queda das taxas de juros e a melhora na confiança dos consumidores podem beneficiar o varejo.