Analistas acreditam que alta do IPCA-15 em agosto reduz chance de Copom acelerar corte em setembro

Dados positivos e negativos têm equilíbrio no mês, o que,na opinião dos especialistas, vai levar o BC a manter o ritmo de cortes de 50 bps

Roberto de Lira

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Apesar de a leitura do IPCA-15 de agosto ter vindo mais alta do que o esperado – o índice que é uma prévia da inflação oficial ficou em 0,28% no mês, ante mediana de projeções de 0,17% – o detalhamento do indicador trouxe um equilíbrio entre os pontos negativos e positivos, segundo a opinião de analistas.

Assim, o dado está sendo considerado neutro do ponto de vista da política monetária, o que reforça a tendência de que o Banco Central mantenha em setembro o ritmo de cortes de juros em 50 pontos-base na Selic.

Para Claudia Moreno, economista do C6 Bank, a surpresa de aceleração no indicador (sua projeção era de 0,21%) foi influenciada por três fatores: o fim do bônus de Itaipu nas contas de luz, a alta da gasolina provocada pela volta de impostos e o fim dos descontos de automóveis. “A alta de preços do grupo energia elétrica residencial, gasolina e automóveis novos contribuiu com 0,31 ponto da inflação mensal de agosto”, calcula.

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Segundo a economista, chamou a atenção o fato de que tanto a inflação de serviços quanto a de bens industriais vieram acima do esperado em agosto. “Diferentemente da inflação de serviços, temos convicção que a de bens industriais continuará caindo, pois essa desaceleração já foi sentida fortemente nos preços no atacado. Em 12 meses, a inflação de bens acumula alta de 3,9%”, destaca.

Por outro lado, a queda de 11,4% no preço das passagens aéreas aliviou o resultado final do IPCA-15.

Claudia sublinha ainda que IPCA-15 acumulado em 12 meses já acelerou de 3,19% em julho para 4,24% em agosto, o que confirma a visão de que o menor patamar de inflação já passou e, daqui para a frente, os preços vão continuar subindo.

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Segundo a economista do C6 Bank, além do efeito estatístico – com a saída do cálculo em 12 meses das deflações de julho, agosto e setembro do ano passado -, outros fatores levam a crer que a inflação continuará pressionada nos próximos meses.

“Entre eles, está o fato de os núcleos do BC e da inflação de serviços seguirem em patamar elevado mesmo depois de entrarem em ritmo de desaceleração. Os núcleos de inflação, que excluem elementos voláteis e não recorrentes, acumulam alta de 5,3% em 12 meses, assim como a inflação de serviços, que está em 5,4%”, comenta.

“Na nossa visão, a desaceleração da inflação de serviços não deve continuar. Ela deve seguir pressionada pelo mercado de trabalho aquecido, já que esse é um setor intensivo em mão de obra. Por isso, olhar para a inflação de serviços, que representa cerca de 1/3 do IPCA, ajuda a identificar para onde caminha a inflação geral”, explica, completando que o mercado de trabalho aquecido e as expectativas de inflação ainda acima da meta são desafios à convergência da inflação à meta.

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Para Claudia, o resultado do IPCA-15 de julho não muda a projeção de que a inflação terminará 2023 em 5,4%. “Para 2024, esperamos que a inflação fique em 5,5%.”

André Nunes de Nunes, economista do Sicredi, lembra que já era esperada uma aceleração do IPCA-15 em agosto, com por conta do fim do alívio momentâneo nas contas de energia elétrica residencial, mas que o repique foi mais forte que o esperado. Sua projeção era de uma inflação de 0,14% no mês.

“A leitura mais forte que a esperada decorreu, em grande parte, de uma recuperação mais forte nos preços de automóveis novos, que avançaram 2,94% ante a expectativa de 0,90%. É importante recordar que esse avanço ocorre após o programa de desconto promovido pelo governo”, destaca

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Ele cita ainda surpresas positivas no grupo de transportes, com a queda nas passagens aéreas, e no grupo de educação, com alta de 0,20% nos cursos regulares, ante expectativa de 0,74%. “Com isso, o núcleo EX.0, que exclui itens de alimentação e preços administrados, teve uma variação bem mais expressiva (0,30%) que a esperada (0,10%)”, compara.

Desvios concentrados

João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, reforça que os desvios no índice do mês em relação às projeções se concentraram, principalmente, em alimentação no domicílio (com deflação menor que a esperada), educação e alguns bens industriais.

“O conjunto de preços livres refletiu, por um lado, a maior deflação de Alimentação e o arrefecimento de Serviços e, de outro, a volta de Bens industriais, com automóveis novos devolvendo os efeitos do programa do governo numa intensidade maior que a esperada”, comenta.

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Para ele, as medidas subjacentes e os núcleos, dois pontos muito relevantes para o Banco Central, vieram com números relativamente próximos ao esperado, com exceção dos citados  Bens industriais.

“A média dos núcleos ficou em 0,34%, acima dos 0,25% projetados e dos 0,09% de julho. Junto com os Serviços, esse dado na margem é muito importante para a percepção quanto à dinâmica qualitativa do índice, que seguiu relativamente positiva no mês, a despeito da surpresa com o índice cheio”, explica.

Ele destaca ainda que, em termos interanuais, a média dos núcleos segue desacelerando, de agora de 5,53% para 5,30%, assim como a média móvel de 3 meses anualizada, que passou de 4,0% para 3,8%. A difusão, por sua vez subiu marginalmente, mas segue em patamares bem-comportados, confirmando o movimento mais disseminado de arrefecimento dos preços.

“No geral, a abertura do índice seguiu mostrando uma composição benigna, com importante desaceleração de serviços subjacentes, apesar do número maior que o esperado para a média dos núcleos no mês. Portanto, não altera as perspectivas para a condução da política monetária”, analisa.

