Analistas veem alta do IPCA em dezembro como pontual, motivada por recomposição após promoções

Parte da forte alta de itens de saúde, higiene pessoal e vestuário está relacionada ao fim dos descontos da Black Friday

Roberto de Lira

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A recomposição de preços em dezembro após as promoções de Black Friday em novembro foi mais intensa do que o esperado pelo mercado, gerando a “surpresa” negativa com o IPCA do último mês de 2022. O indicador divulgado pelo IBGE nesta terça-feira (10) apontou alta de 0,62% no mês e de 5,79% no fechamento do ano. Para analistas, embora o dado específico do mês tenha sido forte, a piora deve ter sido pontual, uma vez que a tendência de desinflação continua. Em 2021, o IPC fechou em 0,73% no mês e em 10,06% na comparação anual.

Na avaliação de Tatiana Nogueira, economista da XP, o dado de dezembro foi negativo de forma geral, com o índice de difusão tendo avançado de 59% em novembro para 69% em dezembro. Ela destaca, no entanto, que metade da “surpresa” de altas se deu em um subgrupo volátil e bastante sensível tanto à Brack Friday como ao Natal, o que não deve se repetir nos próximos meses.

“Ainda observamos desinflação em curso em linha com normalização da cadeia global de valor e acomodação de preços de commodities, além do desaquecimento da demanda doméstica”, comenta. Tatiana lembra que a média dos núcleos avançou 0,66%, acima da estimativa de 0,46%, mas que a média móvel de 3 meses anualizada, já com ajuste sazonal, desacelerou de 4,8% para 3,45%.

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“Olhando à frente, esperamos que o IPCA de janeiro desacelere, bastante influenciado pelas promoções de início do ano e deflação de energia elétrica e combustíveis, sendo este último um risco no cenário”, prevê. “Nossa projeção para o IPCA de 2023 está em 5,4%, com volta da tributação federal sobre combustíveis (50 pontos base) em março. Não incorporamos elevação do ICMS em gasolina, mas estimamos que tem impacto no IPCA de até 70 bps”, alerta.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, afirma que o impacto dos choques de cadeia sobre a inflação de bens segue resistente, com desaceleração muito irregular nos industrializados, mas que a tendência de desaceleração dos serviços continua, embora a surpresa de dezembro tenha sido modesta.

Ele prefere olhar para o prazo mais longo. “O efeito desse IPCA para o BC deve ser modesto, o que deve estar incomodando mais (o Banco Central) é a piora nas expectativas para IPCA 2024 e 2025 (no Boletim Focus). Esse número não sugere alteração nas projeções de curto prazo. Para o IPCA de 2023 o risco é altista por conta da tributação de combustíveis”, comenta.

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A equipe de análises do banco Original, por sua vez, avalia que, apesar da forte alta observada em itens como higiene pessoal, produtos farmacêuticos e planos de saúde, os serviços continuaram desacelerando na medida dessazonalizada e trimestralizada, “o que é um bom sinal de arrefecimento dos componentes mais inerciais da cesta de consumo, auxiliando o trabalho do Banco Central.” A projeção do banco para IPCA de janeiro é de 0,60%.

Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, afirma que, mesmo com as altas já citadas, além de Alimentos e Vestuário, o cenário inflacionário terminou 2022 mais benigno do que se imaginava no início do ano passado e que isso ajudou nas decisões do BC.

“Caso a inflação siga sem grandes surpresas, a autoridade monetária deve seguir o plano de voo atual. Porém, caso o cenário comece a se deteriorar, ou seja, novos ruídos na esfera política, dificuldade na discussão sobre o novo arcabouço fiscal, elevação de gastos públicos e seus efeitos indiretos sobre a atividade econômica, as expectativas de inflação podem começar a subir de forma relevante. Neste caso, o Banco Central pode a vir a tomar uma atitude mais tempestiva”, alerta Sung

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Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, também classifica algumas das altas de dezembro como eventos únicos (“one-off”). “A gente não espera que continue com essa variação tão alta de preços de higiene pessoal em janeiro”, afirma. Embora o banco esteja no momento revisado suas projeções, por enquanto, a estimativa para o IPCA em 2023 permanece em 5,5%.

Para o BTG Pactual, ainda que parte da surpresa de dezembro tenha decorrido de itens voláteis, a aceleração na média dos núcleos, de 0,33% para 0,66% na comparação mensal e mais a elevação do índice de difusão geral acelerou para 69,0% para um patamar observado em maio passado, sinaliza que alguns vetores de atenção do BC seguem pressionados.

Já Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, lembra que, por mais um ano, o BC terá que se justificar por não ter atingido a meta de inflação, por conta do estouro do teto da meta, além do número ter vindo acima do esperado.

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“A surpresa negativa veio não só no headline, que é afetado também por efeitos sazonais, mas também no qualitativo do índice. Núcleos voltaram a subir e serviços seguem pressionados, afastando a possibilidade aventada na última divulgação de que a inflação subjacente já estava em uma trajetória convergente em direção à meta. O resultado ruim soma-se a piora nas expectativas do Focus registrada ontem e coloca mais pressão sobre o BC no ano que vem, que possivelmente terá de retomar as altas de juros, ou manter por mais tempo do que o antecipado a Selic em patamar terminal.”