Rafael Costa, analista do time de estratégia macro da BGC Liquidez, concorda com essa análise. Para ele, a despeito da surpresa altista no headline, o número de agosto foi favorável. “Tanto a inflação de serviços quanto a de serviços subjacentes registraram variações historicamente baixas para o período, mostrando que a desinflação está sendo consistente.”

Costa argumenta que a inflação da média dos núcleos aumentou, mas que é importante lembrar que automóveis novos fazem parte de alguns desses núcleos (o Ex0, por exemplo), o que está poluindo a leitura do mês.

“A surpresa altista foi devido à forte inflação em automóvel novo, item que está sob efeito do programa de descontos para carros populares do governo federal. Essa inflação muito forte nos automóveis novos é temporária e não deve persistir”, afirma.

Para ele, considerando apenas os itens que se repetem do IPCA-15 para o índice fechado, a projeção para o IPCA de agosto diminuiu de 0,29% para 0,27% na comparação mensal. A projeção de inflação para o ano da BGC permaneceu em 4,90%.

“Barra elevada”

Para a XP Investimentos, apesar da surpresa ascendente do headline, a quebra do IPCA-15 de agosto é consistente com o cenário de política monetária, que considera um corte de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões do Copom. “Efetivamente, não foi uma impressão suficientemente boa ou suficientemente má para ultrapassar a ‘barra elevada’ estabelecida pelo BC para alterar o ritmo de 50 bps. Ainda projetamos IPCA em 4,8% em 2023 e 3,9% em 2024.”

A avaliação do Goldman Sachs é similar. Para o banco de investimentos, um real mais apreciado, preços mais baixos dos produtos alimentares, deflação dos preços no atacado e uma inflação corrente moderada deverão apoiar a continuação de um ciclo de flexibilização gradual na política monetária.

“Um cenário restritivo do mercado de trabalho, uma atividade real resiliente, um cenário de política fiscal e parafiscal expansionista e expectativas de inflação a curto e médio prazo ainda não ancoradas limitam a margem para uma aceleração no curto prazo do ritmo dos cortes nas taxas, diz relatório assinado pelo economista Alberto Ramos.

Marco Caruso e Igor Cadilhac, economistas do PicPay, comentaram que, de modo geral, a leitura qualitativa do indicador atendeu às expectativas do mercado. Para eles, os grupos de Habitação e Saúde e cuidados pessoais foram os que representaram o maior impacto sobre o resultado, influenciados pelo fim da incorporação do bônus de Itaipu e dos itens de higiene pessoal. “Além disso, a sazonalidade da Educação (0,71%) também teve forte influência sobre o resultado, refletindo a volta dos cursos no segundo semestre.”

Os economistas afirmam que grande parte das surpresas em agosto se concentraram em itens de alta volatilidade, mas que a composição do índice segue saudável. “Dito isso, esse cenário não contribui para o Copom acelerar o ritmo de corte de juros”, afirmaram. Eles mantiveram, por ora, a projeção para um IPCA de 4,9% ao final do ano.

Laura Moraes, economista da Neo Investimentos, por sua vez, destaca que esse IPCA-15 teve influência de diversos choques, entre eles o payback do bônus de Itaipu em energia elétrica e a alta parcial de gasolina pela Petrobras, que acabaram levando a inflação de bens administrados para +1,0%.

“Além disso, alimentação no domicílio (-1,0%) está em momento muito benigno tanto pela sazonalidade quanto pelo fundamento. Excluindo todos os choques, o principal ponto de atenção era a quebra de serviços, principalmente o núcleo de serviços que seguiu bem-comportado colocando um viés de baixa na nossa projeção para 2023 e 2024”, afirma.

Na avaliação de Rafael Rondinelli, economista-chefe da Eleven, a divulgação acima do esperado do IPCA 15 de agosto afasta a chance de aceleração no ritmo de cortes da taxa de juros nas próximas reuniões do Copom. “A desaceleração na inflação de serviços e sua leitura subjacente justifica o ritmo de redução da taxa Selic atual definido pelo Banco Central”, afirma.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, avalia que a composição do IPCA-15 continua apresentando sinais positivos importantes, como os preços de serviços e dos serviços subjacentes desacelerando no acumulado de 12 meses, a média dos núcleos de inflação passou continuando a perder força (5,54% em julho para 5,29% em agosto), e a média móvel mensal de 3 meses anualizada recuando. “Apesar do índice de difusão ter crescido marginalmente, não é motivo de preocupação.”

“Apesar do IPCA-15 crescer acima do esperado, ele não altera o nosso cenário. Os últimos dados vêm mostrando um cenário mais benigno para a inflação brasileira. Além disso, o boletim Focus continua mostrando estabilidade das expectativas de inflação. Mesmo com a leve alta na última semana para 2023, as expectativas para os próximos anos seguem inalteradas”, afirma.

Ele destaque que a expectativa é de cortes de 50 bps nas reuniões de setembro, novembro e dezembro do Copom, o que levará a taxa Selic a 11,75% a.a. no final de 2023. “Para 2024, a tendência é que a Selic continue caindo e fique abaixo dos dois dígitos, com uma taxa terminal de 9,25% a.a.”

Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, concorda que o dado de agosto esvazia apostas de cortes de juros mais agressivos na Selic por parte do Copom, que deve seguir o plano de cortes de 0,50 ponto percentual ao longo das próximas reuniões.

“Como esperado, um dado no IPCA-15 pior que o esperado está provocando ajustes na curva de juros, principalmente a ponta curta e média da curva, que tem maior sensibilidade a mudanças nos cortes da Selic. Então quem apostava em algum corte de -0,75% até o fim do ano, pode estar reajustando sua posição”, diz.